Crítica: Gravidade, de Alfonso Cuarón

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Além do tom original na abordagem, Gravidade se destaca pelo uso realista de efeitos especiais (Divulgação)
Além do tom original na abordagem, Gravidade se destaca pelo uso realista de efeitos especiais (Divulgação)

ÍNTIMO E ASSUSTADOR
Gravidade coloca espectador em estado de tensão ao mostrar a experiência de sobreviver no espaço

Por Paulo Floro
Da Revista O Grito!

Na mitologia do cinema poucas coisas parecem tão angustiantes quanto o espaço. Desafio sem rosto, onipotente e praticamente invisível, a vastidão do vácuo sempre apareceu como maior antagonista de nossa raça, seja sendo um vilão em si mesmo ou como ambiente por onde passam invasores dispostos a dar cabo da Terra ou dominá-la. Gravidade, do mexicano Alfonso Cuarón usa a quintessência desse conceito para o estonteante e incrivelmente tenso Gravidade, estrelado por George Clooney e Sandra Bullock.

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Nunca a humanidade foi mostrada em posição de fragilidade tão gritante quanto nesta produção. Tendo a Terra sempre no horizonte, Cuarón mostra nossa inabilidade em se adaptar fora de nosso mundo. O filme apresenta a história de dois astronautas, um comandante e uma médica, que sofrem um acidente após saírem da atmosfera do planeta. A seguir, uma sequência de panes e outros fatos farão o espectador ficar grudado àquela experiência até o final da exibição.

Cuarón mostrou um domínio pouco visto no cinema para trabalhar a noção de estranhamento em um ambiente inóspito. Ele construiu a narrativa para que ninguém conseguisse desviar a atenção daquele ambiente. Para começar, Gravidade é um filme curtíssimo, de menos de 1h30. Depois, há certo prazer em acompanhar o instinto de sobrevivência gritanto no volume máximo — ajudado por ótimas interpretações do casal de protagonistas. Nessa temporada de Oscar que começa, Sandra Bullock já figura como uma das favoritas para vencer como melhor atriz.

Há também um manejo eficiente para equilibrar o tom de terror com o deslumbramento da Terra vista do espaço. Humanista, Cuarón não esquece em nenhum momento que o maior feito de Gravidade é seu ponto de vista bastante íntimo. Em diversos momentos, a câmera nos coloca dentro dos capacetes dos trajes espaciais. Em outros, o 3D lança detritos em direção à plateia. Cuarón mostra um rigor na condução de sua câmera e também no uso do 3D, que aparece aqui sempre com o intuito de trazer uma experiência útil para a compreensão do filme. Servirá como um ótimo argumento no futuro a ser usado contra os detratores da tecnologia. Nas leituras metafóricas possíveis temos a história da personagem de Sandra, Dra Ryan, que vive em uma espécie de vazio emocional ocasionado por um trauma sofrido anos atrás, na Terra. E é dessa inércia – literal e emocional – que ela precisará se desvencilhar para sobreviver.

O cinema um passo adiante
Cuarón conseguiu levar o cinema para uma nova etapa com Gravidade, sobretudo tecnicamente. Um dos seus feitos mais originais foi acabar com a noção de eixos gravitacionais ao qual estamos acostumados. Praticamente todo filme já feito sobre o espaço sideral mostrava uma perspectiva terráquea – ou seja, tudo estava posto em um plano horizontal ou vertical bastante definido e estável. Mas não existe tal coisa no cosmo. Quando se está fora de nossa atmosfera, e por isso além do alcance do eixo gravitacional do planeta, as noções de cima/baixo desaparecem.

Em diversas cenas somos convidados a vivenciar essa experiência, o que chega a ser algo tanto desconfortável por ser distante do que estamos acostumados em 99,9% dos filmes vistos até aqui. Para dar aos atores uma noção de estarem no espaço foi criado uma imensa caixa de luz (a Light Box), gigantesca estrutura de 6 x 3 metros com 196 painéis preenchidos com mais de 4 mil LEDs que exibiam o planeta Terra, a Estação Espacial Internacional e também ajudavam a dar uma referência de direção e distância. Segundo o DigitalTrends, Sandra passou dias confinada dentro dessa caixa, muitas vezes apenas para captar toda a solidão vivida por sua personagem – a atriz tinha muitas vezes apenas a companhia de um robô-câmera.

