Crítica: Contágio, de Steven Soderbergh

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ENSAIO SOBRE AS PESSOAS
Lotado de estrelas, longa sobre uma epidemia global é lúcido ao mostrar que ninguém é herói perto do fim do mundo

Por Paulo Floro

Contado de forma acelerada, Contágio, o novo filme de Steven Soderbergh mais parece um noticiário, uma restrospectiva de final de ano pontuadas por inserções de episódios dramatizadas, como faz o Fantástico em suas edições. O filme não se decide se é um thriller psicológico, horror ou um drama maquiado com muita ficção-científica. Ainda que não seja uma produção bem resolvida, o longa consegue captar muito bem os humores que existem hoje no cenário internacional em relação à crises, sobretudo de ordem médica, como uma epidemia.

A paranóia é mostrada de uma forma muito reconhecível por quem já acompanhou outros sustos epidémicos, a exemplo da gripe suína, a H1N1, entre outras. A história mostra a disseminação de um vírus, chamado de MERV1, que se originou na Ásia através da contaminação de porcos e morcegos. Gwyneth Paltrow é a primeira a ser infectada. Chefe de marketing global em uma multinacional, ela viaja muito à trabalho, e numa ida a Hong Kong acaba se infectando e disseminando a doença.

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Jude Law como um blogueiro Dom Quixote (mas cheio de segundas intenções) (Foto: Reprodução)

Em pouco mais de 15 dias, a epidemia já aterroriza o mundo inteiro. Com uma edição pontuada por cortes rápidos entre várias histórias que nem sempre se cruzam, Contágio consegue criar o clima necessário na plateia para fazer as pessoas saírem tensas da sala de cinema. É melhor não apertar mais o botão do elevador, ou tocar portas, nem sair apertando mão de ninguém. E o dado impressionante dado pela doutora Kate Winslet, de que tocamos o nosso rosto em média três vezes por minuto?

Se tivesse uma história, um força motriz além do clima de pânico, o filme poderia ganhar em profundidade e se afastar das produções de catástrofe que já nos acostumamos a ver. Com um elenco caríssimo, cada cena deixa explícito o carisma de Soderbergh para conseguir nomes de peso como Marion Cottilard, Matt Damon, John Hawkes. A lista é imensa.

De tantos personagens menores interpretados por estrelas, fica a impressão de que todos são protagonistas. Ou coadjuvantes. O destaque fica por conta de quem é seu ator favorito. No entanto, é Jude Law quem tem o histórico mais interessante. Blogueiro independente, ele quer revelar segredos por trás da corrida pela cura. Também quer tirar proveito da crise manipulando sua audiência ávida por teorias conspiratórias. Acaba atraindo a atenção do governo.

Contágio também chama atenção por seu roteiro globalizado, que vai da Europa à Àsia, mas centrando as atenções nos EUA. É algo como vimos em Ensaio Sobre a Cegueira, de Fernando Meirelles, por exemplo, mas com menos línguas estrangeiras. O longa é muito realista, e de tão rápido, quase não há espaço para pieguismos, choros, o que acaba sendo um trunfo. E ao revelar os bastidores e os mínimos detalhes de tudo, acabamos sendo testemunhas dos crimes que as pessoas são capazes para criar privilégios e salvar o próprio couro em tempos de crise. É sempre bom ver um diretor tratar um tema grandioso de forma tão lúcida.

E ainda que a médica interpretada por Jennifer Ehle (ótima, aqui) tenha corrido riscos, Contágio se sai bem por não trazer nenhum herói.

CONTÁGIO
Steven Soderbergh
[Warner Bros. EUA, 2011]

NOTA: 7,5

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