Janela de Cinema 2017: as heroínas ocupam a tela na programação de clássicos

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A tenente Ripley de Sigourner Weaver. (Divulgação).
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A tenente Ripley de Sigourner Weaver. (Divulgação).

O Janela Internacional de Cinema do Recife divulgou o seu programa de clássicos. São onze filmes escolhidos pela curadoria do festival sob o tema “Heroínas”: há também duas sessões especiais correndo por fora. Esta revisão anual de grandes filmes do passado será projetada em cópias 35mm e DCP, de realizadores como Dario Argento, Agnès Varda, Douglas Sirk, James Cameron, Blake Edwards e Chantal Akerman.

O festival acontece entre os dias 3 a 12 de novembro.

Este ano 11 longas-metragens integram a grade de clássicos do festival e mais duas sessões especiais. O Cine São Luiz, no Centro do Recife, e o Cinema da Fundação, no Museu do Homem do Nordeste, em Casa Forte, recebem a programação.

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“Já vínhamos pensando esse tema há dois, três anos. A cada ano, surgem naturalmente os temas dos clássicos. Em 2013, as manifestações de rua que foram o início de toda a situação política pela qual passa o Brasil, e daí fizemos ‘Manifestações’. ‘Cinema de Rua’ apareceu no ano seguinte, da própria natureza do Janela e a sua relação com o Cinema São Luiz. E ‘Desobediência’ ano passado. E agora trazemos esse lote de filmes onde a personagem feminina não é um acessório, não é ‘a que precisa ser salva’”, explica o diretor e curador do Janela Internacional de Cinema do Recife, Kleber Mendonça Filho.

“Vivemos o processo inédito de derrubada de uma presidenta por meio de uma grande máquina de representação, que vai de um jornalismo tendencioso a adesivos misóginos estampados em carros. Isto não está desconectado de um pensamento de ódio mais amplo. Não acho exagerado dizer que com esta busca de grandes filmes com o signo de mulheres fortes buscamos uma união de formas entre poder e representação, descoberta de identidade e desarranjo do olhar, sem que com isso esperemos como curadores oferecer uma alternativa prática de conciliação. A diversidade destes filmes talvez possa oferecer ao público a experiência rica e forte de um nó nas narrativas. Varda e Argento, Waters e Fassbinder, Edwards e Chantal. Espero animado para sentirmos juntos essa união acontecer”, diz Luís Fernando Moura.

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O clássico revisitado de La Noire De… (Divulgação).

Um grande destaque, por exemplo, é o filme de aventura de 1913 Protéa, de Victorin-Hippolyte Jasset. O filme, lançado há 104 anos, será exibido no Janela em cópia restaurada pela Cinémathèque Française. Trata-se de um dos primeiros registros de uma heroína em um filme de ação, estrelado pela atriz Josette Andriot no papel da acrobata e espiã Mata-Hari. A sessão terá acompanhamento musical ao vivo.

Estão programadas obras importantes de Chantal Akerman (com Jeanne Dielman, 23, Quai du Commerce, 1080 Bruxelles, de 1975), cineasta belga falecida há dois anos; James Cameron com o espetacular thriller-scifi-horror Aliens, o Resgate (1986), onde Sigourney Weaver (e Cameron) fizeram avançar algumas casas a liderança de uma personagem feminina num espetáculo de massa através da Tenente Ripley, na mesma década de 1980 dominada por Sylvester Stallone e Arnold Schwarzenegger); Agnès Varda, com uma dupla de mulheres protagonistas em Uma Canta, a Outra Não, de 1977), realizado dentro do movimento feminista dos anos 1970 na França, é um documento e tanto em forma de cinema.

Dario Argento e Suspiria, também de 1977, reescrevem a noção da “donzela em apuros” num filme de horror de forte tom vermelho. Douglas Sirk apresenta a sua heroína do cotidiano Cary Scott, vivida por Jane Wyman, no romance hollywoodiano Tudo Que o Céu Permite, de 1955. Um choque de cor e violência no sistema é O Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e o Amante (1989), de Peter Greenaway, onde a personagem de Helen Mirren revela-se combativa em relação à figura masculina particularmente virulenta do marido. E ainda La Noire de… de Ousmane Sembène, o primeiro filme da África subsariana a ter um grande impacto na Europa e na América do Norte.

