Entrevista Márcia

Márcia por Joana Barra Vaz picnik

Márcia por Joana Barra Vaz picnik
Foto: Joana Barra Vaz

A LIBERTAÇÃO MUSICAL DE MÁRCIA
Márcia encara a música como uma catarse e a sua forma de expressão passa por transmitir sentimentos de uma forma prolongada, viciante e até codificada

Por Pedro Salgado
Colaboração para a Revista O Grito!, em Lisboa

Ela é um dos raros exemplos de cantautora, em nome próprio, de Portugal. A escola jazzística do Hot Clube de Lisboa e as aulas de canto ajudaram-na a criar um modelo assente na harmonia que teve os primeiros resultados no seu EP de estreia.

Para além de dar voz ao projeto de recuperação do cancioneiro português das décadas de 1950 e 1960, Real Combo Lisbonense, Márcia apostou na carreira solo. é resultado de dois anos de composições que encontraram em João Paulo Feliciano o produtor certo.

O caráter pessoal das suas canções fala por si e revela uma compositora que quer desabafar, alimentada por leves frases e arranjos sutis. Com espírito aberto, Márcia falou com a Revista O Grito! sobre o mais recente trabalho e o futuro.

Como surgiu a ideia de fazer este disco?
Já tinha as músicas compostas e surgiu naturalmente, porque tinha um EP feito com guitarra e voz, onde já queria fazer arranjos. Mas, na altura, achei que não estava preparada para escolher qual era a “roupa indicada para vestir” às músicas. Entretanto, pensei em várias soluções, com outros músicos, e a dada altura convidei o Luís Nunes para fazer os arranjos do disco, para ser produzido pelo João Paulo Feliciano, e começamos a trabalhar numa demo. Estabelecemos logo prazos para fazer a gravação e correu lindamente.

Qual é para ti a canção mais representativa de ?
Para mim a mais representativa é a primeira canção do disco: “O Segredo”. Talvez por ter sido a primeira música que o Luís Nunes arranjou e por isso é algo muito pessoal. Eu mandei-lhe essa música, só com guitarra e voz, e ele fez logo um arranjo e pediu-me para cantar por cima. A partir daí eu decidi que as músicas iam todas para ele, porque até essa altura eu achava que podiam ser vários músicos a fazer os arranjos do álbum e o mesmo ser muito eclético. Eu não queria um disco homogêneo, muito jazz ou muito pop. A ideia era ter um disco variado e quando ele fez os arranjos, entendi que ele compreendeu a música perfeitamente. Isso fez prever o resto do trabalho.

Os meus acordes são muito influenciados pela bossa nova, porque aprendi a tocar guitarra copiando um amigo que tocava nesse estilo e no jazz. Eu admiro imenso a forma como a Marisa Monte canta.

A torrente de emoções que cantas parece denotar uma certa urgência, mas também alguma incriptação. Porquê?
Urgência no sentido de pressa nunca houve. Eu fui compondo estas músicas ao longo de dois anos. O que talvez tenha existido é alguma urgência em mostrar o que sinto e está relacionado com o fato das canções serem para mim um grande desabafo. Elas são uma coisa vital como tomar um café com um amigo, é a tal história da catarse. A incriptação, como você disse, está mais relacionada com a língua portuguesa. Da mesma forma que os Clã têm uma música chamada “Problema de Expressão”, há muitas maneiras de dizer as coisas na nossa língua materna e às vezes a mais direta é a menos interessante. Porque é a menos fidedigna e muitas vezes às pessoas dizemos as coisas com bastante tempo. Há tempo para explicar, no fundo é o tempo que faz as relações. O que mais me atrai a escrever músicas é dizer as coisas de uma maneira prolongada.

» Leia crítica do disco Dá, de Márcia

Quando compões, inspiras-te nas tuas experiências pessoais ou existem outras histórias que te chamam a atenção?
É tudo baseado na minha experiência. Mas a resposta também está incriptada (risos). Porque a minha experiência está relacionada com o mundo e as pessoas que me rodeiam. Eu converso muito, comunico muito, falo muito com os amigos e as pessoas, ouço muitas histórias. Elas me influenciam e me fazem tirar conclusões. São episódios meus, mas são sempre pontuados pelas comunicações humanas e têm em conta tudo o que me rodeia. Não é uma coisa completamente virada para mim.

Na tua música, podemos encontrar alguns elementos que remetem para a Bossa Nova. Quem são os músicos brasileiros que melhor associas à tua personalidade?
As influências nunca são fechadas e estanques. O fato de eu gostar muito da Cat Power, Beth Gibbons ou Joni Mitchell não invalida que tivesse sido influenciada por tudo o que ouvi anteriormente. Músicas que ouvi na rádio e que nunca comprei, mas que acabaram por me influenciar. Eu absorvo as letras com muita facilidade, goste ou não goste das canções.Eu componho muito com base na bossa nova. Primeiro porque estudei jazz no Hot Clube de Lisboa e nessa altura ouvia bastante o Caetano Veloso e a Marisa Monte. Retiro deles maneiras bonitas de dizer as coisas, acordes diferentes. Os meus acordes são muito influenciados pela bossa nova, porque aprendi a tocar guitarra copiando um amigo que tocava nesse estilo e no jazz. Eu admiro imenso a forma como a Marisa Monte canta.

Pretendes investir mais na tua carreira solo no futuro?
O futuro a deus pertence (risos). Pretendo dedicar-me completamente ao que estou a fazer. Não pretendo enclausurar-me a fazer seja o que for, seja música, filmes, belas-artes ou o que for. Se calhar isto soa um bocado mal, mas vou fazer o que me apetecer. Se, de repente, tiver alguma urgência em fazer de outra maneira a minha catarse fá-lo-ei. Por enquanto, estou ligada à música totalmente. O que se seguirá? Não faço ideia. Acabei de lançar este disco, estou a tirar proveito do fato de ter uma banda que é algo de novo para mim. Já tive bandas, há 10 anos, em que tocávamos os meus temas, mas agora é diferente, o crescimento é outro e escrevo em português. Tenho um grande feeling ao tocar com estes músicos, ver o que pode acontecer, e isso é tão novo que brotará novos frutos. Não me comprometo com o futuro da carreira, porque pretendo apenas ser honesta comigo própria.