Entrevista: Catarina Dee Jah

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Divulgação

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CATARINA DEE JAH TEM ALGO A DIZER
Mulher Cromaqui traz ideias da artista sobre feminismo, cena local e cultura pop, tudo com bom humor

Por Paulo Floro
Da Revista O Grito!

Catarina Dee Jah lançou seu primeiro disco, Mulher Cromaqui, uma tiração de onda com o atual estado das coisas na cultura pop brasileira. “É um trocadilho e também uma ironia com toda essa exaltação e frenesi com as mulheres frutas. As aberrações do mundo onde tudo é manipulável e efêmero”. Cria de uma Olinda efervescente (é filha dos artistas plásticos Isa do Amparo e Humberto Magno), ela vem labutando na cena há alguns anos, primeiro como DJ, depois como cantora. Após fazer sua estreia em palcos importantes em 2008, como o No Ar Coquetel Molotov e o Rec Beat, no Carnaval, Catarina precisou de um tempo para maturar as ideias.

A espera valeu a pena. Ao esfriar o hype em torno de si, Catarina conseguiu processar todas as suas referências, mostrou mais domínio da própria voz e lançou um disco divertido, misturando brega, funk, punk, mas também bastante crítico. Em Mulher Cromaqui vemos uma artista consciente das mudanças em sua cidade, feminista, mas tudo sem perder o bom humor. Conversamos com ela sobre esse seu primeiro trabalho, que foi disponibilizado para download em seu site.

Desde seus primeiros shows como cantora (No Ar Coquetel Molotov e Rec Beat) até hoje, demorou um certo tempo para sair este disco de estreia. O que aconteceu nesse período?
Comecei meio na tora. Depois do Coquetel Molotov e do Rec-Beat lançamos o EP nas pressas, a repercussão foi ótima, deu pra fazer turnê e também gerou muita mídia espontânea. Tentamos diversos editais, ao todo 7, e não rolou nada. Decidi desenvolver melhor as músicas e ralar fazendo mais shows para maturar. Queria lançar um disco coerente e acabei fazendo o caminho inverso do mercado atual.

Para baratear custos muitas vezes viajava sozinha e montava a banda com músicos amigos disponíveis, criando assim o conceito dos “Radicais livres” uma espécie de milícia musical. Dessas formações variadas criei traquejo e bagagem. Outra coisa que me incomoda até hoje é entrar em estúdio para gravar voz, acho uma tortura. Gosto mais de cantar ao vivo e improvisar. Todos esses fatores, fora as dificuldades financeiras, contribuíram para essa demora, que na minha opinião foi extremamente necessária.

Ensaio feito na caixa d'água da Cidade Alta: Catarina-Aranha (Reprodução via Facebook)
Ensaio feito na caixa d’água da Cidade Alta: Catarina-Aranha (Marília Morais via Facebook)

Conta mais sobre o disco. Quais foram suas ideias para as faixas e por que “Mulher Cromaqui”?
O disco é todo autoral, pensamos em gravar o “Melô do Pica-Pau” da Vício Louco e também o medley do Garotos Podres, mas além das dificuldades financeiras achei importante que fosse um disco autoral [N.E.: as duas faixas citadas ficaram famosas em shows de Catarina]. Também resolvi relançar as faixas do EP com arranjos e produção melhor. O disco fala das minhas experiências como mulher, observação da noite, feminismo bem-humorado e passional.

O título Mulher Cromaqui é um trocadilho e também uma ironia com toda essa exaltação e frenesi com as mulheres frutas. As aberrações do mundo onde tudo é manipulável e efêmero. vamos usar muitos cromaquis móveis no meu primeiro clipe aqui em Olinda.

Todo mundo se acomodou com editais. Eu mesma perdi muito tempo, dinheiro e energia

Tem planos de shows ou uma turnê?
O nosso show já é bem profissa, mas agora estamos ensaiando para trazer os elementos novos do disco. Antes só rolava percussão e baterias eletrônicas. Vamos adicionar bateria pra coisa ficar mais orgânica, mas os beats treme-terra continuam.

