Crítica: Ninfomaníaca – Volume Um, de Lars Von Trier

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Stacy Martin, que interpreta Joe quando jovem: talento inato para autodestruição (Divulgação/Zentropa)
Stacy Martin, que interpreta Joe quando jovem: talento inato para autodestruição (Divulgação/Zentropa)

Lars Von Trier aniquila qualquer pudor ao fazer filme denso sobre sexo e culpa

Por Rafaella Soares

Quando foram divulgadas as primeiras notícias sobre Ninfomaníaca (Nymphomaniac, 2013), o mais recente trabalho do diretor dinamarquês Lars Von Trier (Os Idiotas, Dançando no Escuro, Dogville, Anticristo, Melancolia), à natural inquietação gerada por uma nova obra do cineasta, somou-se ansiedade extra: o tema sobre o qual ele debruçaria para utilizar seu já conhecido cinema radical seria o sexo.

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Com estreia aguardada marcada para este fim de semana, é compreensível o burburinho do público em ver o que Von Trier, polêmico por seus métodos com os atores, conhecido por ser meticuloso, dono de declarações polêmicas e autor de algumas das obras mais contundentes/importantes do cinema atual tem a dizer sobre este instinto básico. O elenco em si já cria expectativa: Uma Thurman, Cristian Slater, William Dafoe são alguns que fazem participação entre a primeira e a segunda parte do filme – esta última, com previsão de estreia em março deste ano. O diretor aliás, abriu mão do corte final do filme, que por ele, teria 5 horas e meia.

Pra começar, Ninfomaníaca não é um filme comum sob o viés do erotismo: não são cenas excitantes ou situações eróticas que protagonizam o filme. Elas estão lá, e são cenas pontualmente excitantes, que não deixam nada a dever para outras obras cultuadas (como o ainda em cartaz Azul é a Cor Mais Quente), mas para quem espera 2h30 de pornô, esqueça (há opções mais baratas vide PornTube e madrugadas do Multishow).

http://www.youtube.com/watch?v=7HW4UjB4wkY

Protagonizado pela excelente Charlotte Gainsbourg na idade adulta e pela modelo britânica Stacy Martin quando jovem, o filme conta a história de Joe, uma mulher encontrada por um homem (Stellan Skaasgard) machucada em um beco, enquanto neva. Quase à contragosto, ele consegue levá-la dali. Já na casa de Seligman, Joe resolve contar porquê foi encontrada ali, narrando sua vida desde a infância e como o sexo foi moto-contínuo da sua existência. Nas próximas duas horas, observamos como sua curiosidade sexual desdobrou-se em satisfação, dor, humilhação e rotina. Todas as experiências descortinadas ali, guardam elementos com outros obras do diretor: a repetição do combo personagem central feminina + violência + sexo + situação levada ao extremo até uma ruptura.

O julgamento moral sobre a conduta de Joe acaba diluída pela fascinante perspectiva de voyeur em que tanto Seligman, seu interlocutor, quanto nós, que assistimos a tudo, somos submetidos. É um filme erudito sobre sexo, em que a contemplação acontece mais do que o desconforto ou a excitação.

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Cada uma das situações, no imaginário coletivo ou individual, guardam semelhança com algo que vivemos ou gostaríamos, mas não é permitido. E Joe (e quem contracena com ela) aniquila qualquer pudor, qualquer freio moral, qualquer medida. Sua condição acaba causando compaixão, como se todos os desdobramentos a que levasse tanto sexo não partisse de uma escolha, mas de um impulso inato pela autodestruição. O trailer da segunda parte de Ninfomaníaca, exibido ao fim dos créditos, aumenta a vontade de ver tudo numa tacada só, mas no Brasil, só sai em março.

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De Lars Von Trier
[Nymph()maniac, DEN, 2014 / California Filmes]
Com Charlotte Gainsbourg, Stellan Skasgaard, Uma Thurman

Nota: 9,0