CINE PE 2008: Ocidente

foto curta ocidente divulgacao

LIÇÕES DE COMO TRANSFIGURAR O REAL
Ocidente, curta do pernambucano Leonardo Sette é obra conceitual
Por Rafael Dias

cine pe seloÉ de um minimalismo monástico, quase fundamentalista. Em um primeiro plano estático, são apresentados apenas dois personagens, cujas silhuetas vão aos poucos se definindo sob um filtro fosco (um vidro?) e embaçado. Condicionadas a imagens imediatas, nossas retinas são forçadas a se adaptar a um outro ritmo, muito mais lento e detalhista. Em poucos segundos, identificamos ali um casal de idosos concentrados na leitura, absorvidos na indiferença de si mesmos e do mundo, em um recinto fechado em movimento. Um trem, constatamos em seguida, ao ver a paisagem que corre pela janela. E, assim, vamos moldando nosso olhar, desacelerando em alta velocidade.

É com essa imagem focada, de ação inerte e passiva que causa estranheza e um certo tom de angústia do vazio, que somos apresentados ao quadro “pintado” de Ocidente, curta em 35 mm do diretor pernambucano Leonardo Sette. Sim, o filme de apenas sete minutos se assemelha, guardadas as devidas proporções, a uma tela renascentista de Michelangelo: imutável e em sua aparente perfeição clássica, sem uma nódoa ou qualquer sinal de desequilíbrio, olimpiana. O recorte de uma cena aparentemente frívola e sem sentido.

Mas, a partir das gradações e interferências manipuladas pela câmera, o vídeo ganha outras camadas de interpretação. A certa altura, o olhar capta zooms da cena e seus elementos. Rosto, janela, céu azul, somos convidados a mergulhar numa tela fluida, que suga o nosso olhar. Em certo momento, podemos imaginar até um flerte com a levitação tarkosvkiana: as tomadas lentas, os planos longos, a fotografia suave (porém sem o tom de sépia). Como uma transfiguração da realidade, a imagem sugere um descolamento do instante nulo para um sentimento poético imanente, o alcance da sublimação.

Embora tenha sido pensado a priori, o vídeo parece ser fruto de um “momento”, de um lampejo glauberiano de uma câmera na mão – o que não significa desapreço, pelo contrário. Conceitual, o filme é uma obra “aberta” passível a qualquer tipo de interpretação. Uma crítica à ocidentalização material da existência? Um ensaio sobre solidão? Apologia à alienação? Ou sem sentido algum? Não se sabe. Há decerto uma falha, a de que talvez o filme nos deixa num novelo de muitos nós em aberto. Sente-se falta de uma amarra, de alguma pista adiante. É apenas um recorte de um todo muito maior e mais complexo.

OCIDENTE
Leonardo Sette
[Brasil, 2008]

NOTA: 7,5

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