sociedade do medo
Cena do longa. (Divulgação).

Crítica: A Sociedade do Medo reflete sobre o nosso temor cotidiano

Documentário debate como a manipulação do pânico e da insegurança são as bases do poder político na sociedade contemporânea

Crítica: A Sociedade do Medo reflete sobre o nosso temor cotidiano
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A Sociedade do Medo
Adriana L. Dutra
BRA, 2022, 1h16, Livre
Distribuição: Forte Filmes

O medo é um estado emocional natural desencadeado quando nos sentimos ameaçados por uma situação de perigo real ou imaginário. A sensação por ele despertada não é agradável, pois o nosso organismo, diante de uma ameaça, libera substâncias, entre elas a adrenalina, que aumentam os batimentos cardíacos e causam tremores no corpo. Por outro lado, ele é um mecanismo importante para nossa sobrevivência por nos preparar para a luta ou fuga diante de qualquer coisa que coloque nossa vida em risco. Medo em excesso, todavia não é bom, pois torna-se fobia, levando o indivíduo a um estado de ansiedade constante e até o paralisa pelo simples fato dele supor que algo de ruim vai acontecer a qualquer momento. Pior ainda se esse medo é coletivo e adoece uma sociedade. Pois bem, é assim que vivemos nos dias de hoje. Se você tem dúvidas, dê uma olhada na tese levantada pelo documentário A Sociedade do Medo, de Adriana L. Dutra, uma produção da Inffinito e coproduzido pela Globo Filmes, Globo News, Canal Brasil e GNT que estreou no Festival do Rio e está em cartaz nos cinemas.

Sociedade do Medo propõe uma reflexão sobre a epidemia que, segundo a cineasta, “assola a humanidade e é potencializada por um sistema que, historicamente, manipula as massas a partir da propagação do pânico e da insegurança”. O filme segue uma trilha aberta pela autora em Fumando Espero (2009) e Quanto Tempo o Tempo Tem (2015) de discutir, através do cinema, questões sensíveis que afetam o homem contemporâneo. O documentário começou a ser rodado antes da pandemia da Covid-19 e as entrevistas, inicialmente presenciais, passaram a ser remotas, algo que, inegavelmente, concorreu para fortalecer o clima de tensão e ansiedade despertado pelo tema, embora o medo discutido pela cineasta se configura muito mais num plano entre a psicologia e a sociologia, ou seja, da relação dos indivíduos com a sociedade que o cerca.  

Para costurar o arcabouço argumentativo da existência de um medo fabricado ou quase institucionalizado, como afirma a própria Adriana, ela foi em busca de depoimentos de diferentes personalidades em diversas partes do mundo. Ao dirigir suas lentes e microfones para filósofos, professores, escritores com nomes como os filósofos Francis Wolff e Cyrille Bret, o historiador Marcelo Jasmin, o padre Júlio Lancellotti, o escritor e filósofo indígena Ailton Krenak, a jornalista Flávia Oliveira, a vereadora Benny Briolly e até o físico Amit Goswami, não se pode negar o esforço da realizadora em mapear como o mundo ocidental vivencia a questão. E esse é um dos méritos do documentário, analisar como a sociedade contemporânea tem se tornado refém de um medo generalizado orquestrado por forças políticas interessadas em impor uma estratégia de dominação alicerçada no terror.  

Apesar da intenção de trazer para o espectador uma abordagem universal numa perspectiva científica, o documentário acaba ganhando força com os depoimentos e as reflexões dos entrevistados brasileiros.  De uma forma ou de outra, eles estão vivenciando e compartilhando conosco um momento político no qual são evidentes uma retórica e um conjunto de ações protagonizadas pela extrema-direita onde o uso do medo e da violência é a arma que ela tem para tentar se manter no poder. Nesse sentido, destacam-se as falas lúcidas e contundentes de Benny Briolly e Ailton Krenak que representam as vítimas mais potenciais dessa ordem política de inspiração fascista que nos últimos anos tomou conta do país. 

Do ponto de vista formal, o filme de Adriana segue o padrão de documentários televisivos onde as falas dos entrevistados vão compondo a narrativa e viram a voz do diretor. Sociedade do Medo cumpre o papel de alerta para uma realidade que, embora não seja tão nova, ganhou outros contornos diante de um mundo globalizado dominado pelas tecnologias digitais e seus produtos. Evidentemente ele apenas sobrevoa a superfície da questão. Se encararmos como uma introdução ao tema, OK.