Dossiê Teatro em Pernambuco: No Recife, uma cena em transição

magiluth
O grupo Magiluth na peça "Viúva porém honesta". Foto: Chico Ludermir/Reprodução blog Magiluth.
O grupo Magiluth na peça “Viúva porém honesta”. Foto: Chico Ludermir/Reprodução blog Magiluth.

Pensar a cena teatral do Recife na atualidade é um exercício que, inevitavelmente, exige redirecionar o olhar. A produção de grande parte dos grupos locais passa por um período de transformação não só nos meios de produção, como também estéticos, na medida em que os grupos experimentam com outras formas de estar em cena e se relacionar com o público. Esse movimento tem-se classificado como teatro alternativo, uma denominação que não está livre de controvérsias, mas que tenta sintetizar uma inquietação latente entre muitos artistas da capital pernambucana.

Se símbolos são importantes, é emblemático que o Teatro do Parque esteja de portas fechadas há seis anos, à espera de uma reforma que funciona a conta gotas. Um dos palcos mais importantes da cidade, ele se tornou a materialização de uma (falta de) política cultural por parte da gestão pública em relação às artes e, nesse caso, em relação a cênicas. Dentro desse cenário, acontecimentos como o esvaziamento de eventos fomentadores, a exemplo do Festival de Dança do Recife e o Festival Recife do Teatro Nacional, aprofundavam a ideia de que o sistema de fundos de incentivo sob a tutela do Estado é importante, mas expunham uma relação problemática entre a criação e os jogos políticos.

Nesse contexto, muitos artistas buscaram novos caminhos, soluções para criar. Apresentações em domicílio começaram a ganhar espaço. O que se apresentava para alguns como uma moda logo se desenvolveu, saindo das residências e ocupando novos espaços não convencionais, criando uma nova cartografia da cena teatral, além de se direcionar para múltiplas pesquisas estéticas e teóricas. É o caso do Teatro de Fronteira com espetáculos que além de estimular um contato mais próximo com o público, abolindo a quarta parede, investe também no aprofundamento da experimentação com o teatro documental, como nas peças Na Beira e Luzir É Negro.

O Poste Soluções Luminosas com seu interesse pelo teatro físico e antropológico, de forte ligação com a ancestralidade africana, produziu espetáculos de vigor, a exemplo de A Receita, Ombela e Cordel do Amor Sem Fim. São trabalhos que exploram as potencialidades do corpo e da voz do ator em cena e que, através do diretor Samuel Santos, têm influenciado outros artistas da capital e do interior do Estado, a exemplo de O Açougueiro, de Alexandre Guimarães, e A Última Cólera no Corpo de Meu Negro, da Cia Experimental (Vitória de Santo Antão).

Talvez o maior representante do teatro pernambucano em termos nacionais, o Grupo Magiluth tem, recentemente, se lançado em novos caminhos. Depois de montagens como Aquilo que Meu Olhar Guardou para Você e O Ano Em Que Sonhamos Perigosamente, os rapazes vão montar Hamlet, de Shakespeare, em um movimento que, segundo eles, é natural e aponta para o amadurecimento de certas inquietações do grupo, inclusive em relação à ideia de teatro clássico e contemporâneo. Um projeto com obras do poeta Miró também está nos planos do grupo.

Outro movimento que merece destaque é o da dramaturgia voltada para a infância. Grupos como as companhias Fiandeiros, Meias Palavras e Biruta (Petrolina) têm investido em pesquisa aprofundada para esse público, com dramaturgia autoral que investe em temas como transitoriedade da vida, solidão, bullying, fugindo da reprodução de sucessos do audiovisual.

Múltipla, a cena teatral do Recife, hoje, vive um momento de transição. O palco à italiana e uma ideia mais institucionalizada do que é fazer teatro já não comporta todas as inquietações desses criadores. Do cenário político à sexualidade, passando pelo próprio DNA da sociedade brasileira, temas diversos estão indo à cena, explicitando uma efervescência que já se apresenta como um ótimo indicativo da produção local, mas que aponta, principalmente, possibilidades enriquecedoras para o futuro. É preciso estar atento e observar esse movimento, principalmente porque a esses artistas não interessa ocupar apenas o Santa Isabel, o Apolo ou Barreto Júnior. O objetivo é ocupar a cidade.

PANORAMA CRÍTICO: No Recife, uma cena em transição
Teatro Alternativo, poéticas e estéticas
Entrevista com Stella Maris
Teatro em Casa, um canto para sonhar e resistir
Teatro infantil (r)existe
O estado de espírito dramatúrgico de Puro Lixo
Nascido do caos, o coletivo Magiluth
A via híbrida do Coletivo Angu de Teatro
Carta do artista: Cleyton Cabral