Hamlet

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SEM BRINCOS, NEM COLARES
No meio de um sem-número de interpretações de Hamlet, espetáculo cativa não pela figuratividade, mas pela simplicidade, poesia e metalinguagem acerca de si mesmo
Por Fernando de Albuquerque

HAMLET
Aderbal Freire Filho
Teatro da UFPE | 27 e 28 de junho

No meio do êxtase geral de sair de casa para assistir um espetáculo com tantos globais no elenco alguém deve ter se perguntado: porque ir assistir, mais uma vez, Hamlet? É difícil responder à pergunta, tendo em vista a quantidade de montagens que já foi feita da tragédia escrita por Shakespeare. Mas verdade seja dita, que obra sintetiza melhor a vida, a natureza humana e os monstros que cada um traz dentro de si se não Hamlet? Esse príncipe dinamarquês reflete o equilíbrio pleno entre a emoção e a razão, pautando seus atos no entremeio desses pontos tão dissonantes. Mas vamos ao espetáculo…

Quem encarna o príncipe tomado por impulsos de vingança após a morte do pai e a subsequente coroação do tio (interpretado por Tonico Pereira) está Wagner Moura. Além de arrancar suspiros de uma plateia cujo gosto e tesão foi modificado pelo ideário estético do homem pós-anos-noventa, ele é o dono do palco. Sem ele o espetáculo encrudesce. Fica mudo. Protocolar. As falas permanecem secas e só ganham carnalidade quando ele entra no palco. Não é a toa que Moura também é produtor e co-autor do texto do espetáculo.

Ao lado do eterno capitão de Tropa de Elite (isso porque ele jamais vai se livrar da pecha ganha no longa) está Fábio Lago, que também atuou no longa como o Baiano da fita policial. Aqui ele vive Laertes, filho de Polônio, intrépido conselheiro do rei Cláudio. Caio Junqueira também participa desse time. Ele foi o Neto do “cinema de aspira” e em Hamlet encarou Horácio, o “melhor amigo” do protagonista.

Se no texto original (cuja linguagem é tão distante da cultura fast food de hoje) Horácio era a platéia do príncipe Hamlet, nesse espetáculo ele ganha novas cores. É o cronista de toda a peça. Em cena, ele registra com uma câmera a expressão dos atores em imagens que são projetadas em um telão no fundo do palco. Tal como um documentarista de toda ação, é ele quem leva Hamlet ao mundo. Tal como um apóstolo.

E se Horário aqui ganha novos contornos, o própri Hamlet nada mais é do que a reinvenção de um personagem com mais de quatrocentos anos. Pode parecer clichê essa afirmativa, mas o fato é que Moura ganha a platéia e seu próprio reino não com a grandiloquência que tanto perfaz o texto, mas sim com um deboche meio adolescente da sua persona e sua insistente perfeição na marcação dos personagens no palco.

E não só o protagonista é reinventado. Muito pelo contrário. Aqui, a majestade e o peito libertário e ético de do pai de Hamlet (o rei destronado e morto por um canastrão) não tem seu sentimento de n$obresa vinculado apenas à um personagem. O rei morto é uma entidade coletiva e interpretada por todo elenco de apoio que se reveza portando a armadura. E assim, a verdadeira majestade são todos os atores. É aquele coletivo.

Outro ponto que passa longe do que foi escrito é o novo rei Cláudio, na pele de Tonico Pereira. Aqui ele é um homem extremamente simpático e amoroso, mas não menos perigoso. Afirmando assim aquela velha máxima que se deve duvidar, sempre, dos que são eternamente simpáticos.

E na continuidade de personagens vemos o amor de Ofélia, interpretado pod Georgiana Góes, ir da paixão ao estraçalhamento em sambas e frevos antigos. Gertrudes (de Carla Ribas), a rainha da Dinamarca, surge sempre trajada de vermelho, como se suas vestes carregassem, a todo instante, o sangue de seu ex-marido assassinado. Mas como todo monarca consorte, ela se perde quando todos os personagens, reunidos, começam a ganhar a plena loucura. Nem mesmo os coveiros, que ganham voz com Marcelo Flores e Cláudio Mendes, passam desapercebidos. Eles são meticulosos, honram seus solos e surpreendem ao demonstrar, ante toda intriga palaciana, a real história dos povos diante de seus despotas.

E entre tantas atuações para lá de frenéticas, quem mais chama a atenção é a própria estrutura do cenário. As coxias abertas e abarrotadas com os itens cênicos e atores atentos à suas entradas. O vídeo em cena que acompanha, passo a passo o texto e faz o espectador se desdobrar, ainda mais nas leituras. Além disso, o palco nu e despido de qualquer figuratividade dá o tônus do espetáculo em que menos é mais. Deixando transparecer que o dorso de uma mulher desnuda não precisa de colares ou brincos para exuberar sua plena beleza.

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