Crítica: Círculo de Fogo, de Guillermo Del Toro

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Filme cumpre dois prazeres: o saudosismo dos monstros japoneses e a catarse de destruição.
Um dos robôs gigantes de Del Toro: computação gráfica bem casada com boas ideias (Divulgação)
Um dos robôs de Del Toro: computação gráfica bem casada com boas ideias (Divulgação)

CINEMA TAMANHO GIGANTESCO
Círculo de Fogo traz tom autoral para o clássico “robôs gigantes contra monstros”

Por Paulo Floro

O maior blockbuster de 2013 tem a seguinte premissa: robôs gigantes foram construídos pelos humanos como última alternativa contra enormes alienígenas que saíram de uma fenda no oceano Pacífico causando destruição em cidades ao redor do mundo. Mas esses robôs são controlados por uma dupla de pilotos conectados mentalmente: é preciso uma conexão verdadeira para que a dupla funcione. É um paralelo com a ideia por trás desse filme do mexicano Guillermo Del Toro, um espetáculo visual cheio de efeitos especiais vigorosos, mas com um alma que o lima de ser apenas mais um arrasa-quarteirão sem significado ou carisma (e já vimos muitos assim).

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Círculo de Fogo, portanto, chega com a assinatura de uma autor comprometido por levar alguma emoção para o cinema de entretenimento. Foi assim com Labirinto do Fauno (2006) que o revelou ao mundo e até de certa forma com os dois Hellboy (2004 e 2008). Del Toro pegou uma das maiores instituições do imaginário nerd e deu sentimento e personalidade dentro de um contexto grandioso: é para poucos. Foram gastos mais de 180 milhões de dólares para criar uma das maiores destruições já vistas na tela grande. A produtora Legendary Pictures (que levou a trilogia de O Cavaleiro dos Trevas para o cinema) se uniu à empresa de efeitos especiais de Del Toro em um trabalho que confere um tom autoral à computação gráfica empregado nas cenas.

O filme carrega diversas referências para a criação dos robôs e do mundo futurista imaginado por Del Toro e o roteirista Travis Beachman. O tom pessoal é percebido tanto no design quanto nos detalhes. Em um determinado momento um kaiju, como são conhecidos os monstros alienígenas, destrói a ópera de Sydney e é possível ver a semelhança do alien com a famosa construção, como se fosse sua versão distorcida e assustadora. Há ainda inspiração em planadores da Segunda Guerra Mundial, sem falar na cultura nerd japonesa sem a qual o filme não existiria. Segundo o diretor, até pinturas como “O Colosso”, de Goya e “A Grande Onda de Kanagawa” foram usadas como base. Há diversos outros momentos de inspiração que reforça a sensibilidade na criação de cada cena. No apuro estético do diretor, há um cuidado para nada parecer gratuito.

Cooperação internacional construiu os Jaegers: aqui um exemplar russo (Divulgação)
Cooperação internacional construiu os Jaegers: aqui um exemplar russo (Divulgação)

Cuidado, robô gigante passando
O longa se passa em futuro próximo onde o planeta Terra superpopuloso e poluído foi surpreendido com a chegada de monstros gigantescos, do tamanho de prédios, que saíram de uma fenda no oceano para destruir cidades litorâneas. O poderio bélico da humanidade foi colocada em ação, mas não surtiu efeito a longo prazo, já que novos kaijus, palavra japonesa para “monstro” ou “besta”, acabaram surgindo. Foi então iniciado um programa conjunto de várias nações para construir gigantescos robôs que enfrentassem essas feras em igual tamanho e força. Chamados de Jaeger, termo alemão para “caçador”, as máquinas são pilotadas por humanos. Na verdade dois humanos. Na tecnologia imaginada para o filme a dupla de pilotos se liga emocionalmente para lidar melhor com a pressão que é controlar um robô gigante de 20 toneladas e assim, se sair melhor em combate.