Show de Catarina será mais orgânico (Divulgação)
Show de Catarina será mais orgânico (Divulgação)

Você criou um estilo próprio no seu trabalho como DJ. O que te instigou a se arriscar no microfone, ter uma banda, enfim, ser cantora?
Foi natural, desenvolvimento artístico mesmo. Antes eu só pesquisava música, colecionava discos e tocava em festas. Formar uma banda e criar uma obra foi desafiante e prazeroso.

Quando você apareceu como cantora e ganhou palcos importantes da cidade, houve certo hype com seu nome. Sentiu a pressão naquele momento?
Senti sim, achei que precisava trabalhar melhor a voz, resolvi tocar em tudo quanto é inferninho.

Aqui na minha rua em Olinda tem 17 casas fechadas o ano inteiro, que só abrem para camarote de empresas no carnaval, uma perda inestimável de valores

Quando te entrevistamos em 2008 você criticou pessoas que usavam o brega apenas para fazer chacota. Mudou o modo como produtores e públicos encaram o gênero?
Eu acho que piorou. Não me identifico muito com essa estética dos MCs de cabelo de calopsita, acho o discurso ruim e as bases chatas. Fora isso, vejo o fenômeno de festas-produto, não há um recorte cuidadoso, é simplesmente: você quer isso? Então toma! Ninguém gera conteúdo. Vejo coisas salutares como o trabalho desenvolvido pelo Stank com a galera do Vício Louco, mas no resto é a velha síndrome do exotique, do Safari cultural, da folclorização da cultura popular.

Falando sobre Recife agora, uma crítica feita nos dias de hoje é que não existe mais uma cena musical na cidade, já que não há lugares para tocar. O que acha do atual momento da cena independente do Recife?
Eu acho que não é só no Recife, é no Brasil todo. Todo mundo se acomodou com editais. Eu mesma perdi muito tempo, dinheiro e energia acreditando na lenda urbana do edital. Banquei meu disco com dinheiro dos cachês dos meus shows e das festas que promovo. Essa cidade tem uma demanda imensa de festas, shows e eventos, mas só vemos a iniciativa privada apostar em arenas. Pra mim é um retrocesso, é voltar a era do coliseu.

Que nomes interessantes da atual cena você indicaria para uma pessoa de fora ou que não acompanha as novidades daqui?
Amo a Academia da Berlinda, Matalanamão (pornô punk), Vocífera (banda de heavy Metal feminina), Buguinha Dub, os trabalhos de Claudio N, Zeca do Rolete, D. Cila do Côco, Erasto Vasconcelos, Dunas do Barato…

Hoje existe uma geração bastante participativa dos assuntos da cidade, como o OcupeEstelita. Você estava lá no primeiro Ocupe, cantando ao vivo. Que acha dos rumos que a cidade está tomando em relação ao futuro?
Estamos vivendo um momento importantíssimo de avaliação de valores. Uma era extremamente empresarial. Aqui na minha rua em Olinda tem 17 casas fechadas o ano inteiro, que só abrem para camarote de empresas no carnaval, isso representa uma perda inestimável de valores. O lucro sujo, imediatista e irresponsável. A internet e as redes sociais tem tido um papel maravilhoso no quesito mobilização, discussão e articulação. Não somos saudosistas. Muita coisa errada já foi feita, queremos uma cidade de verdade e que dê espaço e chance para todos. Não queremos uma cidade que vire as costas pra realidade.

Por fim, nos conte um pouco do seu começo como artista. Qual a lembrança mais remota de querer trabalhar com música?
As lembranças mais preciosas foram das festas que Chico Science, HD mabuse, Jorge Du Peixe e Renato L faziam nos anos 90. Foi com eles e principalmente com Chico que me irradiei. Ver Chico empolgado dançando e discotecando os sons que trazia das turnês para mim foi essencial.

Ouça o disco via Soundcloud e faça o download.

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