O uso do Light Box deve proporcionar uma mudança de paradigma no cinema de agora em diante por ser bem mais sofisticada que o já conhecido chroma-key (aquele fundo verde em que imagens são sobrepostas digitalmente). Já para criar mais veracidade no ambiente de gravidade zero, Cuarón gastou muito tempo estudando experiências reais com ajuda da Nasa, que aparece como consultora do filme. Ao lado de Tim Weber, supervisor de efeitos especiais da produção, o diretor teve que inventar a própria tecnologia para conseguir o efeito desejado.

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Depois que mostrou a ideia do filme ao amigo e diretor David Fincher (de O Curioso Caso de Benjamin Bunton), Cuarón ouviu que a tecnologia disponível no cinema ainda não estava pronta para Gravidade. “Você terá que esperar cinco anos”, disse Fincher. “Ele estava certo, mas demorei quatro anos e meio”. Em entrevista para a MTV na estreia, Cuarón disse que foi James Cameron que mais incentivou o projeto. O criador de Avatar disse que bastava utilizar as ferramentas necessárias e adaptá-las.

A prova do sucesso de Cuarón e do seu incrível domínio de toda a técnica que desenvolveu estão presentes em cada frame do filme e ainda mais nos seus longos planos sem cortes. Logo no início somos levados por um passeio de quase 15 minutos sem interrupção. Ainda que toda essa complexidade chame atenção, o orçamento de US$ 80 mihões ficou bem abaixo de outros blockbusters. Para efeito de comparação, A Aventura de Pi, de Ang Lee custou mais de 100 milhões de dólares e Círculo de Fogo, de Guillermo Del Toro ficou em 180 milhões. Segundo Webber, em entrevista ao The Wrap, essa limitação forçou a equipe a buscar ainda mais inovação.

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Primeiro time da ficção-científica
Mesmo antes de ser lançado, Gravidade já ganhava comparações com 2001 – Uma Odisseia no Espaço (1968), de Stanley Kubrick, considerado um dos maiores clássicos da ficção científica de todos os tempos. Kubrick decidiu por uma proposta mais contemplativa e filosófica para contar a experiência humana pelo desconhecido. Tinha um tom de suspense por causa da relação do computador HAL e os astronautas. Mas, era antes de tudo uma investigação sobre onde a humanidade se encaixa em um contexto universal e cósmico.

A comparação com Gravidade até faz certo sentido, já que o longa de Cuarón é também uma investigação filosófica ao seu próprio modo. Operando em um nível mais pessoal, a vida dos dois astronautas servem como representações da fragilidade humana. Há também muita empatia, pois nos lembra de um sentimento comum a todos os terráqueos que é a noção de pertencimento ao planeta, muitas vezes esquecida no dia-a-dia. Há diversas leituras no longa e muitas serão discutidas apenas mais para frente, quando o filme crescer para se tornar um clássico ao lado de 2001. Outro traço em comum entre os dois trabalhos é o rigor científico de Kubrick e Cuarón de não mostrarem som no espaço – erro básico de ciência, esquecido por quase todos os títulos sci-fi.

Com narrativa simples e tensão no limite, Gravidade também se relaciona com Alien – O Oitavo Passageiro (1979), de Ridley Scott, clássico do horror espacial. Gênero que cutuca os nossos medos mais remotos, a ficção-científica tem servido para entender o homem em uma dimensão ainda mais profunda. Gravidade chega para fazer parte do primeiro escalão de filmes desse tipo.

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De Alfonso Cuarón
[Gravity, EUA, 2013 / Warner Bros.]
Com Sandra Bullock e George Clooney

Nota: 10,0

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