Coronavírus e a epidemia de fake news

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Arte: Bruno Fonseca/Agência Pública.

Por Ethel Rudnitzki, Laura Scofield, da Agência Pública

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“Chá de erva-doce cura o coronavírus”; “Analista israelense especializado em guerras biológicas afirma que novo coronavírus foi fabricado em laboratório chinês”; “Cuba criou vacina contra coronavírus”. Essas são algumas das notícias falsas compartilhadas sobre a pandemia do coronavírus nas redes sociais brasileiras.

Para barrar esse fluxo de desinformação, agentes de saúde, órgãos oficiais, pesquisadores e jornalistas estão trabalhando incessavelmente. O Ministério da Saúde criou um aplicativo e um site apenas para tratar do tema coronavírus. Até as plataformas de redes sociais anunciaram medidas especiais nesse sentido, como direcionar buscas sobre a doença a sites oficiais.

Na linha de frente dessa onda de desinformação, os fact-checkers trabalham para verificar e desmentir boatos que circulam nas redes. Desde que começou a epidemia de coronavírus, o fluxo de trabalho desses jornalistas aumentou proporcionalmente à produção de notícias falsas. A Agência Pública conversou com representantes do Aos FatosLupaE-farsas e Estadão Verifica para saber quais são as notícias falsas mais compartilhadas sobre o coronavírus, como se informar e o que eles estão fazendo para barrar o fluxo de desinformação.

Alta na desinformação

Todos os checadores entrevistados pela Pública observaram um aumento na produção de notícias falsas desde o início da epidemia. Para Natália Leal, diretora de conteúdo da agência Lupa, a quantidade de desinformação que circula sobre o tema é sem precedentes. “O que nos surpreendeu no caso do coronavírus foi a velocidade com que a gente teve uma grande quantidade de peças de desinformação aparecendo dentro dos nossos monitoramentos. De uma hora para a outra, a gente passa a ter não só uma grande viralização dos conteúdos, mas também uma grande quantidade de novas peças desinformativas sobre aquilo.”

Gilmar Lopes, do site E-farsas, que há 18 anos combate boatos na internet, explica que as peças de desinformação giram em torno dos temas que dão mais cliques. “Os criadores de boatos digitais se aproveitam muito desses assuntos do momento. O sujeito cria lá uma história qualquer, solta e começa a ganhar click, curtida, compartilhamento, e com isso ele vai crescendo de ranking dentro da rede social.”

A Rede Internacional de Fact-Checkers (IFCN), que conta com a coalizão de mais de cem veículos de jornalismo em 50 países, já realizou mais de mil peças de checagem sobre o coronavírus desde o início da epidemia.

Lupa faz parte dessa coalizão e aumentou sua produção. “Nesta semana, a gente está publicando uma média de quatro desmentidos por dia. Antes, não chegava a um por dia”, conta Leal.

No Aos Fatos, que também faz parte da IFCN, a procura por checagens no site está pelo menos cinco vezes maior do que em meses anteriores, conforme estimativa da diretora executiva, Tai Nalon.

Já o fundador do E-farsas conta que cerca de 60% dos pedidos de checagem que eles têm recebido nos últimos dias têm como tema o coronavírus.

Estadão Verifica ainda não tem números consolidados, mas a repórter Alessandra Monnerat afirma que dobrou sua produção. “Como são boatos que atentam contra a saúde das pessoas e podem causar prejuízo, a gente tenta checar tudo quanto possível, então é bastante trabalho.”

As audiências também aumentaram. Em janeiro, a agência Lupa teve em média 6,5 mil acessos em cada checagem, incluindo todos os temas – o coronavírus só entrou no dia 24. Já as checagens específicas sobre a doença tiveram em média 10 mil acessos.

E as notícias falsas de coronavírus vêm das fontes mais variadas. Para Tai Nalon, “não é possível identificar uma ação coordenada por trás dessa onda de desinformação”. Segundo ela, os mesmos grupos e agentes que compartilham informações falsas muitas vezes também estão compartilhando informações verdadeiras.

Nem sempre a desinformação vem de notícias fabricadas. Às vezes, uma informação fica desatualizada, “Os protocolos mudam constantemente, porque ainda não há muita produção científica sobre esse novo coronavírus. Isso gera muita volatilidade nas informações”, explica Tai Nalon.

