Crítica: Imaginários em Quadrinhos Vol. 1, organizado por Raphael Fernandes

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Imaginários pensa diferente
Coletânea de HQs traz autores que buscam saídas criativas para fugir do óbvio das histórias de fantasia, terror e ficção-científica

Iniciativas como a Imaginários em Quadrinhos é a base para o fortalecimento das HQs nacionais como mercado. É a estratégia mais eficiente na busca por uma personalidade de nossa produção (algo que ainda não temos muito bem definido, apesar dos ótimos e conhecidos artistas). Idealizado pelo quadrinista e editor Raphael Fernandes (Ida e Volta, Ditadura no Ar) o livro reúne histórias de fantasia, ficção científica e horror. O mix traz autores novos (e outros nem tanto) com uma diversidade de temas e estilos, mas que têm em comum o fato de buscarem uma personalidade própria – seja na abordagem, no traço, no roteiro ou na linguagem. E isso é o que o título tem de mais relevante.

Essa nova onda de autores estão chegando ao mercado com um nível de sofisticação alto. Fazendo uma comparação com os anos 1990 e parte dos anos 2000, esses nomes em sua maioria abandonaram um desejo de experimentação em favor de um maior domínio e diálogo com o público. Em Imaginários, os autores mostram que possuem domínio de décadas de influência da cultura pop estrangeira (séries, HQs, livros) sem que isso pareça uma simples reverência. O trabalho de organização de Fernandes merece registro por identificar autores que trazem (uns mais, outros menos) o desejo de pensar alguma saída para conceitos já bastante utilizados em outras obras, como vampiros, mundos pós-apocalípticos, ficção-cyberpunk.

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As três HQs que abrem o livro são as melhores. Em “Och”, Raphael Salimena mostra um domínio de enquadramento e design que dá um tom de ação à leitura. Seu traço exagerado, com personagens de expressão quase cartunescas combina bem com a história nonsense e sangrenta sobre um grupo de bárbaros que discutem com uma sociedade conservadora. Depois temos “Negro Nemo e o Tesouro Pornô”, do mineiro Jaum. É um delicado conto sobre um rito de passagem da infância, que é a descoberta do sexo. Há mais dois mini-contos ilustrados pelo autor, um deles com uma interessante conversa entre um homem apaixonado e um cachorro no metrô (!).

A última história de Jaum é pura experimentação, um corpo estranho na seleção de HQs do livro. “A Revolução Não Será Compartilhada”, escrita por Raphael Fernandes e desenhada por Dalts traz uma história envolvendo magia e tecnologia, fazendo referência ao grupo de hackers Anonymous. Parece ter bastante influência de Mago: A Ascenção, um dos RPGs mais cabeça conceituais já criados. Fernandes está presente em outra HQ, “Apagão”, feita em parceria com o desenhista Camaleão. N pequena história apresentada no livro, São Paulo é uma cidade sem luz e sem lei. Nesse mundo sem energia, gangues dominam a região, bastante pobre e povoada de viciados em crack, quase um pós-apocalipse. É uma boa parábola para fazer ligações com a violência da SP real, com neonazis e ataques motivados por ódio. O conceito é tão bom que renderia uma série de livros com o mote.

“O Caso do Monstro do Ártico” e “Valkíria” são as menos inventivas no livro. A primeira, de Zé Wellington e Marcus Rosado é basicamente uma história de vampiros no Ártico. Tem uma narrativa muito bem amarrada, bem escrita, preenchendo tudo o que nos aguarda em um bom thriller (a apresentação do herói, o clímax, a reviravolta). A última história traz dois nomes já estabelecidos no mercado, Alex Mir e Alex Genaro, retomando a já conhecida personagem-título, uma voluptuosa guerreira selvagem e seu encontro com um viajante espacial. Não comprometem a coletânea como um todo, mas são HQs com muitos vícios do estilo norte-americano, seja no enquadramento ou no texto.

Como todo mix de histórias, a qualidade não é 100% perfeita, mas como panorama , Imaginários se mostra um espaço promissor para a atual geração de quadrinistas.

Spin-off
Um segundo número de Imaginários já foi confirmado, o que é muito bom. Além disso, o editor Raphael Fernandes quer lançar a HQ Apagão, presente neste primeiro número, como um volume independente. A obra busca financiamento coletivo através da plataforma Catarse e teve detalhes divulgados semana passada. Com um mote tão interessante, a HQ ainda rende muitas histórias. [Paulo Floro]

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Organizado por Raphael Fernandes com HQs de Raphael Salimena, Jaum, Dalton Dalts, Zé Wellington, Marcus Rosado e Camaleão, Alex Mir e Alex Genaro
[Editora Draco, 128 págs, R$ 29,90]

Nota: 8,2

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