Crítica – Livro: Onde a Lua Não Está, de Nathan Filer

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Imagem: Divulgação

“Eu tenho uma doença, uma doença com a forma e o som de uma serpente. Sempre que aprendo alguma coisa nova, ela aprende também”, declara a certa altura Matthew Homes, narrador-protagonista de Onde a Lua Não Está, primeiro romance do enfermeiro e poeta performático Nathan Filer, vencedor do Costa Book Awards 2013 na categoria Livro de Estreia. Aos 19 anos, Matthew se encontra em uma luta para conviver com a esquizofrenia e lidar com o luto e a culpa pela morte do irmão mais velho, ocorrida dez anos antes.

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Escrito como um longo monólogo de Matt em uma narrativa não linear (em um momento Matt pode estar com 9 anos; em outro, com 19 e em alguns, com 17) repleta de desenhos, enumerações, cronogramas, bilhetes, mudanças de tipografia e brincadeiras com a disposição do texto, o livro é a tentativa de Matt de se abrir sobre a dor que carrega durante todo o tempo. Falando diretamente com o leitor, ele começa nos contando uma história ocorrida no mesmo dia e local da morte do irmão, que mesmo sofrendo de uma doença enfraquecedora de seus músculos, o carrega até o trailer onde estão acampados após um acidente onde fere o joelho. Logo na primeira frase, já fica claro todo o sentimento de culpa que Matt irá levar consigo até então: “eu devia dizer que não sou uma pessoa boa. Às vezes procuro ser, mas em geral não sou”.

Simon Homes tinha 11 anos quando morreu em uma queda durante um acampamento com a família. Portador de síndrome de down – o que em momento algum é tratado apelativamente no livro; na verdade, Simon poderia também não o ser que não interferiria em nada nem construção do personagem nem na trama -, ele é inocente e deposita enorme confiança no irmão, com quem sai pra brincar em uma noite e acaba não retornando. Até que cheguemos próximos ao fim, não sabemos qual a participação real de Matthew no ocorrido. Sabemos apenas que se tratam de duas crianças comuns, dois irmãos criados por uma família amorosa e unida e que assim permanece, mesmo marcada pela ausência de Simon. Matthew passa algum período afastado da escola, sendo educado pela mãe deprimida, tendo uma vida relativamente normal até o momento em que é diagnosticado com esquizofrenia. Daí em até os seus dezenove anos, descobrimos muito pouco a respeito da vida de Matt: sabemos que passa a fumar maconha e cigarros, possui um talento extraordinário para o desenho, trabalha em um asilo, está em um programa de tratamento da doença e volta à escola, onde conhece aquele que viria a ser seu melhor amigo e companheiro de apartamento, Jacob. Ainda, sabemos que Matt passa a ver o irmão em todos os lugares e em determinado momento, ele passa a chamá-lo constantemente para brincar. Essa informação é importante, pois constitui o ponto chave no limite da alucinação de Matt, onde ele poderá encontrar alguma redenção.

Uma das passagens comoventes do livro é aquela que cita os idosos residentes do asilo onde Matt trabalha, cada um com um bilhete pessoal se apresentando e contando um pouco sobre como são. Uma maneira bonita de demonstrar que todas aquelas pessoas têm uma história, foram ativas e tiveram uma vida como todo mundo, e agora estão abandonadas e esquecidas pela família e de si mesmos – assim como alguns dos loucos internados na área psiquiátrica do hospital onde o protagonista se trata.

O início é um pouco lento e o livro demora a ganhar ritmo. Em uma escrita que faz Nathan Filer parecer uma versão mais branda de Chuck Palahniuk pelo linguajar coloquial cheio de gírias e palavrões e as várias repetições de pensamentos escritos de maneira seca e direta, a diferença é que ao primeiro falta o sarcasmo e o grotesco do segundo, o que em Onde a Lua Não Está é uma qualidade e uma opção estética acertada. No lugar de críticas à sociedade ou o uso de humor negro e ainda que o mote seja o drama, Nathan procura tratar com seriedade e imparcialidade a condição de uma pessoa esquizofrênica, que pode ter ficado nesta condição a partir de um evento bem específico de sua vida.

Mas o romance não trata apenas da doença: antes, é um relato sobre o luto. Não há violência ou melodrama; somos apresentados somente a uma mente que sai dos trilhos, chegando quase ao seu limite. Filer utiliza habilmente o recurso de não revelar em que circunstâncias Simon Homes morre, não fazendo de seus curtos capítulos apenas ganchos para uma suposta grande revelação. Mais importante que descobrimos como e se Matt realmente causou a morte de seu irmão é conhecermos o seu ponto de vista através de uma memória por vezes falha e enganosa – é a luta que Matt trava com sua própria mente diante dos nossos olhos o que nos prende à leitura até o final.

ONDE_A_LUA_NAO_ESTA_1389617554PONDE A LUA NÃO ESTÁ
Nathan Filer
[Editora Rocco, 272 páginas, R$39,50/ 2014]
Tradução: Ryta Vinagre
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