Entrevista | Fióti, do Lab Fantasma: “Existe uma indústria do rap, querendo ou não”

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Fioti, irmão de Emicida: entendendo música como negócio. (Divulgação).
Fioti, irmão de Emicida: entendendo música como negócio. (Divulgação).
Fioti, irmão de Emicida: entendendo música como negócio. (Divulgação).

Por Jarmeson de Lima

Jovens empreendedores focados no mundo da música, Emicida e Evandro Fióti, criadores do selo e produtora Laboratório Fantasma, revolucionaram a forma de distribuição e divulgação de música nos últimos anos no universo do hip hop nacional. Com apenas 25 anos de idade, Evandro Roque de Oliveira, conhecido como Fioti, é seguramente o nome por trás do sucesso de Emicida, levando sua música a importantes palcos no Brasil e no mundo.

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Durante o Porto Musical, Fióti e Emicida estarão juntos numa conferência especial no dia 07 de fevereiro no Teatro Apolo para discutir a respeito do case de sucesso que é o Laboratório Fantasma. Nesta entrevista, Fióti reflete acerca da trajetória da produtora que montou de maneira informal há pouco mais de seis anos e o nível de importância que o Rap adquiriu no país hoje em dia.

Como está sendo o trabalho da Laboratório Fantasma na gestão da carreira de Emicida?
O mercado no qual estamos inseridos no Brasil, que é o do Rap, ainda é pouco profissional. A maioria das pessoas que fazem, trabalham e se dedicam a seguir carreira no Rap são jovens oriundos das periferias que acreditam na causa e primeiro precisam existir para depois construir algo relevante. Isso faz com que a gente tenha que aprender mais na prática as coisas, e isso leva tempo e força de vontade. O Laboratório Fantasma pode se dizer que foi um marco crucial na história da música contemporânea independente no Brasil. Fomos entendendo e fazendo as coisas e expandindo aos poucos. Corrigindo sempre os erros e estudando para errar o mínimo possível, e ser autossuficiente sempre. Dessa maneira, o Emicida foi o carro-chefe dentro do Laboratório Fantasma. Onde ele vai, ele divulga. Então a marca que começou fraca em 2009, com o crescimento do Emicida, tornou-se uma das mais representativas quando se fala do segmento Hip Hop na America Latina.

Por que optaram pela autogestão no Laboratório Fantasma? Vocês já pensaram no trabalho de Emicida em uma grande gravadora?
Num momento em que a indústria inteira estava em queda, nós dois estávamos trabalhando de forma independente vendendo Cds a R$ 2,00 em shows. A indústria brasileira não entende o que a gente é, o que a gente faz e como a gente sobrevive! Logo, nós mesmos precisamos focar e fazer. Quantas produtoras e agências de Booking que trabalham com grandes artistas de Rap no Brasil? Que faz o que a gente faz, só conheço a nossa. De uns anos para cá pipocaram várias, muitas inspiradas no que conseguimos trilhar, e é disso que estamos falando, de criar nosso mercado. Pra vender Rap você precisa entender de Rap, e parece piada, mas no mercado poucas pessoas sabem mesmo a fundo o que é o Rap. Por isso a gente arregaçou as mangas e fez, servindo de inspiração tanto dentro do segmento como também para produtoras externas que começaram a olhar com mais carinho e cautela para o que vem sendo produzido aqui. Isso é massa!

O rap ainda é pouco profissional no Brasil

Antes mesmo de lançar o primeiro disco oficial, já tínhamos propostas de Gravadoras majors. Mas agora, seis anos depois, já circulei e conversei com todas elas em algum momento. Ainda assim não encontramos um formato adequado e uma entrega por parte deles que fizesse jus ao que construímos ou que acreditasse nisso para nos levar mais longe. A gente sabe que no mainstream isso não é mais tão relevante. Respeito todos os artistas que conseguem chegar a um acordo para levar o trabalho adiante desta maneira, mas para o Emicida e para o Lab Fantasma, não acredito que esse fosse o tamanho. Se a gente conseguir um dia dialogar e eles entenderem a beleza e a importância do que construímos, talvez cheguemos a um acordo.

