Coleção: Três Homens em Conflito

Três Homens em Conflito (Foto: Divulgação)

Terceiro encontro de Sergio Leone com Clint Eastwood é um dos maiores faroestes da história do cinema
Por Rodrigo Carreiro*, especial para O Grito!

TRÊS HOMENS EM CONFLITO
Sergio Leone
[Il Buono, Il Brutto, Il Cattivo, Itália, 1966]

Após dois encontros em filmes que ajudaram a redefinir o gênero western e alavancar as carreiras de ambos, o cineasta Sergio Leone e o ator Clint Eastwood decidiram se encontrar para um derradeiro trabalho juntos. Entre 1963 e 1966, o diretor italiano havia se transformado de promessa em mestre de um estilo operístico e grandiloqüente de cinema que influenciaria grandes ícones dos anos 1990, como Quentin Tarantino. Já Eastwood estava a um passo de se tornar astro em Hollywood. No terceiro filme da parceria, contudo, ambos se superaram, e a obra acabou por se transformar, com o tempo, em um dos maiores filmes de todos os tempos, um clássico absoluto do faroeste: Três Homens em Conflito.

Para jovens que precisam se referências pop, trata-se do filme favorito de Tarantino. Mas Três Homens em Conflito é muito mais do que isso – é uma verdadeira aula de cinema estilizado, em que Sergio Leone refina e consagra um estilo operístico de direção. A habilidade excepcional de Leone para construir longas tomadas sem cortes, criando tensão e atmosfera a partir da contraposição de tomadas panorâmicas espetaculares (em geral, paisagens com personagens minúsculos, do tamanho de formigas, em algum ponto da tela) e closes de rostos duros e queimados de sol, transforma o longa-metragem em uma verdadeira sinfonia de imagens e sons inesquecíveis, que evoluem em um crescendo e culminam em uma das seqüências finais mais incríveis que se tem notícia.

O enredo é uma saga épica que narra, com fartas doses de humor e muito estilo na composição visual, a história de três vagabundos que atravessam os desertos do oeste norte-americano, devastados por uma guerra civil, em busca de uma fortuna de US$ 200 mil enterrada em um cemitério. Mas a trama, na verdade, não é tão simples assim; Leone narra em paralelo as trajetórias do trio, fazendo-as se cruzarem e se separarem à medida que a história evolui. Ainda por cima, é narrada sem a mínima pressa – somente após 67 minutos de filme é que dois dos três meliantes ouvem falar, pela primeira vez, do ouro roubado por soldados.

Três Homens em Conflito (Foto: Divulgação)

Para entender Três Homens em Conflito por inteiro, é preciso saber que o filme possui a trilha sonora mais conhecida entre as mais de 400 compostas pelo maestro italiano Ennio Morricone. Você pode até nunca ter assistindo a Três Homens em Conflito, mas vai reconhecer instantaneamente a melodia familiar da faixa-título, repetida, em infinitas variações, ao longo de toda a película: uma mistura de assovios, gritos de coiote, coral masculino e violões. Além disso, há várias seqüências sem diálogos, inteiramente musicais, que funcionam quase como videoclipes de ópera inseridos habilmente na trama. É importante acrescentar que o filme foi concebido dessa maneira. Leone e Morricone escreviam as músicas antes de filmar, algo raríssimo na indústria cinematográfica.

Criar a trilha sonora antes de ter o filme pronto é a mais singular característica de Leone, e talvez o detalhe que mais o aproxima do pupilo mais famoso, Quentin Tarantino. A diferença entre os dois é que Tarantino escolhe as canções que vai usar na trilha sonora enquanto escreve o roteiro; Leone apresentava o texto a Morricone e dava as instruções sobre o tipo de música que desejava. O diretor italiano fazia isso por uma questão de economia, pois os diálogos não eram gravados no set, mas dublados posteriormente. Assim, o uso farto de músicas e efeitos sonoros (ventanias, portas batendo, cavalos trotando, tiros) no lugar de diálogos barateava o custo das produções. Como trabalhava com orçamentos apertados, Leone desenvolveu um estilo que prescindia de palavras. Seus filmes não eram realistas, mas estilizados ao máximo; se passavam em um mundo de fantasia onde, de acordo com a renomada crítica Pauline Kael, “um pistoleiro caminhava um quilômetro ao atravessar uma rua”.

A receita estética da trilogia é rigorosamente a mesma desde o primeiro filme. Os longos planos silenciosos e carregados de tensão, os closes radicais no rosto e nos olhos dos atores, os movimentos de câmera lentos e por vezes surpreendentes (muitas vezes um pequeno desvio lateral da câmera revela uma perspectiva inteiramente nova) são características que Leone soube refinar muito bem nos filmes anteriores; elas atingem seu ponto culminante em Três Homens em Conflito, onde quase todas as seqüências possuem composições visuais impecáveis.

