Histeria Oscar: Bastardos Inglórios

Bastardos Inglórios Nations Pride

Bastardos Inglórios Nations Pride

UM BOM TARANTINO
O Oscar enfim, destacou o diretor em sua premiação, mas força do filme é maior que as oito indicações que teve

Por André Azenha
Colaboração para a Revista O Grito!, em São Paulo

Quantas vezes você deixa uma sala de cinema realmente feliz pelo que acabou de assistir? Comigo, nos últimos tempos, a sensação de euforia, de ficar entusiasmado, tem sido rara. Ano passado, lembro-me de ter me sentido assim quando acabara de conferir Batman – O Cavaleiro das Trevas. Em 2009, até o dia 10 de outubro, uma sexta-feira, nada parecido havia rolado. Até conferir o novo filme de Quentin Tarantino, Bastardos Inglórios, que estreou mundialmente em Cannes. Mais bem-sucedida investida de Tarantino – em muitos sentidos – o filme conseguiu oito indicações ao Oscar, mas não deve levar muitos. Certo mesmo é o de melhor ator coadjuvante para Christoph Waltz.

Dizer que Tarantino é foda é clichê. Assim como também virou clichê escrever que ele é mestre em pegar a arte dos outros, misturar tudo e criar algo novo. Ou melhor, não é novo. Mas é algo com a cara dele. É legal, “cool” diriam os “antenados”. É passatempo divertido, mas também é cinema autoral dos bons.

E quando a gente achava que o diretor, roteirista, produtor e ator já havia alcançado tudo o que podia enquanto autor no cinema (sim, autor), eis que ele surpreende a platéia cinéfila novamente ao dar novo fôlego para um tema usado á exaustão na sétima arte: a Segunda Guerra Mundial. Fora isso, o filme consegue outra proeza. Apesar de longo, com mais de duas horas e meia de duração, prende a atenção do espectador até o fim.

Um grupo de judeus americanos é recrutado pelo sargento Aldo Raine (Brad Pitt) com o intuito de levar pavor aos nazistas. Não basta fazer o inimigo prisioneiro. O lema do seleto grupo, batizado de Os Bastardos, é capturar membros da horda de Hitler e matá-los com requintes de crueldade. Enquanto isso, nós conhecemos a trajetória da judia Shosanna Dreyfus (Mélanie Laurent), que teve sua família chacinada por soldados da SS e encontrou refúgio em Paris, onde se tornou dona de um cinema.

Essas duas trajetórias terão o mesmo destino: o lançamento de um longa alemão que mostra um nazista matando americanos (esse filme dentro do filme foi dirigido por Eli Roth, diretor de O Albergue e que aqui interpreta o “Urso Judeu”, cuja arma para dar cabo dos inimigos é um taco de baseball!), e que irá acontecer no cinema de Shosanna. Ela planeja vingar-se incendiando o próprio estabelecimento, e consequentemente queimando o alto escalão do governo nazista. Já os Bastardos pretendem se infiltrar na festa e explodir o local.

Bastardos Inglórios traz elementos de outras obras do diretor (exceção ao roteiro em ordem cronológica, diferente dos trabalhos anteriores, que misturavam passado e presente). Assim como em Kill Bill, tem a trama dividida em capítulos, mostra lâminas decepando o couro cabeludo tal qual fez Uma Thurman fez com Lucy Liu naquele filme, e repete a trilha sonora que reverencia os velhos faroestes de Sergio Leone. A violência exagerada, por sinal, está novamente presente. Há tiroteio generalizado como em Cães de Aluguel e tortura num cômodo pequeno como em Pulp Fiction.

Outra marca registrada do cineasta, os ótimos diálogos, novamente dá as caras. Dessa vez com menos referências pop, já que se trata de uma história de época. Tudo a favor de uma trama ágil, que fará muita gente vibrar, e até se sentir vingado, pelo que os nazistas fizeram a milhões de pessoas naquele período.

Mas para não soar meramente vingativo, o diretor consegue também embutir uma crítica ao público, que sorri com as mortes dos oficiais alemães, mas se indigna na cena em que o alto escalão nazista comemora ao ver, no longa já citado, um herói de guerra deles fuzilando soldados dos EUA. Será que só do lado aliado havia gente inocente? Todos nós temos tendência a estereotipar culturas diferentes é o recado.

Colabora para o êxito da obra o excelente elenco vencedo do principal prêmio do Sindicato dos Atores. Brad Pitt, além de servir para atrair o grande público (a filmografia de Tarantino não possui lá graaaandes bilheterias), se diverte como o oficial do interior, de sotaque carregado, mostrando versatilidade após uma sequencia de interpretações completamente diferentes, como em O Curioso Caso de Benjamin Button e Queime Depois de Ler.

As belas Diane Kruger (a Helena de “Tróia”) e Mélanie Laurent (que esteve em Paris) mergulham fundo em suas respectivas personagens. A primeira, uma famosa atriz alemã que também é agente dupla. A segunda, a judia que busca vingança e precisa conter-se quando é cortejada por um herói nazista (Daniel Brühl), quase como a vida da protagonista de “A Espiã“. O expressivo ator germânico August Diehl, que no excelente Os Falsários interpretou um judeu, novamente está expressivo dessa vez ao estar do outro lado, na pele de um oficial SS.

Mas de todos, é Christoph Waltz que merece os maiores elogios. Sua encarnação do coronel nazista Hans Landa, famoso por conseguir encontrar judeus nos mais difíceis esconderijos, é espetacular. Ele rouba a cena sempre que aparece, consegue mudar de feição com naturalidade, da cordialidade à brutalidade, e chega a falar alemão, inglês e italiano com fluência. Não à toa que venceu foi eleito o melhor ator em Cannes em 2009 e venceu o SAG, Globo de Ouro e tem tudo para faturar o Oscar da categoria.

Pois é. Com um roteiro inteligente, que diverte, mas não brinca com a inteligência do espectador, bons atores, bela trilha musical e cenários magníficos, Tarantino acertou outra vez.

Há quem possa reclamar da forma caricata como os personagens foram desenvolvidos. Mas esse foi o intuito. Reduzir cada um deles à sua essência. O sulista americano (Pitt), a francesa requintada (Laurent), os nazistas brucutus… Pois Bastardos Inglórios não tem a pretensão de ser um retrato da história, como Operação Valquíria. É provocação do início ao fim.

Por isso temos até David Bowie na trilha musical. Se Sofia Coppola inseriu um All Star no século XVI em Maria Antonieta, e foi elogiada por isso, porque Tarantino não teria o direito de colocar uma canção criada décadas mais tarde pra trazer determinada cena, passada nos anos 1940, para os dias atuais? Ele fez um de seus melhores trabalhos, um tremendo êxito após o quase despercebido À Prova de Morte e estreou levando multidões aos cinemas americanos. É cinema de clichês, sim. Mas é foda. Só uma certa cena no ato final, durante a exibição do filme nazista, já vale a conferida.

Bastardos Inglórios teve oito indicações ao Oscar, inclusive para Melhor Filme e Melhor Diretor, o que já supera o recorde anterior de Tarantino, que era de “Pulp Fiction”, com sete. Ainda é pouco para o filme.