As Boas Mulheres da China

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DORES E DESABORES DE SER BOA
Em 2007, as livrarias receberam relatos de mulheres que denunciaram a opressão e humilhação apenas por serem mulheres
Por Paulo Floro

Uma menina é estuprada pelo pai desde os 11 anos de idade. Seu alívio foi ter sido internada em um hospital, onde encontrou o toque gentil nas patas de uma mosca. Não uma pessoa, uma mosca. Ficou feliz quando soube que iria morrer e não precisaria voltar para a casa do pai.

Essa e outras histórias igualmente trágicas estão no livro da jornalista chinesa Xinran, que as coletou na época que trabalhava num popular programa de rádio da China. Em 1983, quando iniciou as transmissões, Deng Xiao Ping iniciava um tímido processo de abertura e o jornalismo no país podia dar seus discretos, mas importantes passos para mudar o panorama das notícias. Foi assim que “Palavras na Brisa Noturna” pode ser ouvido e mudar a vida de diversas mulheres.

Xinran recebia milhares de cartas e até mesmo pedidos de ajuda de seus leitores. Um anônimo a reportou o sofrimento de uma menina de 12 anos que vivia acorrentada num pequeno vilarejo por um velho, que a estuprava. Também fazia pesquisas de campo. Foi até o presído de Hunan para conhecer Hua’er, presa por promiscuidade ou, em palavras oficiais “delitos sexuais e coabitação ilegal”.

Nascida em família rica, Xinran também foi vítima da opressão sofrida pelas mulheres de seu país. Não que tenha sido violentada ou agredida, mas com 22 anos teve medo de ter sido engravidada pois pegara na mão de seu professor numa festa ao luar. A contribuição que deu para os direitos humanos não só da China, mas como de várias partes do mundo a colocou como uma celebridade. Hoje, casada com um inglês, mora em Londres, de onde escreveu “As Boas Mulheres da China”.

Seu estilo é ágil como uma boa reportagem, mas tem o tom certo para emocionar o leitor com histórias de diversas mulheres sexualmente molestadas, prisioneiras, homossexuais, universitárias, religiosas. O livro alerta que o direito a vida e dignidade estão acima dos ditames de qualquer sociedade. Xinran faz parte de uma nova História, agora não mais escrita por historiadores, mas por jornalistas, que como diz um ditado chinês: “os policiais apagam incêndios e os jornalistas ateiam fogo”.

Desonrada, Infiel

A escritora Xinran, hoje, em sua casa na InglaterraA escritora Xinran, hoje, em sua casa na InglaterraNo início do ano, outras personagens marcaram a literatura com seus dramas femininos, e assim como Xinran, também representaram uma força importante na luta a favor dos direitos humanos. Desonrada, de Mukhtar Mai, é o relato da paquistanesa estuprada por quatro homens após uma decisão tribal decidir que ela pagasse por um suposto erro cometido por seu irmão, este também violentado. A história de Mukhtar, que hoje dirige uma escola e ainda aguarda novo julgamento de seus agressores, movimentou o noticiário nos últimos cinco anos, mas ainda está longe de ter um fim. As jirgas, tribunais à margem do governo oficial ainda tem relevância maior para resolver conflitos e outras pendengas. Não raro mulheres são usadas nestas barganhas, seja como punição ou troca de favores. Infiel, narra a impressionante trajetória de Ayaan Hirsi Ali, desde a infância tradicional muçulmana na Somália até o despertar intelectual na Holanda e a existência cercada de guarda-costas no Ocidente. Jovem exilada somali, eleita deputada do Parlamento holandês e conhecida na Holanda por sua luta pelos direitos da mulher muçulmana e suas críticas ao fundamentalismo islâmico, Ayaan relata entre outras coisas, em seu livro, a brutalidade com que as mulheres são submetidas a processos humilhantes e dolorosos de retirada do clitóris e a situação de opressão e violência contra a mulher na sociedade muçulmana

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