Coleção: Mala Noche, de Gus Van Sant

mala noche PDVD 015

mala noche PDVD 015

AS TORTURAS DE UM CORAÇÃO ENAMORADO
Primeiro trabalho por Gus Van Sant surpreende pela sinceridade e poesia ao retratar uma história de amor não correspondido. Filme ganha nova edição em DVD

Por Alexandre Figueirôa
Editor da Revista O Grito!

DVD 21690A Magnus Opus está colocando no mercado nacional de DVD uma pérola do cinema independente norte-americano: Mala Noche, um dos primeiros longa metragens do diretor Gus Van Sant. Rodado em 16 mm ao custo de 25 mil dólares, em preto e branco, ele narra a história de um jovem dono de uma mercearia meio derrubada num subúrbio de Portland, Oregon, que se envolve e se apaixona por um imigrante mexicano clandestino.

Pelas imagens, nem sempre primorosas, e pelo elenco, formado por atores amadores, vemos, desde os planos iniciais, que estamos diante de um filme de baixo orçamento. Isto, contudo, não diminui o interesse por ele. Muito pelo contrário. Com câmera na mão, iluminação precária e montagem, por vezes desarticulada, Mala Noche nos pega de cheio pela liberdade da narrativa e a poesia que dele emana em estado quase bruto.

» Leia tudo o que a Revista O Grito! já publicou sobre Gus Van Sant
» Diretor elaborou dossiê da juventude americana pós-moderna

Comparações foram feitas à época em que o filme foi lançado, em 1985, com Chant d’Amour, de Jean Genet. De fato, em algumas sequências, a forma como os protagonistas são flagrados e também as cenas de sexo nos remetem ao universo de Genet. Porém, o que mais chama a atenção em Mala Noche é como Van Sant, gay assumido, mergulha no universo proposto pelo livro de poemas de Walt Curtis, no qual o filme é baseado, e disseca com maestria os descaminhos de um amor obsessivo não correspondido.

Quem acompanha a filmografia de Gus Van Sant desde o início de sua carreira e admira obras como My Own Private Idaho, um dos melhores filmes da década de 1990, certamente ao ver Mala Noche perceberá que alguns elementos estéticos e o olhar perspicaz do cineasta em torno das relações homoeróticas já estariam desenhados neste filme. No entanto, o que o torna mais encantador é o frescor desta aproximação e como os protagonistas portam-se à vontade diante da câmera, reforçando imageticamente todos os conflitos e desejos que vagueiam entre eles: da atração física à incomunicabilidade provocada pela distância social, pelas barreiras de língua e, sobretudo, pela forma como cada um deles vivencia sua sexualidade.

Um aspecto curioso acionado pelo filme são os questionamentos dos processos afetivos focados. Van Sant não escamoteia as relações complexas de alteridade que vão se desenrolando no convívio entre criaturas aparentemente tão díspares e o resultado destes encontros inesperados, ou seja, as inquietações psicológicas dos envolvidos, as alegrias, os infortúnios, a incoerência das decisões e até o desespero que tudo isto provoca principalmente no personagem central. Ele, claramente, nos torna cúmplice e testemunha de tais situações, mas sabiamente não insinua juízos ou soluções, pois sabe que o amor é assim, sem lógica e sem explicações.

» Veja outros artigos da seção “Coleção”, sobre clássicos do pop

Encontrou um erro? Fale com a gente

Editor-executivo