Entrevista: Franco de Rosa

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Um dos principais nomes quando se fala em quadrinhos no Brasil, Franco de Rosa esteve à frente em diversas conquistas das artes sequenciais no país. Confira na entrevista abaixo uma conversa franca com a Revista O Grito! sobre mercado editorial, novos autores e o futuro da HQ brazuca.
Por Matheus Moura

QUEM É FRANCO DE ROSA?
Sou um paulistano nascido no bairro da Água Rasa, que cresceu em Bauru e Norte do Paraná e passou a adolescência no Jaçanã e no Centro da cidade de São Paulo. Estudei desenho publicitário, jornalismo e artes gráficas. Sou filho de um jogador de futebol e de uma professora. Tenho quatro irmãos. Casei-me duas vezes. Tenho quatro filhos e um neto.

QUANDO E COMO COMEÇOU O SEU ENVOLVIMENTO COM HQS?
Desde muito miúdo minha mãe lia gibis para mim. Lembro-me de historinhas do Banzé e Luluzinha. Depois eu fui sozinho até uma banca e comprei um Pepe Legal. Sem influencias da TV. Pois não conhecia o personagem. Mas eu sempre gostei de cavalos. Depois, passei a ler uma coleção de história de heróis da mitologia, bíblicos e a história da humanidade em quadrinhos e coisas do gênero que foram publicadas em uma enciclopédia chamada Trópico. Só depois passei a colecionar gibis como Tarzan e Magnus. Foi quando descobri o herói Tarun, criado por Paulo Fukue. Foi a primeira vez que vi que uma história em quadrinhos que era assinada por um autor. E que era um gibi totalmente feito no Brasil, como enfatizava na revista seu editor Minami Keizi. Então fiz alguns trabalhos escolares tendo os gibis da Editora Edrel (a editora de Tarun) como guia. Depois passei a colecionar coisas como Judoka e tudo quanto era herói brasileiro que aparecesse em minha frente. E depois juntando também os gibis brasileiros de terror. Anos depois, já atuando na área, conheci Paulo Fukue, Minami Keizi e Claudio Seto. Três autores dos autores da Edrel. Sendo que Seto tornou-se meu grande amigo e mentor.

VOCÊ É UM DOS PRINCIPAIS EDITORES DE HQS DO BRASIL, TENDO JÁ TRABALHADO COM VÁRIAS EDITORAS DIFERENTES. FALE UM POUCO SOBRE ELAS E OS TÍTULOS QUE EDITAVA…
Comecei a editar para a EBAL, em 1978/79. Como editor independente. Aliás, como quase sempre atuei. Eu estava começando profissionalmente como roteirista e artista de HQ. Eu fazia o Praça Atrapalhado para a Editora Saber, desenhava o Maloca, escrito pelo Paulo Paiva, para a Saber, também, fazia as tiras Chucrutz (de humor) para jornais, e também dividia, alternadamente, as tiras de aventuras do cangaceiro Capitão Caatinga para o extinto jornal Noticias Populares de São Paulo (que eram reapresentadas no jornal Diário, de Campinas).

Eu publicava em um jornal escolar no Jaçanã. E também fanzines com os amigos que freqüentavam a Livraria Gibi, no Centro da cidade. Daí, em um dia, fizemos uma excursão de um único dia a EBAL. Como o passeio foi combinado com uns três meses de antecedência, eu consegui reunir com os colegas que faziam tiras e outros amigos cartunistas que vínhamos contatando naquele período de aprendizado, e levei uma edição pronta da revista de humor KLIK, para mostrar ao Aizen.

A Klik já existia. Tinha sido criada pelo Estúdio CRC do Rio, que era formado pelo Carlos Chagas, Roberto Azevedo e Claudio Almeida. Eles deixaram a Klik para fazer a Crazy para a Bloch e depois unirem-se ao Ota na Mad. Quando o CRC interrompeu a produção da KLIK, a revista foi continuada por uma equipe paulistana encabeçada por Chico Osório, Negreiros, Claudio, Munhoz, Farias e Paulo Paiva. Nesta fase a revista foi editada por Wagner Augusto, de forma independente. Eu cheguei a participar do último numero da KLIK do Wagner.

Acontece que eu tinha muito contato com o Wagner. Ele é um pouco mais velho que eu e me ensinou muito sobre o mercado editorial. Ele começou garoto a freqüentar as editoras do bairro da Mooca em São Paulo. Ele fazia cartuns anonimamente para a  Jotaesse, Taika, Bentivegna, Edrel. Conhecia todo mundo. Até os veteranos da Júpiter, Continental, Outubro, Penteado, FTD, Graúna, M&C, e quem mais tivesse se aventurado a publicar quadrinhos. Acabei por fazer a mesma faculdade que ele até. A Alcântara Machado, que quando entrei virou FIAM. Onde também estudava o Negreiros.

