Entrevista Zé Celso Martinez Corrêa | Teatro Oficina

Ze Celso em BACANTES Foto Renato Mangolin

Nota dos editores: O texto abaixo foi publicado na versão anterior de O Grito!, durante visita de Zé Celso Martinez à Olinda. Foram encenadas as peças Taniko – O Rito do Mar, Estrela Brazyleira a Vagar – Cacilda!! , além de Bacantes e Banquete.

Zé Celso morreu na quinta (6) após um incêndio em seu apartamento.


Ze Celso em BACANTES Foto Renato Mangolin
Zé Celso em Bacantes: exu das artes cênicas (Renato Mangolin /Divulgação)

“PERNAMBUCO É A GRÉCIA DO BRASIL”
Grupo Oficina volta ao Recife para 18 horas de teatro radical – e popular

Por Rafaella Soares
Repórter da Revista O Grito!, no Recife

Em qualquer outra circunstância, um acontecimento passado simultaneamente ao dia da eliminação do Brasil nas oitavas de final da Copa do Mundo seria ofuscado. Não uma entrevista com Zé Celso Martinez Corrêa. Conhecido por sua figura um tanto excêntrica e hiper-articulado, ele concedeu entrevista à reportagem da Revista O Grito! do seu quarto no Hotel Sete Colinas, em Olinda, onde, após uma chuva rápida, o clima pareceu ainda mais agradável, e o cenário, complementar. “Dionísio é um exu, e eu sou um exu das artes cênicas”, assume, com propriedade.

A simples presença do diretor envolve os interlocutores numa atmosfera entusiasmante atribuída diretamente ao teor de energia de toda sua experiência. Verborrágico, lúcido e politizado, Zé Celso não poupa críticas ao pensamento de direita nem elogios à artistas contemporâneos. “O PSDB em São Paulo tem uma atitude nazista com relação ao Teatro Oficina”, sentencia, a respeito da disputa em torno do prédio da companhia, tombado pelo Iphan, mas ainda ameaçado de expropriação.

São quatro peças inéditas no Recife, capitaneando o Grupo Oficina nas montagens: Taniko – O Rito do Mar, Estrela Brazyleira a Vagar – Cacilda!! , além de Bacantes e Banquete, que serão encenados de 7 a 10 de julho no Teatro de Extádio (sic), uma instalação itinerante montada na Refinaria Multicultural Nascedouro de Peixinhos. O projeto Dionisíacas em Viagem já passou por Brasília e Salvador, três anos após a experiência de mostrar os cinco espetáculos que compõe Os Sertões.

Os espetáculos serão gratuitos, pedindo-se a quem for assistir/participar a doação de 1kg de alimento não perecível ou um brinquedo. Para o público de Cacilda, a sugestão é que se leve uma flor. “É lindo na Rússia, as pessoas estão acostumadas a agraciar os atores”. Detalhe importante: as flores levadas serão particularmente usadas na cena do “defloramento” da protagonista. “Tesão em teatro é pulsão!”

As oficinas serão realizadas nos dias 02, 03, 04, 05 e 11 de julho, sempre das 14h às 20h. Uma experiência única, segundo o diretor, que atualmente procura atrizes para integrar o elenco, com um perfil já definido: “Estou em busca de bacantes na tradição das asiáticas: fortes, doidas, que dão de mamar pros tigres”.

Anna Guilhermina, atriz que encarna Cacilda, foi inclusive descoberta nos ensaios abertos de Os Sertões. “Uma grande atriz, merece ser vista. Não tenho notícia de grandes atrizes atualmente, mas o elenco tem nomes incríveis, tem a Luíza Lemmertz, a terceira de uma geração de atrizes (filha de Júlia e neta de Lílian Lemmertz). No cenário nacional…tem também… qual o nome da atriz de Lavoura Arcaica? Simone Spoladore! Passa o filme sem falar muito, mas dá um banho.” E continua: “Eu queria isso em Cacilda, reproduzir a sensibilidade elétrica da atuação dela, nervos que se expandem, quebrando a quarta parede. Procurei retratá-la no início, aos 20 anos.”

