Cobertura: Medeski, Martin & Wood

medeski martin wood foto marcelo costa

AULA DE GROOVE E VANGUARDA
Acid jazz, funk, música eletrônica, kraut-rock, fusion, progressivo, hip hop instrumental, dodecafonismo eventual e o escambau no show do Medeski Martin & Wood em Sampa
Por Eduardo Carli Fotos: Marcelo Costa

Medeski, Martin & Wood | 20 e 21 de Setembro
SESC Vila Mariana – São Paulo

Sim, onde quer que eles estejam, os deuses do groove estão rindo à toa. Em sua terceira passagem pelo Brasil, o power-trio nova-yorkino Medeski, Martin & Wood fez miséria no groove, no experimentalismo, na pulsação e na exploração sônica aventureira – em suas duas apresentações em São Paulo. Aqueles que foram ao SESC Vila Mariana, nos dias 20 e 21 de Setembro, puderam sacar porque estes caras são considerados uma das bandas mais criativas, originais e imprevisíveis dos últimos anos – uma das poucas que vêm expandindo os limites da música com sua junção magnífica de vanguardismo doidão e jazz-groovado quase dançante.

Nascido em 1991, o grupo composto por John Medeski (teclados), Billy Martin (batera) e Chris Wood (baixo) deu duas brilhantes e radicalmente diferentes – aulas de música instrumental ao público paulista. Eis o tipo de banda que merece ser vista ao vivo várias vezes, pois a cada apresentação é uma nova história: a imprevisibilidade, no caso do MM&W, é sempre algo a se prever. No show do sábado, uma sonzeira altamente vanguardística, cheia de experimentalismos pesados e mergulhos fundos em sonoridades estranhas, pode ter assustado o público que foi esperando encontrar o lado mais acessível da banda, presente no mais recente álbum de estúdio, Let’s Go Everywhere (repleto de músicas infantis e sons alegres). No show do Domingo, a piração foi deixada mais em segundo plano e o destaque foi para um groove dos diabos, preenchido por um tecladeira dos infernos, em duas horas de um som hipnótico e mesmerizante que você pede, implora, reza para não parar de acontecer.

Chega uma hora que você não sabe mais se aquilo se parece mais com Yes ou com Kraftwerk, com Thelonious Monk ou com King Crimson, com DJ Shadow ou com Miles Davis fase-Bitches Brew, com Funkadelic ou com Steve Reich. Medeski, Martin & Wood não têm respeito pelas fronteiras artificiais que querem tornar os estilos musicais compartimentos estanques e incomunicáveis: eles viajam no espectro, sem medo, sem dó. Colocar um rótulo de gênero na música deste trio é, muito mais que difícil, algo castrador. Pois eles conseguem ser tudo: acid jazz, funk, música eletrônica, kraut-rock, fusion, progressivo, hip hop instrumental, dodecafonismo eventual e o escambau. Coisa para pouquíssimos.

O visual da banda no palco é instigante: são praticamente dois círculos ao redor do baixista, único membro da banda que toca de pé, no centro do palco. Martin, à esquerda, fica rodeado por seu kit de bateria e percussão, onde se senta de lado; Medeski, à direita, totalmente circunscrito num círculo formado por piano, teclados e órgão. Enquanto o baterista parece representar uma postura mais pé-no-chão, ligada às raízes e ao chão, gerando ritmos e pulsações extremamente instigantes e terráqueas, o tecladista parece mais com um astronauta que dá rédeas à sua loucura e solta-se na estratosfera em viagens sônicas realmente espaçonáuticas. Já Chris Wood, intercalando performances no baixo elétrico e no acústico, dá uma amostra incrível da versatilidade incrível de um instrumento que alguns leigos consideram secundário demonstrando a que extremos musicais se pode levar um contra-baixo.

Em cima do palco, os três músicos são extremamente contidos – fora uma tímida e desengonçada dancinha de Chris Wood, que parece tocar flexionando os joelhos de um jeito esquisito, e uma doidera que Medeski fazia com seu “epilético” pé direito nos momentos mais empolgados de seus solos. O MM&W é de uma frieza exemplar. Eles tocam como se estivessem sozinhos em casa, num dia de inverno e tédio, nem levando em consideração que estão à frente de um teatro lotado, sem jamais dizer uma palavra sequer para o público – para quem, aliás, nem olham.

O que alguns podem até considerar um sinal de antipatia ou excessivo distanciamento, já que os músicos que não procuram em nenhum momento estabelecer um contato mais direto com a platéia através de “obrigados”, tchauzinhos ou pirotecnias performáticas, pode ser visto sob outra perspectiva, mais favorável. Em primeiro lugar, esses caras parecem não estar nem aí para tentarem ser os Senhores Simpatia e Sorrisinhos, cativando o público com truques baratos como os entertainers do showbusiness – seria muita depravação…. Como toda banda confiante de que sua música é a melhor mensagem possível, e a única que realmente importa, fazem o essencial: they let the music do the talking.

Em segundo lugar, também temos que reconhecer que executar uma música tão complexa, aventureira e virtuosística demanda um grau de atenção e concentração que deve impedir a criatura de pensar em qualquer coisa além de seu instrumento. E cada um dos três é, sem dúvida alguma, um instrumentista fenomenal, extremamente eclético e dedicado a levar as potencialidades de seu “brinquedinho de escolha” às extremidades. Já a sincronia entre os músicos é tamanha que você imagina que só mesmo depois de 15 anos tocando juntos três pessoas conseguem tal grau de coordenação, gerando uma inteligência coletiva de embasbacar qualquer um. Quem já teve banda sabe o quanto é difícil atingir um grau tão espantoso de conexão.

Sim, não só os deuses do groove estão com os dentes à mostra e a alma contente após a passagem dessa brilhante espaçonave medeskiana pelo céu de Sampa Town.Nós todos, que estivemos lá para testemunhar essa aparição fantástica, também estamos. E, quando a música parou, parecíamos um bando de criançinhas birrentas de quem se roubou um delicioso doce, berrando em coro: “WHERE’S THE MUSIC? WHERE’S THE MUSIC?”

Galeria

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Apresentação no Sesc Vila Mariana/SP em 21/09/2008.
[Câmera escondida]