Crítica-HQ: Prof. Fall é um duro encontro com a barbárie do passado

Obra de Ivan Braun denuncia o horror do neocolonialismo em uma narrativa cheia de suspense

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Fotos: Divulgação/Veneta.
Crítica-HQ: Prof. Fall é um duro encontro com a barbárie do passado
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PROF. FALL
De Ivan Braun, Tristan Perreton
[Veneta, 176 pags, R$ 84,90 / 2020]
Tradução de Maria Clara Carneiro

Prof. Fall é uma HQ que traz o difícil reencontro com nossas raízes violentas. Uma leitura que resume o mal-estar contemporâneo que é estar tropeçando em séculos de horror e barbárie. O gibi começa como uma narrativa sobre Michael, um homem que entra em uma espiral de depressão após presenciar o suicídio de um ex-mercenário que atuava na África. Mas desbanca para uma busca meticulosa sobre o passado colonial e todo o racismo, machismo e exploração que isso enseja.

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Imerso em um trabalho burocrático que o aliena do mundo, Michael começa a acordar para uma dura realidade. Inicialmente ele se mostra obcecado com imagens de pessoas que se jogaram de grandes alturas, como as vítimas do World Trade Center no 11 de Setembro. O suicídio do ex-mercenário Domingues após pular de um prédio o coloca em um estado de paranóia e loucura que o faz cavucar o passado desse homem.

Ele acaba encontrando o tal Prof. Fall do título, um misto de curandeiro e feiticeiro que o faz reviver cenas do passado do mercenário, que após participar de guerras civis na África vivia como um cafetão em Lyon, na França. É neste momento que Michael conhece o passado violento do neocolonialismo europeu, com histórias de horror terríveis. A brutalidade revivida pelo protagonista chega a ser insuportável de testemunhar durante a leitura da HQ, mas o tom documental dado pelos autores deixam claro o quão necessário termos ciência dessas histórias não contadas.

Adaptação do romance de Tristan Perreton, a HQ de Braun prima ainda pelo trabalho documental e pelo realismo. Seu traço sóbrio e o incrível realismo do cenário deixam pouca margem para imaginação, o que dá o tom certo de gravidade. A obra ganha contornos de denúncia à medida em que abandona seu tom intimista sobre a alienação vivida pela sociedade urbana atual e passa a adentrar a verdade inconveniente de nosso passado. É um quadrinho que fala muito da experiência francesa na África com todo seu histórico de chacinas, drogas e exploração, mas com certeza pode levantar reflexões em leitores de vários países, sobretudo aqui no Brasil, país fundado sobre alicerces de exploração e morte.

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