Entrevista com Johnny Hooker, atração do Rec-Beat: “Dentro desse país conservador, autoritário, provinciano, fascista existe um outro país libertário e inspirador”

johnny Felipe Rodrigues
Foto de Felipe Rodrigues/Divulgação.

“Dentro desse país conservador, autoritário, provinciano, fascista existe um outro país libertário e inspirador, declara Johnny Hooker, uma das principais atrações do Rec-Beat, que tem início neste sábado (22) e é considerado um dos principais festivais de música do Brasil, sendo realizado todo ano durante o Carnaval em Recife.

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Johnny Hooker é o nome artístico de John Vicente Donovan, cantor, compositor e ator pernambucano. Ele é um dos artistas que expõem sua identidade de gênero ou orientação sexual, questionando papeis na sociedade e os mais diversos temas. Tudo através da arte. Ele agora está se preparando para seu terceiro álbum e adianta: “inspirado no livro “Orgia – Diários de Túlio Carella”.

O artista tem uma história de longas datas com o festival, sendo esta a sua terceira participação: ele já se apresentou no evento em 2016 e em 2018. Seu primeiro disco solo, Eu Vou Fazer uma Macumba pra Te Amarrar, Maldito!, foi bem recebido por público e crítica especializada. Tendo David Bowie, Madonna e Caetano Veloso como principais referências, Johnny Hooker aposta no visual e na postura, misto de glam rock, pop e tropicalismo. Seus shows costumam ter muita troca de figurino, maquiagem e performance, além de muita entrega e catarse. Em 2011, o artista recebeu o prêmio de revelação no Prêmio Multishow de Música Brasileira.

Em 2017, Hooker lançou o segundo álbum, intitulado Coração, disco que tem a canção “Flutua” como primeira música de trabalho, em parceria com Liniker. À Revista O Grito!, o músico pernambucano conta um pouco da sua trajetória, dos planos para o futuro e, analisa a conjuntura brasileira.

Sua música tem um tom libertário muito forte, inspirador. E trabalha questões de gênero e sexualidade que soam provocadores no Brasil cada vez mais conservador de hoje. O que te inspira?
Acho que o que me inspira é justamente o Brasil. Dentro desse país conservador, autoritário, provinciano, fascista existe um outro país libertário e inspirador. E a riqueza e multiplicidade da nossa cultura está aí pra provar isso. Claro que tendo nascido e sido criado na cidade do Recife cuja própria cultura é anárquica, ousada e tem essa identidade forte também impulsionou isso. Acho que pra mim nunca foi uma questão de escolha, faz parte da minha personalidade ser questionador, provocar. Acredito que arte tem a ver com pavimentar esse caminho de liberdade, de identidade.

Adoro o jeito que você mistura ritmos bem populares como o brega, o axé, forró e o frevo com um pop bem contemporâneo. Pode contar um pouco desse seu processo de criação?
Pra mim esses ritmos que você citou são a definição da nossa música pop. Tanto que nos últimos anos, depois da fase do “rock”, o pop radiofônico nacional foi buscar inspiração bebendo nesses ritmos. Houve uma redescoberta da música “nacional”/“regional” pelo mainstream. A abrangência de fenômenos como o techno brega, o funk e agora o brega funk são de resistência cultural mas também de uma política de valorização da nossa identidade e da nossa diversidade que infelizmente foi interrompida. Tendo morado em Recife até os 22 anos eu pude absorver muito dessa cultura popular diretamente por que no Nordeste você já nasce ouvindo brega, maracatu, axé, isso vira parte de quem você é.

A música no Brasil sempre foi um terreno de resistência e hoje vemos outras bichas, transexuais, drags e diferentes corpos que se colocam nesse enfrentamento. Como você enxerga este momento?  
A música sempre veio puxando esse país pra frente. Desde Chiquinha Gonzaga, passando pelo Samba, Tropicália e essa nova geração absolutamente incrível que está aí. Através da música, artistas de vários tempos diferentes esfregaram questões sobre desigualdade, gênero, escravidão, ditadura militar e forçaram esse país a discutir suas mazelas, a se encarar no espelho. Assim como essa nova geração que está aí na linha de frente das questões do nosso tempo. Que a grande maioria dos nossos artistas mais populares seja LGBTQ no país que mais mata LGBTQs do mundo não é coincidência. É por que existe um outro Brasil dentro desse Brasil das trevas, cujo coração está batendo e nos lembrando que essa noite também vai passar.

Você tem uma relação antiga com o Festival Rec-Beat. Como é ser um dos destaques nesta edição de 25 anos?
O Rec-Beat permeia a história da minha vida, lembro de assistir grandes shows no festival quando criança e adolescente. Foi depois do show no festival de 2016 que fui chamado para o Rock in Rio pelo Zé Ricardo e essa exposição abriu as portas do meu trabalho pro mundo. Já foram duas turnês internacionais e mais de nove países visitados. Essa é a importância de se apostar em talentos locais. Além disso, Gutie sempre faz uma curadoria impecável incluindo também nomes incríveis da América Latina. É um dos melhores festivais do Brasil há muito tempo na minha opinião.