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Romero Ferro no trio do Chá da Alice, na Parada LGBTQIA. (Foto: Suh Farias).

Cobertura: Parada da Diversidade Pernambuco 2022, um retorno de protesto e música

Após dois anos sem acontecer por conta da pandemia, parada retornou com festa, conscientização política e "voto por direitos LGBT"

Parada da Diversidade LGBTQIA+ 2022
Orla de Boa Viagem, Recife – PE
Domingo, 18 de setembro de 2022

José acordou cedo num domingo que, de costume, é sua folga. Vestiu a melhor roupa, também uma das mais confortáveis, já que o sol de Recife estava quente demais (como de costume). Ouviu desaforos de seus pais conservadores antes de sair de casa. Mas não deixou ser abalado e mesmo assim foi. Pegou logo o Joana Bezerra/Boa Viagem. Encontrou os amigos no Parque Dona Lindu, na Orla de Boa Viagem e ouviu o discurso que deu sentido a todo o encontro. Com seu grupo, José seguiu o trio e extravasou as saudades de estar de volta não só a uma festa mas a um manifesto político como foi a Parada Pernambucana da Diversidade LBTQIA+.

A crônica acima parte de uma síncope de inspiração da realidade de alguns que participaram do evento. Dois anos de pandemia, dois anos sem tomar as ruas com a Parada. Uma pausa que coincidentemente ocorreu em anos sob a regência do governo mais autoritário e homofóbico do Brasil nos últimos tempos. O tema deste ano não poderia estar mais associado ao período atual. Às vésperas das eleições, o evento declarou: “Nosso corpo é político e nosso voto é por direitos LGBT”. As cadeias do isolamento social caíram por terra e as correntes das ideologias antagônicas não tiveram vez, movimentando Boa Viagem neste domingo (18).

A 21ª edição iniciou com a concentração no Parque Dona Lindu, onde representantes do Fórum LGBT de Pernambuco, do Governo do Estado e instituições apoiadoras, discursaram e anunciaram a sanção da prefeitura do Recife ao tornar a Parada patrimônio cultural e imaterial da cidade. “A gente trabalha o ano inteiro para montar esse evento, estávamos morrendo de saudades” e “Nosso tema já diz tudo, este é o ano que a gente precisa fazer valer”, disseram Thiago Rocha e Rivânia Rodrigues, coordenadores do Fórum.

Um dos pontos altos deste momento foi a presença da dona Jacira, mãe do ex-BBB e celebridade pernambucana Gil do Vigor. “Um evento tão importante não por somente trazer alegria, mas para dar voz a quem a sociedade quer calar. Eu como mãe sei da importância do apoio e do acolhimento a nossos filhos na formação deles”, declarou.

Ainda no Dona Lindu, enquanto a Banda Sentimentos, a Companhia do Calypso entre outras atrações como apresentações de drags, DJS e grupos da cultura popular aconteciam, a ONG Gestos incrementou ações de conscientização. Criada há 29 anos, a instituição atua no estado em defesa dos direitos das pessoas vivendo com HIV e AIDS. A presença no evento já é cativa, com o intuito de levar informações sobre prevenção, sexualidade e  sobre como cuidar mais da saúde sexual. “Este é um ano diferente porque depois de dois anos da pandemia a gente volta às ruas, mas sobretudo porque nesse ano estamos num processo de resistência contra a derrubada dos direitos. Essa parada é muito diferente das outras porque ela tem essa característica de mostrar para as pessoas que precisamos estar aqui para falar disso: que todas as pessoas têm direitos iguais e precisam ser respeitadas”, explicou Alessandra Nilo, coordenadora geral da Gestos. Na ação houve entrega de preservativos e a divulgação de cartilhas sobre os direitos LGBTQIA+.

O público imprimia a diversidade, diversas idades, corpos, identidades de gênero e expressões. Parte dessa gama estava a drag queen Megan que vibrou à volta do encontro. “Voltar está sendo gratificante depois de uma pandemia onde perdemos muitos amigos, e meio que estamos aqui comemorando por eles. É mais do que um ‘carnaval fora de época’, como muitos pensam. É diversão, mas é militância e estamos aqui ocupando espaço para ocupar muitos outros daqui para frente”, disse.

Para Brenda, mulher bissexual, estar na Parada é ir contra a opressão. “A gente sofre muita opressão e é muito sexualizada. Acho que esta é a hora que todo mundo se junta, independente da sexualidade para comemorar e não ser oprimida”, contou.

Quem ficou pelo Dona Lindu pôde assistir o desfile dos 12 trios elétricos com artistas para todos os gostos. A reportagem da Revista O Grito! acompanhou O Trio Chá da Alice que valorizou a cena dos artistas independentes do estado. Romero Ferro, Doralyce e Barbarize junto às participações especiais de Jáder, Uana, Mun-há e Ciel agitaram a avenida com muito pop, rap e brega. “Estamos muito felizes de voltar e ainda com um time de artistas completamente pernambucano. Este é o nosso ano, o ano da liberdade”, disse Romero Ferro, que comandou o trio.

“É muito emocionante estar na Parada da Diversidade. Um momento histórico e importante da nossa comunidade aqui dentro de Recife, principalmente durante esse período eleitoral. Vínhamos sendo agredidos há tanto tempo por um governo que não nos respeita. É muito bom estarmos na rua mostrando toda a nossa força e toda nossa luta”, protestou Jáder.

“Estarmos neste lugar é muito importante para gente. Vários artistas pretos e periféricos fazendo a sua caminhada. E a Parada da diversidade é o lugar para isso”, comemora Yuri Lumin do Barbarize. 

A cantora Doralyce enxergou no evento além da chance de gritar pelos direitos, a oportunidade de fomentar a cultura. “Esse Estado é o maior produtor de cultura do país. E não tem cultura nas ruas para as pessoas. É muito importante que a gente veja a cultura que a gente faz projetada no palco, no trio. O Nordeste todo pulsa música e a gente tem que crescer junto”, refletiu.

Dos sucessos de Romero Ferro ao piseiro de Jáder. Do brega-funk histórico da primeira artista não-binária do estilo, Mun-ha ao som gingado de Uana. Da sonoridade potente de Doralyce ao frenesi de Barbarize e aos clássicos na voz de Ciel. Assim seguiu o trio, levando as camadas do som pernambucano.

A Parada deste ano, certamente, merecia uma maior adesão pela comunidade. Os porquês dos espaços vazios em diversas áreas levam a questionamentos suspensos no ar. Talvez os que partiram na pandemia preenchessem mais o quórum. Talvez o receio pela violência impediu que mais gente saísse de casa. No fim, vale voltar a crônica e relatar que José chegou bem. Cansado porém em estado catártico, livre em si mesmo e de qualquer preconceito familiar que tente lhe prender. Vai levar consigo essa energia até as urnas, provando que seu corpo é político e seu voto é pelo direito de seus iguais. Dormiu feliz.