Vale também a menção de filmes que transgridem e repensam novas formas de representação do feminino, particularmente no âmbito do queer, com os filmes Pink Flamingos (clássico acidamente irônico de John Waters, de 1972, eternizado pela explosiva Divine), o drama melancólico As Lágrimas Amargas de Petra von Kant (de Rainer Werner Fassbinder, também de 1972, que narra solidão, impasses e desejos lésbicos) e Vítor ou Vitória? (de Blake Edwards, de 1982, com uma Julie Andrews formidável em papel não-usual de uma cantora mulher que se veste de homem, numa caracterização ambígua de transformista andrógina, para captar as atenções nas noites boêmias de Paris).

Além dos 11 títulos agrupados sob o título Heroínas, o X Janela Internacional de Cinema do Recife exibirá duas sessões especiais:

Contatos Imediatos de Terceiro Grau (1977), de Steven Spielberg, está fazendo 40 anos e é um dos grandes filmes de ficção cientifica do cinema; e Vá e Veja (1985), de Elem Klimov. Essa obra-prima do cinema volta num momento histórico do mundo que observa demonstrações de fascismo mostrando sua face cada vez mais. Esse filme monumental realizado no apagar das luzes da Uniao Soviética é tido por muitos como o grande Filme de Guerra do Cinema. A história de um garoto de 12 anos que perambula pela terra arrasada da Bielorrúsia sob a cruel invasão nazista. Um filme inesquecível.

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A drag queen Divine no iconoclasta Pink Flamingos. (Divulgação).

Veja a lista de filmes.

HEROÍNAS – Clássicos do Janela 2017 (cópias em 35mm e DCP)

Aliens, o Resgate (Aliens, James Cameron, EUA, 1986, em DCP)
Nos anos 80 dominados pela masculinidade fortinha de Stallone e Schwarzenegger, James Cameron trouxe uma heroína sem igual num filme de enorme sucesso popular. Já uma herança afiada do excelente Alien (1979, exibido no Janela VII), de Ridley Scott, a personagem Ripley (Sigourney Weaver) é reconfigurada em máquina de combate, mas ainda humana, gentil. “Faça alguma coisa!!!”, ela grita num momento chave de Aliens, arrancando literalmente o controle de um homem em pânico e assumindo as máquinas e o filme. Aliens, o Resgate é um exercício formidável de ação e terror, e onde Cameron e Weaver ainda acham espaço para explorar o elemento “Mãe” com curiosa energia física. Vai Ripley! Quebra tudo!

As Lágrimas Amargas de Petra von Kant (Die bitteren Tränen der Petra von Kant, Rainer Werner Fassbinder, Alemanha, 1972, em DCP)
Fassbinder trafega entre ópera e melodrama para adaptar peça de teatro sua neste diamante de imagem e forma deslumbrantes lapidado pela maneira do amor e pela urgência da expressão. À exceção de Midas e Dionísio, não à toa expostos na parede, apenas mulheres estarão ao redor de Petra von Kant para disputar humanidade, desejo e poder.

Garota Negra/A Negra de… (La Noire de…, Ousmane Sembène, Senegal/França, 1966, em DCP 4K)
Uma máscara pode ser um souvenir ou uma presença lhe seguindo nas ruas. Ousmane Sembène, escritor e cineasta senegalês, filmou Diouana (Mbissine Therese Dlop) na Riviera Francesa, nos anos 60, e em Dakar. Trazida como uma boneca de trabalho para a mesma família que a empregou no Senegal, Diouana vai quebrando aos poucos, sob o peso da cultura, da história e do racismo (“Eu nunca beijei uma negra antes”). E Sembène nos oferece esse documento que registra o seu interesse pelo cinema francês, onde ele expressa a sua raiva, a sua poesia. Acima de tudo, ver essa restauração em 2017 significa pensar na representação, em quem filma, quem é filmado e como.

