A beleza distópica de “Veneza Triste”, faixa do rapper João Barata

É uma caminhada visceral pelo centro da cidade vivendo na pele a situação de abandono em meio ao lixo

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Foto: Isabella Salles.

Eu vivo uma eterna briga comigo mesmo com relação a internet. Amo e odeio. Mas quando amo, esse sentimento surge da forma mais inesperada. Nas redes sociais sigo de tudo um pouco, de perfis de artistas queers cults emergentes nova-iorquinos a pessoas que circulam pela galera alternativa da periferia do Grande Recife. Um desses é Gabriel, um rapaz bem bonitinho que faz uns brownies espertos e também fabrica um óleo lubrificante milagroso à base de ervas com mais utilidades do que Bombril, pois, como ele mesmo propagandeia no Instagram na sua página Castelos Veganos, lubrifica as partes íntimas de nossos corpos, fortalece cabelos desnutridos e ainda diminui a ansiedade se o usuário der umas xiringadas do líquido na boca. Amei e recomendo.

pki

Pois bem, esse moço participa de uns coletivos, dentre os quais o PKI a.k.a Pokas Ideias (@ideiaspokas) que se anuncia como um “Coletivo Pernambucano de Terceiro Mundo, desde 2017, dando soco na moleira”. Foi não foi, via Instagram, dou uma olhada no que eles produzem. Tem vídeos com poemas, rap, música eletrônica, videoarte, fotografia, camisetas para venda com uns desenhos irados, receitas veganas e posicionamentos políticos. E aí, no último domingo, @castelosveganos postou um story ao lado de um chegado – João Barata @baratinai – e clica ali clica acolá descubro que o rapaz é autor do rap “Veneza Triste”, disponível no YouTube e nas plataformas de streaming com produção musical do beatmaker Mano Zeus (@mano_zeus). Fui lá conferir. Meu irmão chapei.

A base musical de “Veneza Triste” segue os ditames da arte pop em sua apropriação de referências, mas ela serve como uma luva para emoldurar a letra que é uma das melhores coisas que ouvi recentemente. Ela nos fala de um Recife que está aí na nossa cara. É uma caminhada visceral pelo centro da cidade, trazendo à tona os paradoxos entre quem passa e vê o cenário distópico que se desenha pelas ruas e logradouros e os que estão dentro dele, vivendo na pele a situação de abandono em meio ao lixo.

“Recife é como um conto de Saramago. Você tem medo do cheira cola. O Treze de Maio é um bacanal”. Que a poesia de João Barata se expanda e nos dê outras porradas como essa de Veneza Triste.