djavan
Capa do disco "D". (Divulgação).

Djavan refresca sua musicalidade inconfundível com o novo disco D

Reafirmando seu estilo, mas buscando novas paisagens sonoras, as faixas falam de amor e sentimentos numa atmosfera jazzística

Djavan refresca sua musicalidade inconfundível com o novo disco D
4

Djavan
D
Sony Music, 2022, Gênero: MPB, Pop, Jazz

O amor cantado em suas fases e faces, seja através de um romance feliz, cheio de desejo e anseio de ter a pessoa amada por perto, seja um romance sofrido, que faz chorar, que faz penar ou que dá saudade, marcam a trajetória dos sucessos do cantor Djavan. Mesmo tendo esse sentimento como fio condutor, o artista sempre buscou envolver outros temas de seu apreço, como a natureza, o que de alguma forma dialogam entre si. Nesta premissa, nasce o disco D, quebrando um hiato de quatro anos sem lançamentos, desde o álbum Vesúvio (2018).

Natural de Maceió, Djavan, é patrimônio da música popular brasileira. São 30 discos gravados, sendo quatro deles internacionais com versão em inglês e português, um Grammy, e colaborações de peso, como a realizada com Steve Wonder. Dono de músicas, verdadeiras trilhas sonoras de vidas, entre a extensa lista: “Flor de Liz”, “Lilás”, “Pétala”, “Eu Te Devoro”, “Oceano”, “Sina”, “Um Dia Frio”, “Se…”, “Um Amor Puro”, Djavan abraça a produção da musicalidade brasileira com a defesa da MPB, samba, xote, bossa-nova, música regional, ao mesmo tempo que mescla estilos com o jazz e o blues.

Em D essa mescla é concreta. Os arranjos do jazz, com o protagonismo do sax, a elegância dos teclados e a potência de um violão tipicamente mpbístico, além da percussão que serve como a cereja do bolo, constroem um álbum tão Djavan quanto o próprio Djavan. Embaladas pela voz pouco alterada pelo tempo, ainda jovem, carregando as características médio aguda suave, entre firulas e vocalizes, as 12 faixas que compõem o projeto, herdam do estilo do artista mas não deixam de trazer novos testes e intenções.

Na “ala da sofrência”, para abri-la vêm “Primeira Estrada”, trazendo um eu lírico que implora para o amor ficar, que está revoltado, não sabe como viver sem seu par e se questiona Se era amor por que acabou? Quem amou não sabe, dando vez a um solo de guitarra tão dramático quanto a letra. Nestas dúvidas existenciais, “Nada Mais Sou” repercute a melancolia de um apaixonado abandonado que passa a frequentar o desprazer e viver só por viver sem existir. Por sua vez, a MPB moderninha de “Ao Menos um Porto” traz o pedido pela volta de um amor, porque sem ele é barco à deriva sem lugar para ir.

Ainda nesta atmosfera do sofrer, “Você Pode Ser Atriz” fala sobre não valer lamentar pelo que perdeu, e também versa sobre a dualidade do amor, que pode ser indeciso, fazer bem e pode aumentar a dor. Aqui, o dedilhar do violão é um destaque, produzindo ondas sensoriais no ouvinte. E em “Ridículo”, com uma introspecção e melancolia maior no instrumental, Djavan canta uma vida a dois, uma relação aprisionada, capaz até de morrer por amor, mas que revela desilusões quando diz Me casei com alguém que nunca existiu.

“Cabeça Vazia”, traz com sua excitação instrumental, uma letra mais reflexiva também voltada ao amor. Aqui a ala da sofrência dá lugar a uma atmosfera mais dance. É cabeça vazia, que manda em tanta gente, que diz que não sabia que agia diferente, representando alguém que não pede perdão e só quer um “rala” com o eu lírico. Na gingada e sintetizada “Sevilhando”, Djavan vem mais enigmático na letra, promovendo um diálogo com “Andaluz”, faixa do álbum Coisa de Acender (1992) que também menciona a cidade paisagística da Espanha. “Quase Fantasia” dança com um alerta sobre a vaidade e a dependência de um amor, com destaque ao sofisticado e classudo casamento de teclado com guitarra.

Surpreendendo e se desprendendo da pegada rítmica das demais faixas, “Êh! Êh!” resgata o sofrimento pelo amor bebendo de um samba meio bossanova bem melódico como ele mesmo deve ser. Na letra há um poeta com peito magoado, ferido, chorando que nem criança mas que engendra para uma história de recomeço, pois ainda acredita no amor.

É verdade que D pela quantidade de faixas, se porta tímido em sua relação com o audiovisual, mas nas apostas de clipes, ganha estrelas em todas. Com a direção de Giovanni Bianco, envolvido com clipes de sucesso, sendo o mais recente “Girl From Rio” de Anitta, as três canções escolhidas para trazer a imagem às melodias querem muito dizer sobre os propósitos do cantor com o novo trabalho. “Num Mundo de Paz” vem com um ritmo envolvente, com muita guitarra, percussão, explosão do sopro do jazz, versando sobre o gozo de um amor, a esperança da felicidade, o retorno do que era bom. No vídeo, Djavan está imerso numa natureza gráfica, enquanto dança com um molejo particular.

Em “Beleza Destruída” a necessidade de cuidado com a natureza, mencionadas as matas queimadas, as fortes chuvas, agressão à fauna, aos indígenas, “o homem cego por dinheiro” são cantadas junto a Milton Nascimento. A parceria é inédita entre esses dois colossais nomes da MPB e composta por Djavan para isso. Declaradamente uma inspiração e importante na formação artística de Djavan, Milton integra a faixa no ano em que se despede dos palcos, através da turnê A Última Sessão de Música. No clipe, em preto e branco, os cantores interagem em meio aos solos e duetos, entoando a poesia da canção.

O desfecho de D também vem com ineditismo. No Teatro Copacabana Palace, com ukulelê, cajon, violão e muitas vozes, “Iluminado”, potencial carro chefe do disco, traz uma colaboração especial entre Djavan e seus filhos e netos. Flavia Virginia (filha), João Viana (filho), Sofia Viana (filha), Inácio Viana (filho), Thomas Boljover (neto) e Lui Viana (neta) expressam a herança musical de Djavan na música mais pop do álbum, trazendo uma batida folk e pela harmonia das tantas vozes cantando o otimismo. 

Djavan é um daqueles artistas que pela proporção e representatividade na música, poderia passar anos sem novidades que não diminuiriam sua grandeza. É um artista que está liberto (se já não esteve desde o início) das fórmulas de fazer sucesso, porque seu sucesso alcançou um patamar fixo. Sem precisar provar nada para ninguém, D reverbera e renova a arte de um músico que respira e exala musicalidade, e isso já basta.

Leia mais críticas de discos