Sobre o desempenho do Brasil, derrotado pela seleção da Holanda apenas uma hora antes, fez troça: “Estou como Garrincha no mundial de 1955, após a derrota pro Uruguai! Ele nem assistiu, estava pescando. Agora vou torcer pro Maradona, um dionisíaco!” provoca.

Poucos sabem, mas a cantora baiana radicada em Pernambuco Karina Buhr já fez parte do elenco do Oficina, e hoje mais pernambucano, Antero Montenegro, juntou-se ao grupo. Durante a conversa, Zé Celso citou em mais de um momento Chico Science, Claudio Assis, Lírio Ferreira e Paulo Caldas, como herdeiros da Tropicália, porque reinventaram na era tecnológica a arte de origem regional.

Perguntado sobre aonde se encaixa o tipo de teatro realizado pelo Oficina nos dias de hoje, dentro do contexto do teatro brasileiro, o diretor rebate: “Desencaixa. Pluga diretamente pra um momento mundial de transferência. Esse retorno levou as pessoas a elegerem Lula – não esse Lula que tá aí hoje, mas falo da simbologia, do momento histórico em que elegemos um Barack Obama, um Evo Morales, Hugo Chávez, até mesmo um Kirchner. Isso é um retorno ao paganismo!”conclui, após um longo trago em seu baseado.

Zé Celso continua: “Isso não é inédito. Oswald (de Andrade) pregava desde a 1° montagem de O Rei da Vela, em 1928. É a extinção do púlpito, da cátedra, da separação entre público, plateia, o palco italiano, Anchieta!” E completa: “Passamos por um retorno ao indígena, ao afro. Porque vocês acham que rebolamos? A origem é essa ligação moleira- cóccix. A cudaline!” define.

O teatrólogo cita intersecções e apropriações do teatro com as religiões católicas e africanas para contextualizar com o trabalho do grupo: “Bacantes em grego quer dizer participantes. Elas foram alimentadas num ritual que pelo mito católico foi sublimado, na figura da eucaristia, que é uma antropofagia xerocada”. Já n’O Banquete, Zé Celso trás à luz a relação de Sócrates e Alcebíades, analisada no clássico O Bofe, de Lacan.

O Grupo Oficina vive teatro 24 horas por dia. É um projeto de vida. Sobre a imersão de toda produção e elenco no processo de ensaio e montagem das peças, o diretor teoriza: “O meu trabalho é baseado em excesso de concentração; eu preciso que todos se mantenham em uma espécie de meditação comum, porque nós acordamos, ensaiamos, encenamos, voltamos pra casa e no dia seguinte fazemos a mesma coisa. E para realizar uma produção é preciso ter prazer!”

ASPAS DE ZÉ CELSO
Opiniões e divagações de um dos centros do Oficina

ROTINA

“Eu costumo acordar, fumar um baseado, ligar o computador, saber o que se passa no mundo, beber vinho, estar com meus amigos e fazer amor. Preciso estar sempre apaixonado”

 

GILBERTO GIL

“Gil no governo foi uma coisa importante para mostrar a perspectiva de que uma obra não é feita para ser vista da varanda da casa grande”

 

VOCAÇÃO

“Um ator é um atleta afetivo na folia”

 

LINGUAGEM

“Meu teatro não tem drama. A vida não é trágica! Isso é uma invencionice patriarcal, a cultura do maniqueísmo, do dá ou desce”

 

PÚBLICO

“Teatro só é bom quando atinge criança, velho, moço, europeu, asiático, pobre, rico”

 

NUDEZ

“Os direitos humanos nasceram do encontro do europeu com a nudez do índio. O despojamento. O que é universal e nosso figurino mais bonito.”

 

LIBERDADE

“É muito difícil exercer a liberdade. Quem escolhe o prazer trilha um caminho difícil. É uma luta!!”

 

SEXUALIDADE

“Em teatro, é comum um dramaturgo se apaixonar e escrever uma peça uma atriz, sua eleita. Mas ainda é um tabu um homem mais velho se apaixonar por um rapaz mais novo”