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Foto: Céline Nieszawer/Diamond.

Filme”Arthur Rambo” percorre os tortuosos caminhos da cultura do cancelamento

Novo longa do diretor francês Laurent Cantet mostra a derrocada de um promissor jornalista argelino em meio ao ódio das redes

Filme”Arthur Rambo” percorre os tortuosos caminhos da cultura do cancelamento
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ARTHUR RAMBO – ÓDIO NAS REDES
Laurent Cantet
FRA, 2021, 1h27min. 14 Anos. / Distribuição: Diamond
Com Rabah Naït Oufella, Antoine Reinartz, Sofian Khammes
Em cartaz nos cinemas

A partir de demandas tecnológicas cada vez mais sofisticadas e integradas ao cotidiano comum, novas relações desabrocham pelo viés do campo digital e das mídias contemporâneas. A esfera pública e seus aparentes limites dantes fragilmente demarcados parece ter sido invadida de vez por uma vigilância ininterrupta e caótica pela presença das redes sociais. Talvez haja uma falsa simetria entre a performance alimentada no virtual e no dito “real”, sendo esta última palavra ela mesma passível de flexibilizações e sentidos diversos. O novo filme do cineasta francês Laurent Cantet (responsável pelo excelente Entre Os Muros da Escola, 2008, vencedor da Palma de Ouro em Cannes daquele ano) quer investigar as ações e responsabilidades de um personagem em conflito com suas próprias atitudes. Em Arthur Rambo – Ódio Nas Redes, um lançamento da Vitrine Filmes, que estreia esta quinta-feira, 12 de março, temos o protagonista Karim D (interpretado por Rabah Nait Oufella, excelente aqui, igualmente ótimo no maravilhoso Raw, filme de estreia da cineasta francesa Julia Ducournau), um muçulmano argelino jovem e promissor jornalista e escritor, que se encontra em uma situação difícil quando é exposto na internet por causa de comentários preconceituosos que fez no passado.

O longa abre com Karim D dando entrevista sobre seu novo livro, e indo logo depois para uma festa de coquetel de lançamento do mesmo. A câmera acompanha a trajetória do escritor e segue a sua tumultuada incursão em meio a vários encontros, com pessoas sorridentes e elogiosas ao rapaz. Mas todo o entusiasmo generalizado que o cerca logo se torna um ambiente de animosidade e rejeição quando mensagens de cunho racista, antissemita, machista e homofóbica vazam pelo Twitter, durante a festa. Ele, acuado, foge do local e evita pegar um carro, alegando precisar caminhar um pouco para refletir sobre tudo. Decide embarcar em uma estação de metrô ali próxima, e a cena em questão é cuidadosamente trabalhada para enfatizar a sensação de claustrofobia e vergonha que o protagonista vai começar a sentir, assim como os olhares de julgamento e condenação imediatamente lançados em sua direção. 

A partir daí o filme vai acompanhar a jornada do personagem pelas próximas quarenta e oito horas, e todo o desdobramento emocional, físico e psicológico enfrentado por ele, quando precisa encarar de frente colegas de trabalho, a namorada, a família. O debate sobre cancelamento, linchamento virtual e mídias sociais é o mote principal de tudo, o que pode parecer uma premissa já esgotada, mesmo sendo ela originada de um tema tão recente e atual. Mas talvez por um cansaço generalizado e pela excessiva recorrência de casos como este, que invadem os feeds dos aparelhos celulares de todos, principalmente via Twitter, a impressão captada é a de fadiga por acompanhar mais uma história como esta. Contudo, é interessante perceber que a cultura do cancelamento não é a mesma para todos, atingindo pessoas e corpos diversos de forma discrepante, tendo no caso aqui do protagonista o fato de sua origem argelina e muçulmana um fator agravante. O roteiro reitera a todo momento esta condição do personagem, como uma ferramenta para, também, tentar gerar alguma empatia do público e posicionamento ao seu lado, mesmo ele tendo proferido e orquestrado declarações inaceitáveis. 

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Filme é ambicioso para tratar do cancelamento, mas seu desenvolvimento é muito apressado para um tema tão complexo. (Foto: Divulgação/Diamond)

A duração do filme é curta, menos de uma hora e meia, o que confere e imprime o estado de urgência pela qual acompanhamos estes dois dias na vida de Karim D. Há uma espécie de redenção ao final da trama, em um diálogo do personagem com seu irmão, como que usado para salvá-lo de suas atitudes; mas a direção um pouco apática, o distanciamento de Cantet com o que filma e uma orquestração cinematográfica titubeante fazem com que a produção perca força e moção. Em entrevista sobre o lançamento do longa, Cantet disse não querer julgar o seu (anti)herói, tendo tomado este afastamento em relação ao personagem algo proposital. O resultado é visível, pois, no final, ao deslizar dos créditos, a sensação diante da projeção é a de indiferença.

Há um desfecho em aberto, e não sabemos o destino derradeiro de Karim D, mas a sensação é a de que o cancelamento sofrido por ele, apesar de o ter atingido mais fortemente por seus marcadores de religião e nacionalidade, não vingará, ou trará danos maiores. O filme não está interessado na revelação ou exposição de consequências mais enfáticas ou objetivas surgidas a partir da situação do seu protagonista. É um recorte na vida deste homem, atravessado por uma situação extrema, mas pelo jeito, passageira. Como um post viralizado e logo depois superado. Mas há marcas que ficam, e rastros difíceis de serem apagados, mesmo quando deletados ou minimizados. 

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