Gosto de falar desse comecinho porque a gente aprende muito com quem se relaciona nesta fase. Faço uma analogia com médicos, por exemplo. Que são profissionais com os quais convivo muito. Tenho muitos parentes no ramo. Eles sempre tem muito pra falar de seu período acadêmico. E como aprendi edição de arte na prática e não na faculdade, este inicio com os cartunistas e escritores foi muito rico.

E ao tomar contato com tantos autores de diferentes origens, que colaboravam com distintas empresas eu fui contatando cada vez mais editoras. No entanto, devido a minha total indisciplina eu nunca consegui me alinhar as empresas já existentes. Eu trabalhei um pouco em propaganda e TV. Mas preferi me fixar com autor e editor independente.

Editei para a EBAL a Klik, participei da Gripho e também realizei um especial da Cinemim sobre 007 O Foguete da Morte (que foi parcialmente rodado no Brasil), produzi o Zorro em parceria com o Seabra e apresentamos outros projetos que não foram aprovados. Aizen me deu o maior pito quando descobriu que eu criava quadrinhos eróticos para a Grafipar. Ele me chamou pra um particular e murmurou; “Eu não trouxe as histórias em quadrinhos para o Brasil para serem transformadas nisso. É uma imoralidade. Histórias em quadrinhos devem ser feitas para crianças.”

Quando me mudei para Curitiba, para trabalhar como autor para a Grafipar, ainda fiquei produzindo alguns Zorros Capa-e-espada. Mas a revista deixou de circular poucos meses depois. E na Grafipar eu só fui me dedicar a edição dois anos depois. Isso depois de ter editado e produzido três edições do tablóide Vaca Amarela, que era um clone da Klik. Porém no formato do Pasquim, o grande veículo independente na época. Mas ninguém leu o Vaca Amarela. Por ser em formato tablóide e ter circulado justamente no trimestre em que as bancas de São Paulo e Rio eram frequentemente atacadas por ativistas de direita. Quando algumas delas até foram queimadas por exporem os jornais tablóides como Movimento, Opinião, Pasquim e outros…A Vaca foi pro brejo. Fechou.

Eu fiquei em Curitiba até 1983, ano em que uma crise econômica internacional levou ao encerramento várias editoras. Inclusive a Grafipar e a Vecchi. Os grandes seleiros de quadrinhistas brasileiros. Logo, em 1984 eu estava dividindo um estúdio de produção com o Seabra no Centro de São Paulo quando abrimos espaço para Paulo Paiva e Rivaldo Chinem instalarem a Editora Maciota. Logo eu estava editando pela Maciota o As Aventuras do Zorro, Close Quadrinhos Eróticos e Mundo do Terror.

Foi com na Maciota que eu me tornei editor. A empresa logo mudou de nome para Press Editorial. Mas continuou a estampar o selo Maciota em sua produção erótica. Por dois anos foi um sucesso. Mas eu e Paiva saímos do empreendimento por discordamos do sócio. Paulo Paiva, como excelente autor de piadas e cartuns em poucos meses estava publicando suas obras em importantes revistas como International e Placar. E logo iniciou sua parceria com Ary Toledo, editando dezenas de seus livros de piadas, encontrando na Nova Sampa a editora ideal para seus novos investimentos.

Seguindo a trilha de meu amigo Paiva eu fui para a Nova Sampa, onde nos primeiros anos me dediquei aos quadrinhos. Mas depois passei a produzir edições de vários estilos. A princípio só de entretenimento como revistas posteres de ídolos, depois passando para edições de culinária, femininas e todos os gêneros possíveis. Mas foi produzindo as revistas de atividades da franquia Cavaleiros do Zodíaco que me dei melhor.

Mas eu acho que meu período anterior a febre de Cavaleiros foi a mais criativa e proveitosa. É a que eu mais gosto.

Em 1997, a Nova Sampa entrou em crise. Novamente o mercado editorial sofria mudanças. Muitas editoras deixaram de produzir. Então eu me uni ao Dorival Vitor Lopes e ao Hélcio de Carvalho na criação da Mythos Editora. Foi um início bonito. Eu criei o logotipo da empresa. E desenhei a mão aquele eme incendiário. Fui feliz naquela peça. E um contato que eu havia feito com um agente literário possibilitou que a Mythos lançasse a Starlog Brasil. Uma revista que não dava grandes lucros mas nos ensinou a atuar com um produto importado. Seguir regras internacionais. Conhecer os parâmetros de uma publicação de sucesso. Conceituada. E que possibilitou a abertura de algumas portas.

