Critica – HQ: Coltrane traz a linguagem dos quadrinhos a serviço do jazz

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John Coltrane foi um dos mais enigmáticos músicos do século 20. Sua música, idem. Era esteticamente experimental ao mesmo tempo em que trazia um domínio do saxofone que ia além da consciência do uso do instrumento. Para contar a história do famoso jazzista, o quadrinista italiano Paolo Parisi fez um bom uso tanto da linguagem do jazz quanto das HQs.

O resultado é Coltrane, que a Veneta lança este mês com tradução de Rogério de Campos. Dividida em quatro partes, a obra foi dividida em quatro capítulos que seguem a ordem de A Love Supreme, disco de 1964 que é considerado uma das obras primas do saxofonista. A partir disso Parisi faz um apanhado de temas que perpassam não só a vida de Coltrane, mas o contexto cultural e político dos EUA entre os anos 1930 e 60. São abordadas na obra a segregação social, o racismo institucionalizado, a violência contra os negros, a importância da religião e o mercado fonográfico na primeira metade do século passado.

Em “Acknowledgment”, Parisi traz uma abordagem fragmentada, de ritmo sempre acelerado, que cobre um largo período da vida de Coltrane. Da sua infância pobre na Carolina do Norte à aclamação em festivais de música lotados, esse início é um panorama emotivo e de impacto quase instantâneo no leitor. É também o momento em que o músico reflete sobre sua própria música, exposta na HQ em uma entrevista dele a um jornalista, quando já era famoso.

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“Resolution”, a segunda parte, busca uma narrativa mais linear para colocar em perspectiva a ascenção da carreira de Coltrane, desde sua turnê com Miles Davis em 1956. Aqui Parisi começa a explorar os bastidores dessa fama, que incluíam um vício em heroína (depois superado) e problemas em seu relacionamento com sua esposa Naima. “Pursuance” é sobre a luta de Coltrane por se reinventar, seja como músico ou como pessoa. E isso nunca é fácil. A última parte, “Psalm”, que cobre os últimos anos do saxofonista, de levada mais lenta, é um dolorido e singelo desfecho que apresenta a importância da religião para Coltrane e aponta seu legado como um dos músicos mais importantes do jazz.

Com uso de ambientação detalhado, mas sem rebuscamento, o traço do autor cria uma atmosfera que nos transporta para a ebulição da cena jazzística norte-americana dos anos 1950. Seus discretos momentos de digressão na narrativa livra a HQ do preciosismo e didatismo, que costumam estragar biografias, seja nos quadrinhos, no cinema ou na TV.

Ao reler a HQ ao som de A Love Supreme, a história ganha novos tons, sendo bem mais que apenas uma trilha sonora. O trabalho de Paolo Parisi ficou à altura do que Coltrane fez para a música. Sua ousadia estética e domínio da linguagem é algo definidor para elevar qualquer arte.

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Ouça abaixo o disco:

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