Em sua visão, como está o mercado do Rap no país atualmente e o que precisaria melhorar?
Precisamos crescer e nos profissionalizar. Acredito que ainda somos pequenos perante o mercado. A gente precisa se profissionalizar e encarar o mercado como mercado, sem desculpas ou delongas. Existe uma indústria e o Rap querendo ou não, com ideologia ou não, estará dentro dela e precisa se organizar para dar passos largos e contar sua própria história. Chega dos senhores de engenho mandando na nossa arte! Já foi assim com o samba, com o pagode e com o axé. Nossa música vem pra transformar vidas e não vai ser passageira. Hoje temos diversidade dentro do mercado, e o Rap ainda caminha pra se firmar entre um gênero realmente grande no Brasil. Para isso, precisamos atingir números também. Se for de vidas salvas, já temos milhares. Agora, com relação a vendas, número de shows e de crescimento de mercado, ainda existe um tabu e diversos fatores trabalham contra, mas a gente chega lá. Sem pressa e com FOCO.

Num momento em que a indústria inteira estava em queda, nós dois estávamos trabalhando de forma independente vendendo Cds a R$ 2,00 em shows

Desde o primeiro show internacional de Emicida até hoje, quais as conquistas que tiveram no exterior
Cada passo é uma grande conquista e uma vitória imensa. Nosso primeiro show fora do país foi simplesmente no Coachella, um dos maiores festivais de música do mundo! Lá fora enfrentamos uma dificuldade imensa por cantar em português, mas na hora do show, as pessoas se encantam pela presença de palco do Emicida e pela musicalidade dele. Depois, quando elas vão procurar pelo nosso trabalho, ficam fissuradas e viram fãs. Partimos do zero lá, assim como saímos daqui. Em 2014, nossa tour na Europa foi incrível em todos os sentidos. Pela primeira vez não tivemos prejuízos e fechamos o caixa no limite do azul! O público aumentou, tocamos em festivais relevantes e importantes como Roskilde e SuperBockSuperRock. A trajetória é longa e difícil, mas é mais um sonho do qual a gente vai desbravando e colhendo os frutos.

A exportação de talentos musicais brasileiros para o mercado estrangeiro ainda parece ser um pouco tímida. Pra vocês, quais seriam as medidas mais eficazes para promover a música brasileira no mercado internacional?
Acho que precisamos de maior investimento do Ministério da Cultura. Só editais de passagens não adianta. São os artistas que anualmente levam a cultura brasileira e atraem olhares para o que de novo vem sendo produzido no Brasil. Já teve gringa que viu nosso show e depois mandou e-mail encantada dizendo que tinha conhecido outro Brasil, e no fim veio estudar aqui. Ou seja, atrai público ao divulgar a música contemporânea do nosso país. A indústria lá ainda parou na época da Tropicália. A gente vai mostrando que não. O Brasil mudou, a Bossa Nova é foda, mas olha aqui o Hip Hop. Olha aqui Emicida e olha aqui Criolo. Também têm artistas raçudos como Metá Metá, Bixiga 70, Tulipa Ruiz… tudo independente, que ganha grana aqui e investe lá fora para exportar nossa música. Isso é do caramba! Se a gente faz isso sem incentivo, imagina com um orçamentozinho anual o que seria a bomba da música contemporânea brasileira no exterior. A gente não pede nada demais, só queremos trabalhar e mostrar como o que vem sendo produzido aqui é novo, autoral, diferente e bonito.

O Porto Musical está chegando à sétima edição. É uma convenção que promove encontros entre profissionais de diversas partes do mundo e mostra cases interessantes de cooperação internacional. De que forma você enxerga esses eventos e no que eles podem contribuir para replicar novos projetos?
São eventos importantes para a cadeia da música. Contratantes internacionais vem para cá e a indústria nacional se mobiliza. É o momento em que conseguimos parar todos e conversar nem que seja tomando um cafézinho no lobby do hotel sobre qual o rumo que a nossa música está tomando a nível de mercado, além de trocar experiências. A gente nunca sabe de tudo e sem parcerias ninguém vai longe. Estou feliz que neste ano vou poder mostrar um pouco da nossa história no Porto Musical. Isso nunca passou pela minha cabeça quando montamos o Laboratório Fantasma. Ser um case dentro da música brasileira como uma experiência inovadora mostra que estamos no caminho certo. Além de contribuir com nossa experiência faremos novos parceiros que vão entrar no barco e desbravar o mar junto.

PORTO MUSICAL
SÁBADO – 07/Fev – TEATRO APOLO

17h00 às 18h00 – “A experiência do Laboratório Fantasma” – Com Emicida e Evandro Fióti (SP)
Entrada para inscritos e participantes do evento