O título original explica muita coisa. “O Bom” é o lacônico Blondie (Eastwood), um sujeito de mira excepcional e poucas palavras. Durão, solitário e implacável com o revólver, Blondie tem senso de humor e sabe ser piedoso. É por ele que a platéia torce, porque Angel Eyes, “O Mau” (Lee Van Cleef esbanjando caras e bocas, no melhor momento da carreira), não passa de um caçador de recompensas desalmado e cruel, que só vê dinheiro na frente. O dono do filme, contudo, é Tuco, “O Feio” (o papel da vida de Eli Wallach). O ator faz o contraponto perfeito como o tagarela sócio de Eastwood, em trambiques pelas cidades poeirentas do velho oeste. Ele é o responsável pelas tiradas cômicas mais brilhantes. Vale acrescentar que Leone sabia perfeitamente onde inserir o humor na narrativa (em certo momento, por exemplo, Angel Eyes chama um recruta sem pernas de “meio soldado”).

Três Homens em Conflito (Foto: Divulgação)

Com Três Homens em Conflito o diretor tinha ambições maiores do que simplesmente entreter a platéia, contando uma história cheia de estilo. Sem jamais esquecer da trama episódica e cheia de reviravoltas, Leone usa as tiradas econômicas de Blondie para oferecer ao espectador um panorama arrasador da terra devastada dos EUA, teorizando sem pose intelectualóide sobre a brutalidade inócua da Guerra Civil; faz isso sem nenhuma pressa, construindo cenas longas e silenciosas. Convém, entretanto, não confundir as coisas. Denúncia social não estava na cartilha de Leone. Grandes cineastas sempre encontram formas de inserir temas importantes em filmes de pura diversão, e é isto o que ocorre com Três Homens em Conflito.

Visto atualmente, Três Homens em Conflito pode parecer meio lento. A primeira meia hora é gasta apenas na apresentação dos personagens, e os dez minutos iniciais não têm uma única palavra pronunciada. Leone não tinha interesse na montagem padrão de Hollywood, dinâmica e estéril. Para ele, era importante envolver o enredo em um clima operístico, dramático, que evoluísse em um crescendo, como uma sinfonia. Isto é feito com competência máximo. Os últimos 45 minutos, clímax do longa-metragem, são uma sucessão ininterrupta de grandes momentos do cinema moderno: a explosão de uma ponte (cena que torrou US$ 200 mil, cerca de 12% de todo o orçamento do filme), a descoberta do cemitério (onde a câmera assume um ponto de vista subjetivo, à procura da lápide premiada, e faz um balé de tirar o fôlego ao som da emocionante canção “Ecstasy of Gold”) e o duelo final entre os três pistoleiros, capaz de arrancar lágrimas dos amantes do faroeste.

O primeiro DVD de Três Homens em Conflito, lançado no Brasil pela Fox, possui imagens de boa qualidade (widescreen 2.35:1 anamórfico), o que é fundamental nos filmes de Sergio Leone devido aos enquadramentos precisos, e som razoável (Dolby Mono 1.0). Como extra, temos sete cenas excluídas que totalizam 15 minutos (além dos longos 162 da obra original), com áudio original em italiano. A Continental lançou uma versão mais vagabunda, sem as cenas extras.

Três Homens em Conflito (Foto: Divulgação)Já a edição de colecionador, da MGM, é dupla e traz o filme em uma cópia inteiramente restaurada, tinindo de nova, com 16 minutos de cenas inéditas integradas à narrativa e som Dolby Digital 5.1 completamente refeito (e até mesmo regravado, em alguns momentos, com as vozes recriadas por Clint Eastwood e Eli Wallach). O disco 1 ainda traz um comentário em áudio do crítico Richard Schickel (sem legendas), um grande conhecedor de faroestes, que faz observações valiosas sobre o método de filmagem de Leone.

O disco 2 tem como prato principal um documentário em duas partes (40 minutos), com histórias deliciosas de Eastwood, Wallach e do produtor Alberto Grimaldi. Além disso, Schickel faz uma análise completa do estilo de Leone, e um featurette específico trata da trilha de Ennio Morricone. Um curta-metragem sobre a Guerra Civil completa um pacote imperdível para os fãs do faroeste estilizado de Sergio Leone. Vale lembrar que a edição que carrega o selo Cinema Reserve, da Fox, é idêntica à da MGM.

* Editor do PE 360 Graus, crítico de cinema com o site Cine Repórter.


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