Na Mythos pudemos fazer o Oscarzinho. Onde escrevi muitas das historinhas e pude aplicar um tipo de narrativa em revista infantil fora dos padrões da “escola Abril” e do Maurício de Souza, em vigor então. Porém um sério problema cardíaco me levou a morar fora de São Paulo. E eu não conseguia mais atuar na Mythos de longe.

Foi quando eu, seguindo os passos de meu velho amigo Paiva, fui até a Escala, onde ele estava novamente atuando como editor independente da área de humor.

E DEPOIS QUE CHEGOU A ESCALA, COMO FOI?
A Escala, possibilitou uma certa estabilidade e até mesmo parcerias. De certa forma dei continuidade a um estilo editorial que foi instituído pela Nova Sampa. A editora de onde nasceu a Escala. O Carlos Cazzamatta dono da Nova Sampa era sócio do Hercílio de Lorenzi da Escala. Nas duas editoras tive total liberdade de criação. Mas com o volume de trabalho crescendo só dá para atuar em uma delas por vez. Como me mudei para Vinhedo, no interior de São Paulo, montei um estúdio de produção local e me dei bem.

COM RELAÇÃO AOS ANOS DE 1980 E A PRIMEIRA DÉCADA DE 2000, QUAIS SERIAM AS PRINCIPAIS DIFERENÇAS MERCADOLÓGICAS? COMO AVALIA AS TENDÊNCIAS DE MERCADO HOJE?
São 20 anos de diferenças. Na década de 80 ainda não havia vídeo games e vídeos. Nem TV a cabo nem internet. Ou seja. Os gibis ainda eram um grande passatempo e um bom produto de entretenimento. As tiragens estavam em declínio mas ainda eram acima de 100 mil cópias, nas publicações infantis…Já na década de 90 os gibis perderam público para os games e vídeo…No ano 2000 com a internet e TV a cabo a garotada passou a ter mais opções de laser. Como uma célula, os gibis ainda perderam mais. A mídia gibi vai sempre diminuindo e se elitizando. E, como um produto cada vez mais elitizado, é sofisticado e só atende aos leitores que gostam de seu código de linguagem. O quadrinho é cada vez mais artístico.

SENDO EDITOR, NÃO SÓ DE HQS, O QUE ACHA DO MERCADO EDITORIAL NACIONAL?
O mercado sempre está aberto as novidades. E sempre consome produtos da moda. Como ocorre com os mangás hoje. Ou dezenas de publicações tratando de História. O mangá já está se solidificando e tornando-se um produto convencional. A nova onda são as versões de séries convencionais em linguagem \de mangá. O “mangaijin” como se dizia anos atras. O mangá estrangeiro ao japonês.

DEPOIS DA SAÍDA DA MYTHOS COMO FOI? CONTINUA COM PARTICIPAÇÃO NA EMPRESA?
Mudei-me para o interior de São Paulo. Fui trabalhar com revistas infantis. Não pretendia editar mais Tex, Marvel e coisas do gênero. Abracei uma produção que não deu certo. Voltei para a Mythos em 2006. Mas, novamente não consegui me adaptar ao estilo de trabalho da empresa. Creio que atuo melhor como produtor independente em meu estúdio.

POR ANOS VOCÊ, EM PARCERIA COM CARLOS MANN, ESTEVE A FRENTE DA EDITORA OPERA GRAPHICA. EM 2008 ELA ENCERROU AS ATIVIDADES. POR QUE ESSA DECISÃO TÃO REPENTINA?
A decisão não foi repentina. Nos últimos dois anos já havíamos deixado de ver o quadrinho como um caminho para nossos objetivos. Preferimos fechar a Opera, mas continuar com nossas produções editoriais em sistema de estúdio. Realizamos obras que nos dão mais satisfação e realização. Continuamos trabalhando juntos assim.

AINDA COM RELAÇÃO A OPERA, ELA INAUGUROU UM SISTEMA DIFERENTE DE DISTRIBUIÇÃO DE HQS, O HQ CLUB, SENDO ESTE FOCADO EM ATENDER AS LOJAS ESPECIALIZADAS NO SEGMENTO. ELE DEU CERTO? QUAL AVALIAÇÃO FAZ DO HQ CLUB?
O sistema deu tão certo que foi seguido por outras editoras. É só olhar como há mais pontos especializados em quadrinhos em todo o país. Não são muitos mais. Mas são crescentes. As livrarias também, cada vez mais, criam setores para as HQs. Nosso método de lançar álbuns. Assim como os métodos da Devir, foram imitados por grandes editoras.