O filme centra a atenção em Raleigh (Charlie Hunnam) um experiente piloto que estava afastado de sua função em decorrência de uma tragédia pessoal. Chamado de volta à ativa pelo comandante Stacker (Idris Elba), ele vai até Hong Kong, onde uma cooperação internacional tenta uma última investida para destruir a fonte de onde saem todos os kaijus. O problema é que os humanos não conhecem os aliens tão bem como imaginam. A trama de Círculo de Fogo ainda tenta colocar em perspectiva a razão da invasão alien com um momento de decadência do planeta. Mas essa premissa não é tanto o interesse do longa. Del Toro decidiu ter como foco os humanos em relação ao seu desejo de sobrevivência: “cancelar o apocalipse” é ouvido bastante em diversos momentos.

Rob Kazynski e Idris Elba: problema do filme foi preenche cotas de estereótipos de ficção-científica.
Rob Kazynski e Idris Elba: problema do filme foi preencher cotas de estereótipos de ficção-científica.

Para o público, é grande a catarse de presenciar toda essa destruição. Escapista ao extremo, Círculo de Fogo ainda assim consegue se desvencilhar da pecha de fútil e vazio – e mais ainda, de ser uma cópia de Transformers. Há um prazer tanto ingênuo em assistir a uma luta de um robô carregando um navio cargueiro contra um monstro que atira containers contra ele. Quem assistir ao filme com preconceitos em mente pode ser surpreendido ao final da projeção.

Um "kaiju" destroi Sydney: um espelho monstruoso da famosa ópera.
Um “kaiju” destrói Sydney: um espelho monstruoso da famosa ópera.

A memória nerd vem do Japão
Sem o legado da cultura pop japonesa não existiria um filme como Círculo de Fogo. Desde os anos 1950 que autores japoneses vem jogando com o medo da humanidade de ser destruída por algo descomunal, um monstro que arrasasse cidades pior que uma força da natureza. E desde sempre a solução mais aprazível esteve na forma de robôs de igual tamanho. No Brasil fizeram sucesso clássicos como Ultraman, Changeman, Flashman. A lista é imensa com produtos mais cults como Neo Genesis Evangelion, Gundam, Gigantor, entre centenas de outros animes e séries.

Há um prazer em ver Círculo de Fogo que fala diretamente com esse imaginário coletivo (de parte da audiência). Del Toro se apropriou bem desse filão mesmo para quem não tem uma ligação afetiva com esses produtos. Um filme tão bonito e bem orquestrado como esse lembra o quanto o cinema é também um espetáculo audiovisual que vai além de qualquer discurso. Del Toro tenta dar um tom visionário à sua história, mas ele tem um objetivo bastante claro de fazer um longa entorpecedor, mas também rico em imaginação.

O tropeço desse gigante é o fato de que Del Toro e o roteirista Perlman chamaram os principais arquétipos de ficção-científica: o cientista louco/incompreendido, o general durão-mas-não-muito, a garota aparentemente frágil que precisa provar seu valor, o herói que tenta dar a volta por cima, o durão, além dos velhos coadjuvantes que aparecem (coitados) apenas como escada para o elenco principal. Faltou um pouco de profundidade nesse quesito.

Círculo de Fogo traz boas ideias e uma assinatura bem pessoal para um gênero de filme que causa ojeriza em muitos apreciadores de cinema autoral. É uma ficção-científica com personalidade e, de um modo bem honesto com a história do diretor e os desejos do público, uma diversão garantida.

circuloCÍRCULO DE FOGO
De Guillermo Del Toro
[Pacific Rim, EUA, 2013 / Warner Bros.]
Com Charlie Hunnam, Idris Elba, Rinko Kikuchi, Charlie Day

Nota: 7,9

Filme cumpre dois prazeres: o saudosismo dos monstros japoneses e a catarse de destruição.
Filme cumpre dois prazeres: o saudosismo dos monstros japoneses e a catarse de destruição.