Entrevista: Carne Doce traz o feminismo de Princesa ao Recife

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“Tem gente que se sente mais confortável escrevendo sobre amor, de uma forma mais poética, ou surreal, mas no meu caso funciona melhor quando eu começo a pensar mais no meu ser político”, diz Salma Jô

A receita é a seguinte: uma voz feminina marcante, arranjos bem cuidados e composições políticas a gosto. Assim é Carne Doce, banda goiana que soa como um prato exótico no cenário musical atual e que é um dos destaques da cena independente BR. O grupo se apresenta pela segunda vez no Recife nesta quinta-feira (28) e agora traz Princesa, disco lançado em 2016. O show acontece às 20h na Rouge Creperia, em Casa Forte e faz parte das atividades do festival No Ar Coquetel Molotov 2017.

Formada originalmente pelo casal Salma Jô (vocal) e Macloys Aquino (guitarra), o grupo conta também com os músicos João Victor Santana (guitarra e sintetizador), Ricardo Machado (bateria) e Anderson Maia (baixo). Juntos desde 2013, o quinteto já lançou dois discos: o Carne Doce (2014) e Princesa (2016), que traz uma banda muito mais madura e confiante.

Um dos destaques do Princesa são as composições que exaltam o protagonismo feminino e a igualdade de gênero. Nos trabalhos anteriores do grupo, temas como racismo e sexualidade já faziam parte do setlist, mas desta vez o álbum ganhou tom feminista mais incisivo. Todas as letras do disco foram escritas por Salma, e é possível perceber como ela se sente à vontade escancarando o machismo presente, muitas vezes em detalhes, na vida das mulheres.

Exemplo disso foi o primeiro clipe pra divulgar o disco, da música “Artemísia”, uma das mais emblemáticas do álbum, na qual Salma fala abertamente sobre a experiência do aborto. “Não vai nascer / porque eu não quero / porque eu não quero e basta eu não querer”, diz a canção. A música “Falo” também virou clipe e faz uma forte crítica ao machismo, denunciando abusos quase que imperceptíveis para muitos, como o Gaslighting e diversas outras formas de silenciamentos sofridos pela mulher.

O engraçado é que, segundo Salma, a intenção nunca foi de criar um álbum “feminista”, mas as canções foram surgindo e o debate acabou tomando conta de todas as composições. Numa breve conversa que tivemos, ela falou um pouquinho sobre a evolução da banda, sobre suas inspirações e como o álbum se tornou tão político. Confira:

Há diferenças notáveis entre o Carne Doce e o Princesa, me fala um pouco sobre esse processo
O primeiro álbum era de uma banda que tinha acabado de se formar, então a gente ainda não era tão entrosado, e no Princesa a gente já tá mais entrosado, mais seguro, mais maduro. Os arranjos estão mais bonitos, mais elaborados, inclusive as músicas estão mais longas para dar mais espaços a esses arranjos e acho que no geral é uma maturidade, um aperfeiçoamento. Acho que minhas letras também ficaram mais lapidadas, de certa forma. Eu acho que esse álbum é mais consciente mesmo.

Eu também percebo que o segundo álbum tem um posicionamento político bem forte, assim como o primeiro, só que dessa vez parece mais nítido em todas as composições. É isso mesmo?
Eu já falava de política no primeiro álbum, mas no caso de Princesa, a questão política ficou mais ligada ao feminino, a questões de gênero e aí teve um “tema”, um conceito mais geral para esse segundo disco mesmo. E isso nem foi pensado logo de começo, não foi pensado para ser um disco que falasse somente disso, mas acabou que por causa de umas músicas mais fortes, o feminino e o feminismo acabaram virando o tema do álbum.

E como se dá e se deu essa tua escolha por composições mais políticas?
Eu escrevo sobre temas políticos porque são temas que me instigam mesmo, que eu acho interessante, sabe? E que me inspiram para criar, assim, para mim é mais confortável. Tem gente que se sente mais confortável escrevendo sobre amor, de uma forma mais poética, ou mais surreal, ou fantasiosa, mas no meu caso funciona melhor quando eu começo a pensar mais no meu ser político no mundo, no meu jeito de pensar e agir, e dos meus colegas e sei lá. No que eles chamam de “microfísica do poder”, esses termos assim. [risos].

Ainda falando sobre a força das mulheres, no universo da música nacional e internacional, que mulheres te inspiram?
Agora eu tenho escutado muito, de novo, a Hiatus Kaiyote, que tem uma cantora incrível, ela é fabulosa, ela é uma das melhores hoje em dia no mundo. E aqui do brasil eu tenho escutado muito a Luiza Lian, que eu gosto muito do disco novo dela e gosto muito dela como cantora também. Ah! Eu queria citar também a Juliana Strassacapa, da Francisco El Hombre, que eles acabaram de receber uma indicação ao Grammy pela música que ela escreveu, a “Triste”, louca ou má, que eu inclusive até fiz uma participaçãozinha cantando junto.

E tem os clipes, né? Eu queria de citar aqui especialmente o “Falo”, que há um padre todo sujo de leite. Me conta um pouquinho sobre esse clipe, há algum diálogo com a música Vaca Profana, de Caetano Veloso?
Ah, a gente não tinha pensado especificamente nisso. Nessa questão do leite na cara, a gente pensou muito de que forma os simbolismos ali podiam deixar aquele momento mais assustador e mais esquisito e mais próximo de um grande pesadelo. Então foi essa ideia [risos]. Mas é engraçado você ter falado do padre, porque isso foi uma questão que eu tentei discutir com os diretores que eu não queria que fosse um padre, eu dizia pra eles que devia ser um homem mais comum, um homem que pudesse ter família, ter esposa, mais mundano. Com o padre dá uma ideia muito de religião [risos].

E como tão as expectativas para tocar aqui no Recife depois de quase dois anos e com um álbum totalmente novo?
A gente já queria voltar há muito tempo. Eu acho que tem algumas pessoas bem interessadas aí no nosso show, que naquela época conheceram o disco e gostaram dele, e agora a gente tá ansioso para levar o Princesa aí no Recife. A nossa experiência no Coquetel Molotov já tinha sido muito boa e a gente quer sentir como que é nossa situação em Recife e acho que vai ser bem bom. Acho que a gente vai impressionar, porque da primeira vez que a gente foi, a gente ainda era meio inexperiente e depois disso a gente já tocou bastante, já teve muita experiência de palco, palcos grandes, palcos pequenos, a gente já viajou bastante também. Acho que a gente vai convencer as pessoas aí [risos].

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Fotos: Divulgação.

Serviço
Carne Doce no Recife
Local: Creperia Rouge – Praça de Casa Forte
Horário: 20h
Ingressos: https://goo.gl/pHCujU

*Foto de abertura por Fernando Galasi via TNB.