Crítica: Beyoncé explora raízes africanas com sensibilidade e orgulho

'Black is King' utiliza referências como afrofuturismo para pensar uma fabulação negra a partir de sua própria ancestralidade

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Foto: Divulgação/Park Wood Entertainment / Disney Plus.

Ao longo de mais de 10 anos de carreira solo, Beyoncé vem se mostrando essencial no cenário da música pop mundial como alguém disposta a traçar costuras sociais e estéticas a partir do pop. A cantora, que começou no grupo Destiny’s Child (1997-2006), deu uma guinada em sua carreira ao inserir em seu trabalho questões relacionadas à identidade negra.

Na última sexta (31/07), Queen B lançou o audiovisual Black is King, pelo Disney+, dando continuidade ao remake de Rei Leão, feito em 2019, em que ela deu voz à Nala. Estando, agora, num seleto grupo de cantores pop que estiveram à frente de longa-metragem, como é o caso de Barbra Streisand, o filme é estrelado, dirigido e produzido por Beyoncé que faz, na verdade, um ressignificação da história infantil da Disney, colocando em cena os povos negros historicamente invisibilizados nessas fabulações cinematográficas.

Destacamos, principalmente, que as temáticas abordadas por ela no filme fazem alusão à ancestralidade negra, bem como questões relativas à memória coletiva, diáspora e pós-colonial. Seria impossível, contudo, abordarmos todos esses assuntos em profundidade neste espaço, mas vamos destacar os pontos altos de Black is King, enquanto produto fílmico e, sobretudo, das músicas que o compõe.

Nesta narrativa, Beyoncé coloca em evidência que os negros e negras são, todos, reis e rainhas. As alegorias trazidas no filme, que fazem referência ao afroturismo – vertente que problematiza acerca do presente, projeta o futuro numa perspectiva diaspórica -, mas também ao próprio filme do Rei Leão. O Simba – protagonista no infantil – é recriado na pele de um menino negro em busca de uma vida plena e feliz – e que virará rei -, mas que enfrenta obstáculos. As terríveis hienas da animação são colocadas, de forma alegórica, na entrada dos motoqueiros intimidadores. Essas e outras referências precisam ser atentamente observadas por quem assiste ao filme – sugiro, então, ver com bastante atenção e, se possível, duas vezes.

Ao longo de 14 músicas, o filme ganha forma e atinge um patamar de beleza e grito de resistência imensuráveis. A eterna intérprete de Single Ladies conta com nomes como Kendrick Lamar, Pharrell Wiliams, Jaz-Z e Childsh Gambino, mas também abre espaço para novos novos da música, como o nigeriano Tenko e o do ganense Lord Afrixana, na faixa “Don’t Jealous Me“, e o da nigeriana Tiwa Savage, em “Keys of Kingdom“.

Além disso, ao longo dos 85 minutos de filme, Beyoncé promove um dos momentos mais lindos do filme, quando faz uma ode às mulheres negras e, sobretudo, à tradição – entenda, aqui, como cultura popular, língua oral, etc. Na cena da música “Brown Skin Girls”, Bey conta com participações ilustres de sua mãe, Tina Knowles, da sua filha, Blue Ivy, da ex-Destiny’s Child, Kelly Rowland, da atriz Lupita Nyong’o e de Naomi Campbell, num momento de celebração feminina.

Com este trabalho, que celebra a história, as tradições, a ancestralidade dos povos negros, Beyoncé destaca-se como sendo uma das (talvez a mais) mais importantes artistas de sua geração, capaz de colocar no mainstream pop uma pauta tão atual, necessária e política. E faz isso com um misto de sensibilidade e orgulho. Em determinado momento, ela recria a bandeira dos Estados Unidos colocando as cores do pan-africanismo (vermelho, preto e verde), num discurso permeado por uma busca de união entre os povos.

BLACK IS KING
Direção de Beyoncé
[Disponível no serviço de streaming Disney+]