Entrevista: Há filmes importantes feitos fora dos ciclos de cinema em Pernambuco

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A pesquisadora Raquel do Monte (Divulgação)
Para Glauber Rocha, filme Aruanda iniciou nova fase no cinema brasileiro (Divulgação)
Para Glauber Rocha, filme Aruanda iniciou nova fase no cinema brasileiro (Divulgação)

FILMES FORA DOS CICLOS
Curso História do Cinema Pernambucano abre espaço para discutir a produção de filmes fora dos ciclos periódicos de realização

O cinema pernambucano é mais conhecido pelos ciclos de produção ocorridos na década de 1920 – o Ciclo do Recife – e o movimento superoitista dos anos 1970 ou Ciclo do Super 8. O curso História do Cinema Pernambucano vai, porém, também abrir espaço para mostrar outros acontecimentos cinematográficos que também foram significativos para o nosso panorama audiovisual.

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O segundo módulo do curso abordará exatamente esta produção meio esquecida apresentando trabalhos importantes como os curtas de Fernando Monteiro, o pioneirismo de Firmo Neto, a presença de Alberto Cavalcanti no Recife e a produção documentária patrocinada pelo então Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais. Para ministrá-lo a convidada é a doutoranda em Comunicação Raquel do Monte que tem desenvolvido trabalhos de pesquisa no campo do cinema. Ela bateu um papo com a Revista O Grito!

Existiu uma produção fílmica significativa em Pernambuco além do que foi produzido nos ciclos periódicos?
Sim, existe. Nos anos 1940 temos a experiência com o cinema sonoro em O Coelho Sai, de Firmo Neto, que representa um desejo de fazer cinema ante as intempéries econômicas e sociais e de se apropriar das novas tecnologias, anseios que parecem fazer parte de uma espécie do gene criativo dos realizadores no nosso Estado. Temos ainda os períodos de entre-ciclos, há produções importantes, como as apoiadas pelo Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais. A Cabra na Região Semi-Árida de Rucker Vieira e Aruanda do paraibano Linduarte Noronha, com fotografia de Rucker foram fundamentais para a História do Cinema Brasileiro. Glauber Rocha, um dos mentores do Cinema Novo, diz que o documentário de Noronha com sua imagem viva, montagem descontínua e incompletude inaugurava uma fase de renascimento do cinema brasileiro. E não podemos esquecer os nomes de Armando Laroche e Alexandre Berzin com sua produção de documentários em 16mm ou Cleto Mergulhão que na década de 70 produziu e dirigiu o longa O Palavrão.

Qual a importância de Firmo Neto para o cinema pernambucano?
Firmo Neto é uma artista nato que é simultaneamente criativo e empreendedor. Apresentava um olhar vanguardista, sempre à frente do seu tempo, e, entre outras coisas, tendia sempre a experimentação e ao risco do novo. Para se ter uma ideia desta sua característica, basta ver que ele no espaço publicitário utilizou técnicas de animação para propagandas comerciais televisivas nos primórdios da TV em Pernambuco. Tem também o fato dele ter se dedicado ao ensino de cinema e da fotografia durante muito tempo. Na sua trajetória há passagens pelo cinema de ficção, pelo documentário, pela fotografia e publicidade. Articulado, entrou em contato com Orson Welles e Rosselini na ocasião das viagens dos cineastas ao Recife.

A realização de O Canto do Mar, por Alberto Cavalcanti, rodado no Recife em 1952 deixou marcas na cultura local?
O Canto do Mar é uma adaptação de um argumento já filmado na França em 1927, À Deriva (Em rade). Na trajetória de Cavalcanti este filme traz a recorrência da representação ção do espaço urbano e rural, neste caso Pernambuco, mas que já havia passado por São Paulo em Simão, O Caolho (1952), e por Paris, em Rien que Les Heurs (1926). Ao filmar O Canto do Mar o realizador já acumulada a experiência adquirida na vanguarda francesa, no documentário social britânico e na produção de estúdio, como a Vera Cruz. Muitos pesquisadores, entre eles o paraibano Durval Muniz de Albuquerque Jr., apontam esta produção como marco inicial para a visibilidade e construção do imaginário sobre a região. De fato, a câmera com tratamento documental tenta registrar o real de forma nua e crua. No entanto, o tratamento dramático dado ao roteiro despontecializa o registro e coloca o espaço como cenografia, como adereço.

Qual a importância de um curso da história do cinema produzido em Pernambuco para as novas gerações?
A ideia de um cinema em Pernambuco tem se constituído como um discurso bem aceito tanto pela crítica como pelo público. Esse reconhecimento que provoca euforia, que estimula os realizadores e a cinefilia é parte integrante de uma rede que deve ser articulada e, sobretudo, legitimada também através do conhecimento histórico. Neste sentido, a produção e o consumo devem estar conectados a uma sensibilização histórica e estética que este tipo de iniciativa possibilita. Ver o filme hoje, saber e ter acesso ao que foi produzido antes favorece a uma ressignificação do olhar acerca do nosso cinema como um todo.

A pesquisadora Raquel do Monte (Divulgação)
A pesquisadora Raquel do Monte (Divulgação)