Crítica-HQ: Jayme Cortez finalmente ganha edição à altura da sua importância para os quadrinhos

Fronteiras do Além reúne histórias do terror do quadrinista que se tornou um mestre do gênero no Brasil

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Foto: Divulgação/Pipoca e Nanquim.
Crítica-HQ: Jayme Cortez finalmente ganha edição à altura da sua importância para os quadrinhos
8.5

FRONTEIRAS DO ALÉM
Jayme Cortez (texto e arte), Fabio Moraes (organização e textos)
[Pipoca e Nanquim, 132 pags, R$ 69,90 /
2020]

O terror foi um dos gêneros mais populares nos quadrinhos do Brasil, com uma prolífica produção vendida em bancas. Essa fase áurea da produção editorial de HQs pode não ser tão conhecida entre a nova geração de leitores, mas certamente sua influência ainda se faz presente. Parte desse desconhecimento se deve ao nosso problema histórico em não valorizar a memória (sobretudo em uma mídia cujo reconhecimento artístico aconteceu tardiamente como as HQs).

A editora Pipoca e Nanquim lança agora Fronteiras do Além, uma antologia que reúne a produção de terror do luso-brasileiro Jayme Cortez ((1926 – 1987), com todas as HQs restauradas para se adequar aos padrões de qualidade atuais (as revistas originais eram impressas em papel barato, que sofreram com a passagem do tempo). A edição traz ainda um rico material de apoio que ajuda o leitor a contextualizar não só a importância de Cortez como a produção editorial de terror no mercado de quadrinhos no Brasil. O projeto e os textos são de Fabio Moraes, que contou com um farto material de pesquisa coletados no acervo do desenhista.

Entre os apêndices estão depoimentos de nomes importantes dos quadrinhos nacionais, como Luiz Saidenberg, R.F. Lucchetti, além de um prefácio de Maurício de Sousa – foi Cortez que, ao recusar os quadrinhos de terror de Maurício o instigou a seguir com os personagens que dariam origem à Turma da Mônica. Mas o maior tesouro é a decupagem de uma história, com o próprio autor explicando em detalhes todo o seu processo criativo.

Nascido em Lisboa, Cortez desembarcou no Brasil aos 21 anos em 1947 após algumas participações em publicações portuguesas. Chega por aqui em um período de transição do nosso mercado, que apesar de possui um público leitor bem maior que sua terra natal, tinha o grosso de sua produção artística formada por material estrangeiro. Com esforço, ele foi ganhando espaço e foi responsável por diversas publicações ao longo de várias décadas. O livro traz 24 histórias, quase todas em preto e branco, com destaque para “O Retrato do Mal”, publicada primeiro em 1961 e em seguida, com mais páginas em 1973 (esta antologia traz as duas versões).

Bastante influenciado por Edgar Allan Poe, as histórias de Cortez se baseiam muito no chamado terror psicológico. O texto, com seu tom literário pomposo, pode soar dissonante para o leitor de hoje, mas é inegável o talento do autor em criar um clima de horror que certamente causou calafrios em seus leitores à época. Já a arte é estonteante e resistiu à passagem do tempo: seus personagens cheios de expressão trafegam por cenários com um contraste bem marcado de preto e branco. Há também uma fluidez muito marcada em seu traço, o que dá um tom expressionista ao desenho. Cortez também tinha um conhecimento grande da linguagem dos quadrinhos, com o uso de requadros e letreiramento como parte da narrativa – ele era um autodidata e aperfeiçoou seu estilo a partir de muita leitura e estudo.

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A contribuição de Cortez para a popularidade do quadrinho de terror no Brasil é parte importante da saga das HQs no Brasil. Rodolfo Zalla (1931-2016), Eugenio Colonnese (1929 – 2008), Flavio Colin (1930 – 2002), Mozart Couto e Maria Aparecida Godoy, entre muitos outros fizeram da turma de artistas responsáveis pela produção longeva desse gênero. A maior parte dessas HQs saíam na revista Mestres do Terror, uma das publicações mais longevas de nosso mercado, editada por Zalla entre 1981 e 1993. Esses nomes influenciaram diversos artistas nos anos posteriores e seguem como expoentes de um período muito específico de nosso mercado editorial.

Uma edição tão bem cuidada como essa Fronteiras do Além chama atenção para a necessidade de termos à disposição a produção de autores nacionais, tanto de terror como de outros gêneros. Com raras exceções, a maior parte da produção desses artistas citados seguem fora de catálogo e só são encontrados, com muita dificuldade, em sebos online. Que possamos celebrar mais trabalhos incríveis do nosso quadrinho em belas edições como essa.

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