Crítica: Vidas Ao Vento, de Hayao Miyazaki

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Foto: Divulgação/Studio Guibli.
Foto: Divulgação/Studio Ghibli.

Em sua despedida do cinema, Hayao Miyazaki cria obra-prima sobre arte e guerra

Em sua despedida dos longas-metragens de animação, o diretor japonês Hayao Miyazaki (A Viagem de Chihiro) criou uma obra poética sobre arte, sonhos e relacionamentos através da biografia de Jiro Horikoshi, o inventor dos caças usados pelo Japão na Segunda Guerra Mundial. Uma obra-prima que não seria possível em nenhum outro meio que não a animação. Melhor: uma animação com a técnica e expressão que só Miyazaki e seu estúdio Ghibli conseguiriam.

O estilo do diretor, que coloca alegoria em cada quadro, aparece aqui para falar de como a arte pode ser usada para os mais diversos fins. A leitura melancólica mais direta é mostrar como o sonho de um jovem japonês serviu para concretizar os sonhos nacionalistas do Japão, ocasionando um dos maiores massacres que foi o conflito no Pacífico durante a Segunda Guerra Mundial. A trama começa com o ímpeto de Jiro, que sempre sonhou em colocar máquinas nos céus. Com misto de arrogância e inocência, ele parece tão absorto em seu intuito que ignora a loucura do mundo entre-guerras.

Nessa sua jornada, acaba conhecendo a jovem Naoko, uma menina de classe média alta que aparece em seu caminho durante um terremoto. Anos depois, o destino os coloca em contato. A alegoria usada pelo diretor aqui explica o título original, “The Wind Rises” (o vento se ergue), que é retirado de um poema de Paul Valéry: “O vento se ergue… temos que tentar viver”, uma metáfora sobre como se adaptar ao que a vida coloca no caminho sem avisar. Tudo no filme busca tirar significado do vento, o que gera imagens poderosas e belas, seja nos sonhos de Jiro, quanto nas cenas incrivelmente reais do Japão daquela época.

Filme mostra história de amor em meio a um Japão à beira do caos (Divulgação/California Filmes).
Filme mostra história de amor em meio a um Japão à beira do caos (Divulgação/California Filmes).

O mais impressionante em Vidas Ao Vento é que Miyazaki não se rogou em abordar o lado mais humano de seu protagonista nem em mostrar as contradições do período – com tudo o que tinha de mais triste, cruel e traumático. Ao mesmo tempo, livre de julgamento moral, mostrou toda essa problemática como pano de fundo para abordar a bela história de amor entre Jiro e Naoko, que sofria de tuberculose.

Miyazaki ficou famoso por sua técnica impecável, que desenha à mão cenários e quadros e desenvolve estudos detalhados de expressões dos personagens. A maior parte de suas obras são carregadas de um visual estonteante, que dá um tom dramático ao cenário como um todo, quase como se o ambiente tivesse vida. Em sua última obra, ele desenhou um Japão que se contorcia para caber dentro da nova ordem mundial. Sem deixar em nenhum momento o didatismo histórico sobrepujar sua trama metafórica de amor e arte, ele mostrou em tela um retrato do país no período, como a epidemia de tuberculose, a aurora do fascismo, a grande depressão econômica e de maneira INCRÍVEL o grande terremoto que destruiu Tóquio em 1923.

Aos 73 anos e com um Oscar no currículo, Miyazaki encerra sua carreira no cinema para viver sem muita pressão. Diretor de O Castelo Animado, A Princesa Mononoke, Ponyo e vários outros longas, ele disse em seu testamento final, divulgado pelo estúdio Gibli, que quando se é animador é preciso captar com perfeição a água e o vento. “Eu vou ser livre”, disse em uma coletiva de imprensa. Seu legado o transformou no mais importante animador vivo, título que detesta.

Um dos últimos cineastas que mantinham a animação como algo artesanal, Miyazaki foi metódico até na hora de parar. Em entrevista ao site Buzzfeed, ele explicou sua decisão. “O trabalho de animador é como uma construção de tijolo e argamassa. Eu senti que não seria capaz de colocar mais um tijolo”.

Vidas Ao Vento é sua última animação em longa-metragem, mas ele afirmou que ainda deve trabalhar com outras coisas, como curtas, ilustração, etc. Não tinha maneira melhor de terminar do que uma obra que é uma reflexão sobre criação e transformação.

vidas_cartazVIDAS AO VENTO
De Hayao Miyazaki
[風立ちぬ/ Kaze Tachinu, JAP, 2013 / California Filmes]
Com vozes de Hideaki Anno, Miori Takimoto e Hidetoshi Nishijima
[Recomendado]

Nota: 9,0