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Lula durante comício em Curitiba. (Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação).

Só existe um futuro para o Brasil, e ele passa pela eleição de Lula neste domingo

Um editorial coletivo assinado por diferentes veículos jornalísticos sobre as eleições de 2022

Em março de 2021, quando o Brasil enfrentava uma das ondas mais mortíferas da pandemia de covid-19, o presidente Jair Bolsonaro imitou uma pessoa com falta de ar ao criticar declarações do ex-ministro da Saúde, Henrique Mandetta. Ele viria a repetir a cena dois meses depois.

As performances de Bolsonaro talvez tenham sido a manifestação mais perversa da sua conduta absolutamente errática à frente do país na pior crise sanitária do último século, mas não foi a única, nem a mais grave.

Sua insistência em recomendar medicamentos comprovadamente ineficazes no combate à covid-19 e o descaso nas negociações com laboratórios para a compra de vacinas foram responsáveis, segundo estimativas, por 400 mil mortes causadas pela covid-19. Mortes que poderiam ter sido evitadas.

É impossível prever uma pandemia, mas ao enfrentar outros problemas crônicos que assolam o Brasil, Jair Bolsonaro teve desempenho igualmente pífio e postura perversa, insensível. Em quatro anos, o Brasil sofreu retrocessos gravíssimos: do aumento progressivo das queimadas na Amazônia à fome, que voltou com força e hoje assombra mais de 30 milhões de brasileiros, passando pelo aumento da violência, do ódio e da intolerância.

Jair Bolsonaro tem em sua trajetória política recorrência de discursos machistas, racistas e homofóbicos. E em seu governo, estes discursos ganharam forma em políticas públicas que reduziam direitos das mulheres, população negra e indígena e LGBTQIA+, como as inúmeras portarias do Ministério da Saúde restringindo acesso ao aborto legal e ataques às demarcações de terras indígenas.

O governo de Bolsonaro foi pautado pela necropolítica. Convivemos quatro anos com uma exaltação constante à morte e à violência, com o armamento ostensivo da população e propostas perigosas como a da excludente de ilicitude, como se não houvessem estudos apontando que esse caminho não soluciona a insegurança sistêmica que vivenciamos — pelo contrário, só a piora.

A principal bandeira de Jair Bolsonaro na campanha de 2018, o combate à corrupção, foi rasgada sem demora. Ele aliou-se ao Centrão e se viu mergulhado em casos de corrupção, dos mais simples — mas não menos graves —, como as “rachadinhas” (desvio de dinheiro público) que parecem ser praxe entre seus familiares políticos, aos grandiosos, com destaque para o “Orçamento Secreto”, um esquema em que nosso dinheiro jorra aos bilhões no Congresso como moeda de troca para garantir sua sustentação no poder. Em situações-limite, Bolsonaro impôs sigilos injustificáveis de 100 anos a documentos que poderiam provar seus evidentes erros.

Mesmo com escândalos recorrentes no primeiro escalão do governo, que levaram à queda de ministros, histórias muito mal contadas, como a dos 51 imóveis comprados com dinheiro vivo e as que envolvem Fabrício Queiroz e os cheques depositados em nome da primeira-dama, e o aparelhamento de instituições como de controle e correição, Bolsonaro teve a pachorra de afirmar que não existiu corrupção em seu governo. A mentira foi institucionalizada. Virou política de governo.

Na economia, que justificou — na figura do ministro de enfeite Paulo Guedes — o apoio de setores poderosos à campanha vitoriosa de Bolsonaro em 2018, o crescimento do Brasil ficou abaixo da média global. Retrocedemos em todos os indicadores que importam, em alguns casos até 30 anos.

Viramos párias internacionais, motivos de piada e constrangimento em eventos globais. Os investimentos em educação, ciência e saúde encolheram e o orçamento federal de 2023 contém um apagão na área social a fim de abastecer o Orçamento Secreto. A cultura foi hostilizada e deixada à míngua; até discurso neonazista foi proferido por quem deveria, antes de qualquer um, defender e promover os nossos artistas.

Não contente em ser um mau governante e um mau ser humano, Jair Bolsonaro atacou todos os pilares da democracia em um exercício destrutivo constante — uma triste lição, sentida na pele, de como as democracias agonizam antes da morte.

Bolsonaro atacou a imprensa, atacou o Judiciário, atacou a urna eletrônica — a mesma que o elegeu várias vezes à Câmara dos Deputados, onde jamais fez coisa alguma, e à Presidência. Em todos os casos, sem provas nem justificativas. Ameaçou, e ainda ameaça, uma ruptura institucional caso não seja reeleito. Ao que tudo indica, em breve se revelará também um mau perdedor.

