Entrevista: Vanguart

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UM DISCO SOBRE RECOMEÇAR
Fim de um relacionamento gerou o do disco mais confessional do Vanguart

Por Paulo Floro
Da Revista O Grito!

Foto de André Peniche

O Vanguart sempre teve papel importante para Hélio Flanders. Quando ainda tinha a banda como um projeto de gaveta, a ideia do grupo foi suficiente para que o compositor não sucumbisse ao desespero total, muito por conta de drogas e desilusões. “Coisa de jovem”, como diz Flanders. Agora, mais maduro, ele usou o disco como uma forma de expurgar um período complicado na vida pessoal, com a saída recente de um relacionamento.

É um dos discos nacionais mais confessionais deste ano, e como muitas obras deste tipo, a autenticidade do que é dito nas letras fez bem ao trabalho como um todo. “É um álbum corajoso eu diria, pois encarei assuntos em que eu racionalmente só pensava em fugir”. Mais do que ser um disco sobre rompimento, fala da vida pós-perda, do recomeço.

Por isso, entre as propostas sonoras deste novo Boa Parte de Mim Vai Embora foi buscar o melodrama do cancioneiro romântico brasileiro, com influência de Cida Moreira e Elizeth Cardoso. Sem esquecer de Bob Dylan, claro. O vocalista do Vanguart, Hélio Flanders fala à Revista O Grito! do processo criativo, das lembranças mais antigas da banda, das letras sobre o fim de seu relacionamento e até lembra dos fãs do Recife.
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Crítica do novo disco do Vanguart Boa Parte de Mim Vai Embora
Hélio Flander e São Paulo
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Vocês conseguiram relevância dentro do cenário independente antes mesmo de lançar um disco. É difícil conseguir isso?
Nós viajamos muito por festivais independentes entre 2005 e 2006 com um Epzinho caseiro embaixo dos braços, chamado Before Vallegrand. Na época era o que tínhamos e serviu como um cartão de visitas. Penso que se um grupo ainda não tem um álbum, deve registrar o que ele considera mais vital pra mostrar o que é a banda e partir pra estrada. É essa estrada que vai permitir um primeiro álbum mais “resolvido”.

E qual foi a principal mudança que vocês sentiram na banda nos últimos anos?
Acho que fomos amadurecendo com a chegadas dos anos, hoje estamos na média dos 25, é muito diferente de quando você tem 19, 20 e só quer ficar doido e se divertir fazendo música. Hoje nos divertimos igualmente, ou até mais, porque temos consciência do que estamos fazendo, mas em contrapartida temos muito mais responsabilidades. A chegada dessa madurez ajudou a ter paciência em se conseguir um som que fosse a cara do Vanguart.

Sobre este novo trabalho, o intuito foi falar de amor nas mais diferentes formas? O que podem nos falar sobre o conceito do álbum?
Eu escrevi 75% dessas canções sem saber do que elas se tratavam, de forma bem insconsciente. Eu colocava pra gravar e saia tocando e falando, cantando as letras, depois ouvia e transcrevia. Na maioria das vezes ficava surpreso com as proprias coisas que havia falado, então comecei a dizer pro Reginaldo [baixista e parceiro de algumas composições] que eu estava finalmente me auto-psicografando (risos). De fato eu sabia que estava cantando sobre rompimentos amorosos e uma nova vida sem minha parceira do lado, mas não imaginava que iria tão fundo nos temas. Foi muito doloroso, mas necessário para que eu vencesse algumas etapas, e o resultado é um álbum muito confessional e corajoso eu diria, pois encarei assuntos em que eu racionalmente só pensava em fugir. Alguns disseram que é um álbum sobre o divórcio, eu discordo. Boa Parte de Mim Vai Embora é acerca da reflexão pós-perda, ou se trata de um recomeço. Ele poderia se chamar “A Despedida Segundo Vanguart”, ou “Desmentindo a Despedida”. Tudo gira em torno de despedida – espera – encontro.

capa vanguart

Vocês sempre tiveram inspiração de Bob Dylan? Ou escolheram um lado dele mais romântico como referência para este novo trabalho? Falem mais sobre quem mais influencia o som de vocês.
Bob Dylan moldou minha maneira de ler e escrever música, de empunhar um violão e de balbuciar métricas livres. Há muitos anos já não tem feito parte das coisas que escuto em casa, mas ele sempre estará presente. Acho que esse disco se aproxima em temática de Blood On The Tracks, o meu favorito dele. A diferença é que ele é o Dylan e nós somos uns moleques (risos).

