Dilma na ONU

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ORGULHO DE MULHER
Em discurso histórico na ONU, Dilma, a presidenta se mostrou mais dura do que Lula nas críticas direcionadas aos países ricos, mas foi elegante ao não citá-los

Por Tiago Negreiros

Dilma transmitia tranqüilidade na sua primeira participação em um debate da Assembléia Geral da ONU, ocorrido na última quarta (21). Com um casaco de renda suíça azul assinado pela estilista gaúcha Luisa Stadtlander e de vestido e sapatos também azuis, a presidenta criticou as medidas dos países em desenvolvimento no trato com a crise internacional, defendeu a soberania da Palestina e, sobretudo, da adesão do Estado palestino à ONU, falou das mulheres, dos direitos humanos, enfim, foi emotiva e contundente quando deveria ser. Não é difícil perceber que a presidenta tem se tornado uma boa oradora. O discurso antes tecnocrata em excesso ou, por vezes, sem personalidade – inclusive no período eleitoral -, agora parece estar encontrando uma afinação mais coerente à Dilma. As metáforas atabalhoadas foram extintas, sem que cessasse a influência de Lula. Frases como “queremos para os outros países o que queremos para nós mesmos” ditas por Dilma na ONU eram insistentemente usadas pelo ex-presidente. Só que ela se permitiu ficar mais à vontade, e nos primou com momentos emocionantes. Grande parte deles, ao se referir às mulheres. “É com humildade pessoal, mas com justificado orgulho de mulher, que vivo este momento histórico. Divido esta emoção com mais da metade dos seres humanos deste planeta, que, como eu, nasceram mulher, e que, com tenacidade, estão ocupando o lugar que merecem no mundo. Tenho certeza de que este será o século das mulheres.”, disse, para ser aplaudida por aproximadamente 15 segundos.

Foi a primeira vez que uma mulher abriu os debates da ONU desde a sua primeira edição, realizada em 1947. Dilma pontificou bem a quebra do tabu, usando uma retórica feminista que comoveu os chefes de Estado. Mas foi sobre a crise internacional que a presidenta mais expôs sua característica tão peculiar: a contundência. A presidenta se mostrou mais dura do que Lula nas críticas direcionadas aos países ricos, mas foi elegante ao não citá-los. “Não é por falta de recursos financeiros que os líderes dos países desenvolvidos ainda não encontraram uma solução para a crise. É, permitam-me dizer, por falta de recursos políticos e algumas vezes, por clareza de ideias”. Sobrou bronca também para os emergentes, em particular à China, que propositalmente desvaloriza a moeda local para inflar as exportações. “Países altamente superavitários devem estimular seus mercados internos e, quando for o caso, flexibilizar suas políticas cambiais, de maneira a cooperar para o reequilíbrio da demanda global. Trata-se de impedir a manipulação do câmbio tanto por políticas monetárias excessivamente expansionistas como pelo artifício do câmbio fixo.” O protecionismo foi estranhamente denunciado por Dilma, isso uma semana após o Brasil aumentar os impostos dos carros importados. Certamente o único momento equivocado do discurso.

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Dilma externou as conquistas do Governo Lula e seu objetivo de eliminar com a pobreza extrema no Brasil, mas foi mais incisiva no trato dos direitos humanos. Citou o elogiado trabalho das forças armadas brasileiras no Haiti e mais uma vez voltou a alfinetar os EUA e os demais países responsáveis pelas guerras na Líbia, Iraque e Afeganistão. “A busca da paz e da segurança no mundo não pode limitar-se a intervenções em situações extremas. O mundo sofre, hoje, as dolorosas consequências de intervenções que agravaram os conflitos, possibilitando a infiltração do terrorismo onde ele não existia, inaugurando novos ciclos de violência, multiplicando os números de vítimas civis. Muito se fala sobre a responsabilidade de proteger; pouco se fala sobre a responsabilidade ao proteger.”

A presidenta voltou a ser aplaudida em dois momentos importantes do seu discurso; o primeiro, ao exigir uma reforma no Conselho de Segurança da ONU, pedido exaustivamente feito desde o início do Governo Lula. O segundo, quando defendeu a soberania do povo palestino. “Apenas uma Palestina livre e soberana poderá atender aos legítimos anseios de Israel por paz com seus vizinhos, segurança em suas fronteiras e estabilidade política em seu entorno regional. Venho de um país onde descendentes de árabes e judeus são compatriotas e convivem em harmonia – como deve ser.”

Exceto o momento do protecionismo, Dilma estava em situação bastante confortável para criticar ou elogiar quem desejasse. O Brasil tem hoje uma das instituições financeiras mais sólidas do mundo. O mercado interno segue aquecido, o que possibilita que a economia do país sinta de forma menos grave os efeitos da crise. Quando o assunto é guerra, nem se fala. A própria presidenta lembrou que o Brasil está em paz com seus vizinhos há mais de 140 anos, o que lhe dá gabarito suficiente para criticar os EUA, por exemplo. Mas o que sobra em um, falta em outro. Obama, por exemplo, ignorou as três guerras que os EUA mantêm e, sem constrangimentos, contemplou o mundo com a seguinte pérola: “Foi enterrada a ideia de que a mudança só virá com violência”. O presidente americano, em campanha para se reeleger, insiste na falaciosa retórica do otimismo, uma espécie de ‘neo we can’, enquanto não consegue livrar os americanos do alto índice de desemprego; 9% da população adulta. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Gallup apontou que 51% dos americanos acreditam que Obama tem parcela nos problemas econômicos do país. Motivo suficiente para acreditar que a reeleição do primeiro presidente negro dos EUA está cada vez mais distante.

Tiago Negreiros é jornalista político. Reside em Toronto, no Canadá e escreve artigos para a Revista O Grito! sobre política internacional

Fotos por Roberto Stuckert Filho / Agência Brasil