Entendemos que não reeleger Bolsonaro é o único caminho possível para podermos pensar no futuro. Diante da emergência climática e de um presidente que ataca e humilha a própria população, e diante dos sinais de que a extinção da humanidade é uma trilha cada vez mais sólida, não cabe ter qualquer dúvida quanto à ideia de que outro presidente é a condição mínima necessária para que se possa sonhar com um futuro. Se haverá ou não futuro, isso depende de muitos outros fatores que escapam à capacidade de resolução do sistema político engendrado pelo capitalismo. 

Por isso, acreditamos ser importante nos posicionarmos. Para nós, esta não é uma escolha muito difícil, como sugeriu o histórico e lamentável editorial de O Estado de S. Paulo, em 2018, quando da disputa entre Fernando Haddad e Bolsonaro.

Para nós, a escolha entre os principais presidenciáveis – Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva – é uma obviedade. Longe de ser perfeito, o candidato do PT representa a única possibilidade de discutirmos uma agenda para o amanhã — e é isso que nos interessa, enquanto veículos jornalísticos e cidadãos: parte da nossa cobertura se concentrará em explicitar uma agenda civilizatória urgente para evitarmos o colapso do planeta, algo que ainda parece distante dos planos e das possibilidades de Lula. 

Entre outras lacunas, entendemos que é urgente discutir um marco legal para reduzir as enormes desigualdades entre corporações e pessoas. Para nós, é impossível dissociar as maiores forças políticas do século XXI dos maiores problemas sociais, econômicos e existenciais dos nossos tempos. 

Temos convicção que há uma diferença imensa, incomparável, entre Lula e Bolsonaro. Os dois governos de Lula (2003 a 2010) implementaram uma série de políticas públicas que melhoraram a vida dos mais pobres, mesmo tendo adotado a chamada política do “ganha ganha”, ou seja, beneficiando tanto os grandes empresários, mercado financeiro e agronegócio quanto a camada empobrecida da sociedade. 

Criou medidas emergenciais e de assistência social, como o Bolsa Família, política de valorização do salário mínimo, abriu postos de trabalho e criou programas para produção de alimentos, como o programa de cisternas e o PAA. Implementou ainda os pontos de cultura, iniciando uma política de descentralização do investimento cultural e criou novas universidades. 

Baseados na ciência e em centenas de evidências acumuladas enquanto jornalistas, consideramos que a agenda para o futuro passa por repensar a maneira como o sistema econômico está estruturado — uma agenda na qual o presidente da República e o Congresso podem exercer um importante papel. 

Para voltarmos a ter esperança de um futuro melhor, é preciso derrotar Jair Bolsonaro. E eleger Lula. Defendemos o voto em Lula no primeiro turno porque há uma necessidade urgente de fortalecer a única candidatura com viabilidade de fazer oposição ao projeto de extrema direita de Bolsonaro. 

Isso não significa que acreditamos que se deva assinar um cheque em branco para Lula. Não. A nossa cobertura será crítica também a ele, a possíveis problemas de seu programa eleitoral, de sua campanha, de suas alianças e de seu passado. Iremos cumprir com a missão do jornalismo de fiscalizar os poderes, denunciar abusos, violações a direitos humanos e fundamentais. 

Também sabemos que um possível governo de Lula em 2023 terá ainda mais limitações que os governos de 2003 a 2010, já que as políticas sociais feitas nos dois mandatos contaram com uma situação econômica mundial favorável. E também porque será um governo de composição mais conservadora, sinalizada pela escolha de Geraldo Alckmin como vice na chapa. 

Por isso, para nós, a limitada eleição de 2022 é uma oportunidade de descolonizar o imaginário. De entender que a participação política não se encerra nas urnas, e nem começa nelas. De entender que, antes de agirmos, precisamos recuperar a capacidade de imaginar outro mundo possível. Algo que nos foi tirado ao longo de décadas de tolhimento da atuação social e de construção da política como espaço proibido, sujo e repulsivo. 

Todas as organizações de jornalismo que assinam este editorial têm diferentes posições políticas, mas somos redações que sonham, que acreditam na utopia. Quem tem fome, não consegue sonhar. Hoje, o Brasil está com fome. O Brasil de Bolsonaro é um país com fome. 

Queremos ter o “direito de sonhar”, como disse Eduardo Galeano.  E como disse Davi Kopenawa, é por meio dos sonhos que se faz política. 

Que a gente possa começar 2023 com um horizonte de luta, cobrança e resistência. 

Assinam este editorial: