Faixa a Faixa: Lucas Vasconcellos comenta Falo de Coração

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Foto: Divulgação

Quem conhece a banda Letuce já ouviu falar em Lucas Vasconcellos. A dupla formada ao lado de Letícia Novaes se firmou como uma das mais conceituadas da chamada cena carioca atual com seus dois belos álbuns, Plano de fuga pra cima dos outros e de mim (2009) e Manja Perene (2012) – este último figurando em diversas listas de melhores do ano e tendo a faixa “Medo de Baleia” considerada uma das 50 melhores músicas de 2012 para a Revista O Grito!. Lucas ainda integrou o projeto Binário, vem produzindo trilhas para cinema, teatro e TV e trabalhando com artistas como Rodrigo Amarante, Dado Villa-Lobos, Lucas Santtana e Katia B, além de ter participado recentemente dos álbuns-tributo ao Secos & Molhados (Armazém 73, com a faixa “Amor”) e a Belchior (Ainda Somos os Mesmos, em “Como o diabo gosta”).

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Em seu primeiro registro solo, o confessional Falo de Coração, Lucas mostra uma faceta melancólica e quase sentimental em arranjos dissonantes, algumas vezes mesmo herméticos, chegando a uma sonoridade inclassificável, que passeia pela produção musical brasileira dos anos 60 sem deixar de soar contemporâneo. Se afastando do esquema de reunir músicos para gravar e rejeitando a utilização de qualquer música inacabada ou sobra de trabalhos anteriores, Lucas concebeu sozinho as ideias para o álbum, resultando em um trabalho solo no sentido estrito e um registro fiel do momento em que foi feito: “Busquei ser honesto em relação ao que sentia. Não pensei essas músicas como pano de fundo pra nada. Elas são o que eu fui no exato momento de fazê-las”, conta Lucas.

Contando com parcerias de Paulo Camacho, Ronaldo Marinho e Letícia Novaes, que assina a letra e empresta a voz para “Seven Laughs”, Falo de Coração foi lançado no final do ano passado através da Bolacha Discos/Agente Digital e acaba de ganhar uma versão ao vivo, o Falo de Coração Ao Vivo, gravado no dia 17 de abril na Comuna (RJ), que traz canções do álbum solo e faixas que transitam pela carreira de Lucas. O show teve participação especial de Alice Caymmi na faixa “Meu Seu” e o apoio de Thomas Harres na bateria eletrônica e Ricardo Rito no baixo synth.

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Ainda que com receio de “reduzir a quantidade interpretativa da minha música”, Lucas Vasconcellos topou correr o risco de comentar as faixas de Falo de Coração e o resultado você confere a seguir:

Poderia falar sobre a concepção de Falo de Coração? Que influências buscou para compô-lo?
Busquei o silêncio que havia em mim, a solidão de um processo de composição em estúdio, busquei lembranças da minha infância, ilustrações e barulhos, instrumentos musicais que estou aprendendo a tocar e outros que já me afeiçoei há décadas. Sobretudo busquei ser honesto em relação ao que sentia. Não pensei essas músicas como pano de fundo pra nada. Elas são o que eu fui no exato momento de fazê-las.

Você comentou em entrevista que não queria utilizar músicas que tivessem uma história anterior à construção de Falo de Coração. O álbum vem como um recorte de que momento da sua vida? O que ele representa pra você?
Representa o presente. O mais interessante e amoroso em compor músicas é justamente o fato delas serem algo nascente, são sensações vitais, novas. A poesia vibra de frescor. É expressivo pra mim trazer à tona algo que acredito e descobrir que caminho isso pode tomar. As surpresas são a parte mais interessante disso tudo.

Como surgiu a ideia das “conversas” com o público no intervalo entre as canções durante o show? A reação do público tem sido a esperada ou a graça é não saber como o público irá reagir?
É o máximo fazer o lettering entre as canções e dar essa direção ao show. Funciona melhor pra mim quando não há um diálogo formal do tipo “boa noite, galera? Vocês estão curtindo? etc e tal”. Essas bobagens que tiram o espectador do transe de assistir música ao vivo. E eu busco esse transe, quando espectador e quando em cena.

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Site oficial: http://lucasvasconcellos.com/

Falo de Coração, faixa a faixa:

É realmente muito delicado comentar poesia, pois as interpretações (que podem ser infinitas) correm o risco de, ao serem explicadas em sua gênese, se empobrecerem. Acho um risco enorme reduzir a quantidade interpretativa da minha música. Mas correrei esse risco, torcendo para que minhas palavras sejam apenas mais um jeito de olhar e sentir essas.

“Amor Uma Frase Por Vez”
Foi a primeira música que fiz pra esse disco, por isso figura em primeiro no playlist tb. Acho que a poesia dela permeia a questão do agir em conjunto num relacionamento, de negociar a vida e isso ser realmente a essência de uma vida a dois. Há uma longa parte instrumental no meio dessa música. A sonoridade me lembra uma floresta à noite.

“E Se a Vida For”
Fala sobre o ofício de cada um. Sobre o trabalho ser mágico, salvador e ao mesmo tempo ser a prisão de um ócio lindo e possível. O jogo do ganhar, do possuir (pessoas e coisas) pode às vezes transtornar a beleza passageira da vida. Usei um take de bateria do Bernardo Palmeira, um take antigo que foi usado pra outra coisa inicialmente, mas eu achei inspirador tocar a canção unida a esse “plano sequência” datado e gravado artesanalmente em 2006 na casa do Bruno Di Lullo. Achei que amalgamou histórias e parcerias.

“Flor de Tudo
Acho que é sobre o destino de cada um ser esse traço sinuoso e profundamente existente na sua forma mais plena. Nós somos a idade. No fim somos o que esse traço já dizia. Somos uma parte errante, falha e por isso criativa. Somos a natureza.

“Meu Seu”
Eu passei muitas férias em cabo frio, na praia das conchas. É um lugar pelo qual tenho muito amor. Tenho fotografias mentais bem nítidas desse local. Interações bacanas com o mar e seus animais, seus ventos. Nessas férias eu tinha tempo de pensar sobre existir, quando eu tinha uns 11, 12 anos. Sem o esgotamento tedioso do colégio e seus deveres, eu podia ter horas e horas dessas descobertas, horas de solidão, caminhar, se perder, voltar pra barraca e comer uma anchova. E toda a melancolia de ver tudo isso ficar pra trás.

“Eu Não Vou Chorar Por Fora”
O desastre do fim do Amor. Uma ótica social desse fim. O Amor finda e o círculo de amizades que adornava esse encontro também age, sofre e opina.

“Leal”
Minha forma de ouvir a música portuguesa. Tinha uma fita K7 bege do Roberto Leal no dodge dart do meu avô. Isso me motivou muito além da pesquisa.

“Morfina”
A cidade onde vivo está constantemente barulhenta. Obras, carros, ônibus, aviões, buzinas, gritos, comércio. Fiz uma música onde o silêncio fosse a deixa pros amantes se encontrarem. Como se a cidade pudesse acolher o amor em seu descanso.

“Eu Parti”
Nosso cérebro comanda quase tudo. Mas há situações onde o coração vai sem regras e sem filtros. O cérebro então é o “censor” desse movimento. É uma pena, é humano. É uma parceria minha com o Paulo Camacho, um amigo de longa data e excelente fotógrafo de cinema.

“Seven Laughs”
Fiz essa música especialmente pra Letícia compor uma letra. Não poderia haver esse disco sem a participação dela.

“Parede Cinza”
Uma composição instrumental em parceria com o Ronaldo Marinho, meu ex-psicanalista. Um dia fomos pra um estúdio e gravamos seguidamente algumas horas de bateria e guitarra. Improvisos, levadas de som, experimentações. Ele é um ótimo baterista e um grande amigo.

“Sol de Meio Dia”
A última canção do disco também foi a última a ser composta. Quis trazer uma paisagem escaldante dentro de um contexto melancólico. O calor também pode ser esse lugar. E o sol a pino traz a imagem do centro, do meio da vida. Ilumina sem sombras, é a claridade plena e consigo traz respostas definitivas.