“Engole” tem uma pegada Roberto Carlos. Vocês foram fundos em uma clima mais melodramático brasileiro neste disco? Que artistas nacionais serviram como referência?
O melodrama é fabuloso, especialmente no Brasil. Minha grande influência pra cantar nesse álbum vem em sua maior parte de cantoras: Cida Moreira, que me abalou profundamente desde a primeira vez que eu a vi cantar; Alaíde Costa, com sua língua presa e sua métrica extraordinária; Elizeth Cardoso, pois quando Romulo Fróes me disse que eu alongava as vogais de um jeito diferente, eu fui pesquisar e tive a resposta ao ouvir “Canção do Amor Demais”, eu estava brincando de Elizeth sem saber! E por fim eu ainda coloco Nelson Golçalves e Cauby Peixoto, como um dos maiores cantores do mundo.

Vanguart home

Com exceção de um refrão, vocês optaram por letras em português em todo o álbum. Qual foi a ideia por trás disso?
Foi uma maneira mais direto de se comunicar com nossos ouvintes. O português traz uma profundidade discursiva impressionante. Acho que antes a gente se camuflava um pouco nos outros idiomas. Em português você está sendo compreendido o tempo todo, a coisa fica séria! (risos). O idioma materno veio como um aliado ao conceito, pois era bem difícil ambientar o ouvinte mesclando tantas línguas, em português tudo ficou mais coeso e fez mais sentido. A responsabilidade aumentou muito tambem, foi um desafio encarar 12 canções (tem uma de composição do Reginaldo Lincoln, baixista e vocalista tambem, no álbum) e escrever essas letras.

O disco foi gravado em Cuiabá, mas vocês se mudaram para São Paulo, certo? No que essa mudança representou para a banda? Dizem que não existe amor em São Paulo.
Estamos há 5 anos em São Paulo, nossa vida hoje é aqui, e apesar de ter achado o álbum do Criolo uma das coisas mais maravilhosas que ouvi na música nos últimos anos, eu vejo amor em cada escombro e em cada esquina de SP, e talvez o mesmo tanto de desamor. Voltar à Cuiabá para gravar foi como uma redenção, uma fuga, uma concentração a mais. Acordávamos às 7h da manhã e gravavamos das 8h às 18h, num processo muito lúcido, o que foi fundamental pra que conseguimos extrair o melhor das execuções, já que o disco foi gravado ao vivo no estúdio, sem metrônomo. São Paulo trouxe muita inspiração pra nós, os artistas com quem divididmos o palco, os bares, as ruas, talvez se tivéssemos ficado em Cuiabá não teriamos absorvido tantas coisas.

De fato eu sabia que estava cantando sobre rompimentos amorosos e uma nova vida sem minha parceira do lado, mas não imaginava que iria tão fundo nos temas. Foi muito doloroso, mas necessário

Vocês chegaram a explicar a capa do disco, mas gostaria de voltar a esse ponto. Como foi fazer a produção da capa e no que ela contribui para o conceito do álbum?
A imagem da capa foi se formando na minha cabeça, fiquei lendo as letras e viajando na coisa das mulheres corajosas, que seguram a onda, matam bandidos, cuidam das crianças e não perdem sua doçura nem sua força. O mundo está cheio de mulheres assim, com toda sua nobreza e maternidade, foi uma maneira de homenageá-las.

Falando um pouco do passado da banda, qual a lembrança mais remota que vocês têm do Vanguart?
Lembro de ter feito meu segundo álbum caseiro, com 17 anos recém-completados e ter ingressado num ônibus fétido em direção à Bolívia sem saber se eu ficaria 5 semanas ou 5 anos. Àquela altura Vanguart era apenas um projeto de gaveta, pra garantir que eu não tivesse as mãos e a cabeça vazia por muito tempo, um grande risco naquela época de desesperação total, muito por conta de drogas e desilusões, coisa de jovencito, né? 9 meses e 80 canções depois, da qual creio ter aproveitado só uma meia duzia (risos), voltei à Cuiabá e o Vanguart virou uma banda.

Vocês perceberam como mudou a cena da qual faziam parte? Ou não conseguem mais acompanhar o que tem sido feito de novo?
Estamos acompanhando sempre, buscando pessoas com quem a gente se identifique. A alegria e euforia tem sido grande, pois grandes álbuns estão nascendo: Los Porongas e Pública até agora fizeram os álbuns de rock do ano.

Lembro de um show que fizeram no Rec Beat no Recife antes do lançamento do primeiro disco. Tinha muitos fãs gritando todas as músicas. Como é a relação com os fãs? Tem planos de tocar por aqui?
Recife sempre foi muito especial, desde a primeira vez no Armazén 14 até o Rec Beat e Abril Pro Rock. Temos muita vontade de voltar logo pra lançar o álbum novo, tanto pelo carinho das pessoas daí como pela questão de ser uma cidade chave para quem está atrás de artistas interessantes e inventivos. Temos grandes amigos em Recife, que a volta não tarde!

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