DURANTE TODO O TEMPO DE EXISTÊNCIA DA OPERA GRAPHICA ELA BUSCOU PUBLICAR MATERIAIS NACIONAIS E ESTRANGEIROS QUE NÃO DESPERTAVAM GRANDE INTERESSE DAS OUTRAS CASAS EDITORIAIS. COMO SE DEU A DECISÃO DESSA LINHA EDITORIAL?
Não tínhamos muita opção – quanto aos trabalhos estrangeiros, por isso escolhemos os melhores dos alternativos- ou sobras. Quando aos brasileiros optamos pelos autores clássicos e o autores que nos procuraram.

QUAIS AS PRINCIPAIS LIÇÕES APRENDIDAS COM A OPERA GRAPHICA?
Editar com qualidade e originalidade. Ninguém nos tira o mérito da qualidade e da criatividade.

ATUALMENTE AINDA EDITA HQS?
Não.

ANDA ESCREVENDO ALGUMA COISA ATUALMENTE?
Faço roteiros para quadrinhos com freqüência. Ultimamente, todos para a gaveta. Não temos onde publicar. O trabalho de Chico Xavier em quadrinhos escrevi já faz dois anos.

CONTE-NOS UM POUCO DO PROCESSO DE CRIAÇÃO DA SUA NOVA HQ, A CHICO XAVIER EM QUADRINHOS… E O QUE O MOTIVOU A ESCREVER A BIOGRAFIA DE UM ESPÍRITA EM QUADRINHOS?
A biografia em quadrinhos do Chico Xavier foi um trabalho por encomenda. Eu já produzi quase uma dezena de revistas especiais sobre a vida deste grande médium. Inclusive a capa do álbum da Ediouro foi ilustrada por mim em 1986. Era para ser a capa de uma edição em quadrinhos, já naquela época. Mas o projeto não foi para frente. Assim como minha própria situação na Press. Eu saí da empresa juntamente com Paulo Paiva, seu fundador.

O álbum da Ediouro é foi realizado com bases nas dezenas de depoimentos sobre a vida de Chio Xavier disponíveis em muitos livros e revistas. Minha preocupação maior foi focar sua formação e os primeiros anos de vida. Quando faz contato com o espírito da mãe, ainda bem pequeno. E mostrar sua abnegação. Chico Xavier é uma criatura excepcional. Iluminada. Um monge. Boníssimo. Mas sofria muito. Até mesmo por doar tanta energia.

PELA SUA EXPERIÊNCIA, CONSEGUE TRAÇAR UM PERFIL DO LEITOR BRASILEIRO DE QUADRINHOS?
É como um consumidor qualquer. Gosta de preço bom e do que lhe satisfaça no momento.

APESAR DA DESATIVAÇÃO DA OPERA, ACREDITA SER VIÁVEL AINDA APOSTAR EM HQS NO BRASIL?
Sim. Sempre. Só que eu não quero trabalhar em uma estrutura como a da Opera atualmente. Já dei minha cota de colaboração. Eu e o Carlos Mann. Precisamos descansar um tempo.

O QUE RECOMENDA AO NOVOS QUADRINHISTAS QUE SURGEM A CADA DIA?
Estudem muito. Reunir-se em grupo e formar cooperativa é uma boa forma de conhecer o trabalho um do outro e ter força na divulgação. Todos os autores brasileiros saíram de movimentos. Na época das HQs históricas, nos anos 40, no terror dos gibis dos anos 50, na fase das tiras, nos anos 60, no underground dos anos 70, no erotismo do mesmo períodos, e assim por diante…Treinar muito. Tem que competir com séries e autores estabelecidos. Experimentar várias mídias. Não deixar de expor seus trabalhos. Hoje existe a internet. O melhor difusor de todos os tempos que ninguém jamais imaginou que fosse existir…Um veículo tão poderoso que torna um Alex Ross num mero peixinho de um cardume. Como ele brilha. Pode ser visto em destaque…

BOM, FRANCO, AGRADEÇO PELA ENTREVISTA E DEIXO AQUI O ESPAÇO PARA QUALQUER OUTRA CONSIDERAÇÃO QUE ACREDITE SER RELEVANTE. MUITO OBRIGADO.
Espero que todos procurem conhecer os autores do passado. Que não esqueçam grandes nomes. E procurem conhecer suas obras. Shimamoto, Getulio Delfin, Primmagio, Zalla, Colonnese, Gedeone, Lyrio Aragão, Isomar, Antonio Duarte, Péricles, Henfil, Canini …um universo fabuloso de criadores. Obrigado. Abraço