Jeanne Dielman, 23, Quai du Commerce, 1080 Bruxelles (Chantal Akerman, Bélgica, 1975, em DCP)
Jeanne Dielman é viúva, mãe e, nas horas vagas, prostituta. Chantal Akerman filma assiduamente o dia a dia desta mãe, como ninguém antes ou depois, e talvez tenha inventado aqui uma forma de retrato e uma forma de política. O Janela exibiu seu último filme há dois anos, e agora resgata cópia restaurada da obra-prima da cineasta. Pequena surpresa abre a sessão.

O Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e o Amante (The Cook, The Thief, His Wife & Her Lover, Peter Greenaway, Inglaterra, 1989, em DCP)
Épico de cores vibrantes confinado em super-restaurante que Greenaway dirige como espetáculo sobre poder, pecado e justiça. Este palco barroco-chic é entregue de presente para a personagem de Helen Mirren viver real banquete de vingança, por vezes visto como alegoria maior da heroína diante do vilão liberal-conservador da era Margaret Thatcher.

Pink Flamingos (John Waters, EUA, 1972, em 35mm)
Em tempos em que certas forças políticas nos coagem a permanecer asseados e inofensivos, a inescapável Divine e sua família fazem o que podem para não perder o título de gente mais imunda do mundo para o insolente casal ligado ao narcotráfico e à produção pornô. John Waters sabe filmar liberdade, e Divine merece sempre ser rainha de tudo.

Protéa (Victorin-Hippolyte Jasset, França, 1913, em DCP)
Protéa, de Victorin-Hippolyte Jasset, apresenta a primeira heroína do cinema mudo, 104 anos atrás. Dizia-se de Josette Andriot (1886-1942), a estrela de Protéa, que ela “não tinha a beleza de um par românico, mas montava cavalos, fazia esgrima, nadava e era acrobata”. Ela lutava com animais selvagens e pulava de lugares altos três anos antes de Mata Hari, na verdade, antes mesmo de “filmes de espionagem” serem inventados. E todos esses feitos eram reservados na época aos homens, algo que permanece um século depois.

Suspiria (Dario Argento, Itália, 1977, em DCP 4K)
Dario Argento reescreve a noção da “donzela em apuros” num filme de horror de forte tom vermelho. Nesta fábula de cores surrealistas, Jessica Harper se imortalizou na pele da heroica Suzy Bannion, uma jovem dançarina norte-americana que vai à Europa para ter aulas numa companhia de balé povoada por bruxas e seres fantásticos.

Tudo que o Céu Permite (All That Heaven Allows, Douglas Sirk, EUA, 1955, em DCP)
O romance entre Cary Scott (Jane Wyman), viúva bem-sucedida, e o jardineiro Ron (Rock Hudson), bem mais jovem que ela, por algum motivo é inaceitável para seus filhos, amigos e conhecidos. Douglas Sirk faz aqui um melodrama definitivo acerca do olhar da sociedade sobre a mulher na classe média americana dos anos 1950 e também um estudo imperecível sobre amor e preconceito.

Uma Canta, a Outra Não (L’une Chante, L’ Autre Pas, Agnès Varda, França, 1977, em DCP)
Pomme ajuda Suzanne a interromper uma gestação indesejada, num primeiro episódio para a encantadora trajetória de cumplicidade entre estas duas amigas, por meio da qual Agnès Varda, cineasta das mais importantes e queridas, fornece tanto o que o movimento de mulheres nos fazia aprender quanto olhar justo e cortês. Atenção para as passagens musicais.

Vítor ou Vitória? (Victor/Victoria, Blake Edwards, EUA, 1982, em DCP)
Em encontro delicioso entre Blake Edwards e Julie Andrews, a atriz é a cantora Vitória (ou Vítor?), que se transforma em homem para ganhar os palcos da Paris de 1930. Comédia romântica divertida como poucas coisas já vistas, este retrato da transição é fino exemplo de uma Hollywood pautada então pela redescoberta das identidades.

SESSÕES ESPECIAIS

Contatos Imediatos do 3o. Grau (Close Encounters of the Third Kind, Steven Spielberg, EUA, 1977, em DCP 4K)

Vá e Veja (Idi i Smotri, Elem Klimov, Rússia, 1985, em DCP 4K).