Conheça Ellen Tejle, a criadora da campanha A-Rate

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Ellen Tejle, a criadora da campanha A-Rate do selo Bechdel-Walace, que surgiu como campanha em 2013 na Suécia, conversou com FF sobre cinema, ficção e relações de gênero e étnicas como representação. A campanha tem apoio do Instituto Sueco de Cinema, a maior fonte de financiamento do mercado cinematográfico daquele país.

Ellen Debora
Ellen Tejle e Débora Ivanov, da Ancine.

FF – Porque o teste Bechdel é focado somente em filmes e não inclui séries de TV? Afinal, são produtos da mesma indústria. Aqui no Brasil a ficção televisiva é muito popular e atualmente bastante voltada para as questões de gênero, mais do que os filmes, e nos demais países da América Latina, a situação é semelhante. A produção televisiva sueca também é muito forte, não é?

ET – A forma original de aplicar o teste Bechdel, de 1985, é em filmes. Mas na Suécia nós também aplicamos às series de TV, resenhas de livros, seminários e outros segmentos.  É livre para ser utilizado por qualquer pessoa da forma que achar melhor.

FF – Você acredita que o teste Bechdel ajudou efetivamente a aumentar a participação da mulher nos filmes suecos?

ET– Com certeza. Ele contribuiu para desenvolver a consciência da importância da representação feminina nos filmes.

FF – Qual é o Market Share do Cinema Sueco comparativamente com a produção estrangeira? Os filmes suecos são populares? Um de nossos mais influentes críticos, Paulo Emílio Salles Gomes, disse uma vez que “o pior filme brasileiro seria sempre mais significativo do que qualquer produção estrangeira”.

ET – A Suécia possui 15% de participação no mercado de cinema. Os Estados Unidos respondem por 40%, e 38% são do restante da Europa.

FF – O teste Chavez Perez foi inspirado pelo Bechdel?

ET – Sim.

FF – Parte dos Coletivos Feministas Brasileiros está defendendo um movimento feminista interseccional que inclua as questões étnicas. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), desde 2014 a população preta representa 53,6% do total. Assim, me parece que ambos os testes, Bechdel-Walace Chavez Perez poderiam ajudar a Brasil a promover políticas igualitárias para as produções de cinema e audiovisual, não acha?

ET – Penso que os dois testes contribuem para dar mais visibilidade à discriminação a pessoas pretas e às mulheres, e que podem igualmente ampliar a consciência da indústria cinematográfica brasileira, e também da própria audiência.

FF – O que aconteceu após os cinemas suecos adotarem os testes Bechdel-Walace e Chavez Perez como classificação para os filmes em cartaz?

ET – Nós lançamos o teste Bechdel para as salas de exibição em 2013. Nós usamos o Chavez Perez, por enquanto, como um argumento a mais, mas também para levantar dados que validem o teste e demonstrar para a indústria como funciona o estereótipo.

FF – A que altura você decidiu que iria se dedicar a uma campanha classificatória? Qual a experiência específica que fez com que você sentisse essa necessidade?

ET – Eu fui a diretora do cinema de arte Rio por oito anos. E pra mim tudo começou quando eu percebi como eu era pouco esclarecida, eu mesma, quando essas questões surgiam em forma de estereótipos e dados nos filmes. Eu tive a “sensação” de que eu tinha um vasto conhecimento referente a essas questões, e ainda de que eu programava filmes na minha sala levando em conta essas questões. Foi assim. Quando eu comecei a contar o número de diretoras mulheres, protagonistas mulheres, e assim por diante, em exibição na sala do Cinema Rio, eu fiquei chocada ao perceber como eram poucas, e que isso não correspondia ao que eu sentia a respeito. E isso se tornou a minha grande lição. NUNCA CONFIE EM SEUS SENTIMENTOS. NUNCA!  E se eu, uma mulher na Suécia, estava tão distante de ter plena consciência, acredito que deva haver muitas outras na mesma situação. Portanto, este é o motive pelo qual eu criei uma campanha que tem por objetivo despertar a consciência da representação feminina no cinema.

FF – O que mais pode ser feito no futuro para conquistar e qualidade de gênero na indústria cinematográfica?

ET – Em minha opinião, o filme industrial comercial não está levando a questão da representatividade feminina a sério. Não ainda.  Naturalmente, não é mais comparável ao período em que apenas 7% das mulheres eram diretoras (4% somente em Hollywood, 2016) e os papeis de fala giravam em torno de 30% (o mesmo número de 1940 se manteve estável).  Desta forma, não, nós não estamos insistindo na mesma tecla com a devida rapidez. E quando você busca dados sobre as minorias ou, por exemplo, mulheres pretas, eles são totalmente invisíveis. Assim, nós precisamos de mais pessoas exercendo cargos de poder nos institutos de mídia, de filmes e no próprio cinema para aperfeiçoar o conhecimento acerca da representação nos filmes, fazendo levantamentos e estabelecendo planos de ação para alcançar 50/50.  A Suécia é um bom exemplo de como institutos, a mídia e as organizações de base trabalhando juntas podem melhorar a equidade nos filmes. O que prova que isso é possível.

FF – Como foi a recepção na Suécia ao A-rating e aos recursos públicos disponibilizados para atingir a meta 50/50 para projetos liderados por homens e mulheres?

ET – As vozes que se elevaram vieram logo no início de nossos críticos – os quais eram de modo geral nossos melhores amigos supostamente feministas (PR-friends) a fazer com que a mídia continue a perpetuar suas ideias. Eles não são muitos, mas são visíveis. E frequentemente eles usam os mesmos argumentos de sempre, como “eu já tenho consciência disso” ou o clássico “eu escolhi a qualidade no meu filme, e por acaso era majoritariamente feito por homens e fala sobre eles”. Nossa estratégia e a do Instituto Sueco de Cinema tem sido a de checar cada argumento com um plano de ação e fatos. Os levantamentos e pesquisas ajudam a mostrar como a indústria cinematográfica é discriminatória, assim como a elaboração de novas bases de dados destacando somente as mulheres nos filmes, e assim assegurando que mais e mais parceiros admitam que seu “próprio instinto” não era correto. Eles precisam mudar, nós precisamos mudar. A maioria das críticas não é silenciosa. Nestes últimos quatro anos de lutas nós vimos que o progresso é evidente. Basta olhar o mercado de cinema sueco atual em que 60 % dos prêmios vão para as mulheres (e não somente na direção, mas na direção de fotografia, edição, roteiro, e assim por diante). Os três melhores filmes na avaliação dos críticos na Suécia dos últimos 10 anos são dirigidos por mulher, tem mulheres protagonistas, e foram escritos por mulheres. Portanto, o argumento de que mulheres não fazem filmes tão bem quanto os homens não funciona mais. Porque naturalmente não é verdade.

FF – Qual o maior obstáculo que as mulheres encaram na indústria do audiovisual, em sua opinião?

ET – Maus hábitos e ignorância. Não acredito que as pessoas queiram fazer filmes sexistas, ou criar estereótipos ruins para as mulheres. Eu penso que as pessoas estão fazendo o que sempre fazem, e contando histórias similares às que conhecem, sem se questionar. As pessoas da indústria cinematográfica precisam perceber que elas têm poder e responsabilidade, e que elas são as mesmas que precisam ter clareza de sua decisão no processo de fazer um filme. E ousar quebrar estereótipos. Com certeza vai ser um filme melhor e uma história melhor.