Daytripper

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Série trata a morte como fonte de tristeza, mas também de paz (Reprodução)

AS MUITAS MORTES
Daytripper, HQ da Vertigo é ponto alto da carreira dos irmãos brasileiros

Por Társio Abranches
Colaboração para a Revista O Grito!

Que os gêmeos Gabriel Bá e Fábio Moon, criadores da série 10 pãezinhos, são ótimos desenhistas e quadrinhistas, todo mundo sabe. Os caras foram os primeiros brasileiros consagrados com um Eisner, só para ser sucinto. O que faltava, porém, era eles acertarem em uma história que mostrasse unidade entre forma e conteúdo. É esse o caso de Daytripper, minissérie da Vertigo lançada nos EUA (sem previsão de lançamento por aqui), que permite o leitor imergir numa viagem que o deixa mais preso a cada edição.

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O personagem principal de Daytripper se chama Brás de Oliva Domingos e ele é um escritor de obituários em um jornal de São Paulo(lembra um certo fantasma escritor, não?). O sonho de Brás sempre foi viver a vida intensamente e se tornar um grande escritor, paixão herdada de seu pai, um dos maiores nomes da literatura e figura um tanto distante. Preso a um emprego que não o realiza e frustrado com suas tentativas de escrever um livro, Brás se sente cada vez mais oprimido pela sombra do pai. Para piorar, no dia do seu aniversário de 32 anos, tudo o que se fala é na homenagem ao seu velho no Teatro Municipal. Todos ligam e lhe dizem que ele deve aparecer. Renegado ao status de sombra, no caminho para homenagem de seu pai, Brás pára num bar e acaba por ser morto num assalto.

No próximo número, nos deparamos de novo com Brás vivinho da silva numa outra época, na qual ele também morre. E assim continua nos outros capítulos. A partir das mortes, nós conhecemos a vida de Brás e, mesmo que dê a impressão de ser uma nova história a cada edição, tudo faz parte de um grande plano. Pois nossos dias estão cheios de momentos únicos onde tudo está preste a mudar. E o texto de Gabriel Bá acerta ao dar um tom de obituário no final de cada capítulo, onde a morte súbita de Brás por mais triste que pareça, também traz um ar de compreensão e paz. A forma não-linear da narrativa permite criar certo suspense sobre o que aconteceu em determinado momento, o que aconteceu com Brás para ele continuar vivo.

Os desenhos estão incríveis. A maior parte é de Fabio Moon. Gabriel Bá, mais responsável pelo texto, acaba desenhando algumas páginas e as capas. Várias cidades brasileiras servem de cenário e, na hora, o leitor brasileiro reconhece os locais mesmo antes de ver alguma indicação do nome do lugar devido às roupas, arquitetura, natureza e costumes bem retratados. Para os americanos, é uma oportunidade de ter uma noção real do quão variado é nosso país. É de muito respeito a opção dos autores em ambientarem a narrativa no Brasil e não em Nova York ou Los Angeles para facilitar a identificação com os gringos. E as cores vivas e fortes de Dave Stewart criam uma atmosfera altamente onírica, em sintonia com a HQ.

Outra preocupação constante é a fluidez da transição de quadros, principalmente nos deslocamentos temporais. Muitas vezes, Eles mantêm a posição do personagem e o padrão das formas que compõem os quadros de maneira a criar uma relação entre passado e presente, ou de uma paisagem para outra. Prima-se por uma narrativa mais orgânica do que calcada em experimentações visuais. Portanto não espere uma revolução, mas um estilo mais clássico e detalhado.

Daytripper é uma ótima viagem proporcionada pela dupla. Sua história funciona principalmente por ser uma minissérie. A cada morte de Brás, a leitura melhora e ficamos mais envolvidos. Queremos saber afinal se o cara vai conseguir fazer alguma coisa, sem sofrer uma morte digna do Coiote Coió. As editoras brasileiras (alô, Panini) tem a obrigação de trazer o material para o Brasil e, de preferência, lançando os 10 capítulos separados como nos Estados Unidos.