Leal concorda: “Como é uma epidemia nova, uma doença nova, todo dia as informações que são verdadeiras também mudam, então uma coisa que talvez fosse falsa há quatro ou cinco dias hoje já não é mais. E uma coisa que era verdadeira antes também pode ser falsa hoje. Então é muito fácil se criar desinformação nesse ambiente de tanta incerteza.”

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Foto: Larissa Fernandes/Agência Pública

Receitas milagrosas e teorias da conspiração

Checadores citam receitas milagrosas para prevenção e cura do coronavírus como as “fake news” mais comuns; em seguida, boatos contendo teorias da conspiração “completamente lunáticas e estapafúrdias”, como descreve Natália Leal.

Uma das checagens mais acessadas sobre o tema foi relacionada ao desenvolvimento de uma vacina contra o coronavírus por Cuba. Foi a mais lida este ano no Estadão Verifica e ocupa a terceira posição no ranking no E-farsas. A própria concepção do boato já indica certa confusão, já que a vacina é muitas vezes apresentada como um tratamento, o que não é. A vacina é uma forma de prevenção.

Outra mensagem, falsamente afirmando ser da Fiocruz, foi espalhada pelo WhatsApp e apresenta soluções como gargarejar água morna ou salgada para matar os vírus que ficam na garganta. Na mensagem, indica-se também que alimentos gelados sejam evitados, já que temperaturas como 26 ºC ou 27 ºC matariam o vírus. O Estadão Verifica checou a mensagem e a verificação foi a terceira mais acessada no site. A própria Fundação Oswaldo Cruz desmentiu a informação em suas redes.

“Nessa área de saúde, muito do que se espalha são curas fáceis para problemas difíceis”, afirma Gilmar Lopes. A 12ª checagem mais acessada no site do E-farsas desmente um boato sobre o chá de erva-doce eliminar o coronavírus.

Há também boatos que representam maior risco à saúde pública. Checadores citam como exemplo a recomendação de uso de água sanitária para limpar as mãos. Uma das cinco checagens mais acessadas na Lupa desmente um boato que afirma que vinagre é mais eficiente que álcool em gel na proteção contra o coronavírus.

As postagens mentirosas buscam também explicar a origem e disseminação do vírus. Dois boatos relacionados foram checados pelo E-farsas e estão no top 10 de acessos. Um indica que o coronavírus se originou em uma feira ao ar livre onde eram vendidos ratos e morcegos para consumo humano, e o outro que a China está vendendo carne contaminada para o resto do mundo.

O consumo dos animais é real, mas o vídeo havia sido gravado na Indonésia em julho de 2019. O E-farsas acrescenta que essas informações foram compartilhadas com tom xenofóbico e racista, o que mostra outro perigo relacionado à desinformação.

Outra teoria da conspiração bastante frequente acusa a China de ter criado o vírus como uma arma biológica para derrubar a economia mundial. Sobre esse boato, Lopes pontua: “Nesse caso aí da China, é muito difícil, porque você não consegue ir lá para tentar pegar os dados, então você tem que achar outras formas”. Recentemente, uma pesquisa científica provou que não há evidências de que o vírus tenha origem diferente da evolução natural.

Apesar de o engajamento de um maior número de pessoas ser importante, isso não quer dizer que todas as fontes são confiáveis. “Tem muita gente que acredita muito mais nos grupos do WhatsApp do que no que a ciência está falando”, alerta o fundador do E-farsas.

Para os checadores, é importante buscar informações de fontes confiáveis como pesquisadores e, principalmente, jornalistas profissionais. “Independentemente de qual é a crença ou qual é a posição política, as pessoas precisam estar conscientes de que elas devem se informar com quem estudou, trabalha fazendo isso e dedica a sua vida fazendo isso”, defende a diretora de conteúdo da Lupa.

“No contexto de constante atualização de informações, como o caso do novo coronavírus, a gente orienta as pessoas a cruzar informações e procurar em mais de um veículo confiável”, aconselha Tai Nalon.

Este material foi publicado originalmente na Agência Pública, uma iniciativa brasileira de jornalismo investigativo independente, da qual a Revista O Grito! é uma das republicadoras. Saiba mais sobre a agência e como apoiá-la.