Janela de Cinema 2018: O reencontro com Central do Brasil, 20 anos depois

Fernanda Cred Paula Prandini

Rever Central do Brasil em tela grande é reencontrar um outro Brasil, um país com um potencial afetivo de coesão, cooperação e amizade, que convive com uma miséria endêmica e com desrespeito com negros e pobres. A versão restaurada do longa de Walter Salles foi exibido no Cine São Luiz, no Recife, dentro do Janela Internacional de Cinema, no último sábado (10).

Lançado em 1998, Central do Brasil tornou-se a principal vitrine de um cinema brasileiro renascido da tumba. O país saía de um dos seus piores momentos após o arrocho das políticas do governo Collor. Feito em parceria com produtores franceses, o longa tinha também o apelo do reencontro do país com suas raízes ao adentrar o sertão para falar de fé, amizade. Mas seu sucesso também se deve ao seu apelo universal de humanidade, da capacidade de empatia com o outro.

O longa mostra Dora, uma professora aposentada (Fernanda Montenegro), que trabalha escrevendo cartas para analfabetos na estação Central do Brasil. Ela conhece um menino, Josué (Vinicius de Oliveira), que perde a mãe em um acidente e decide ajudá-lo a encontrar seu pai.

O sucesso foi enorme e o longa foi premiado com o Urso de Ouro no Festival de Berlim, além de ter rendido uma indicação ao Oscar de melhor atriz para Fernanda Montenegro (a única até hoje). Vinícius de Oliveira, que foi descoberto por Walter Salles enquanto engraxava sapatos no aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, é parte essencial do longa, pois sua interpretação bastante autêntica é potencializada pelos planos fechados. Esse cinema de lágrimas ainda hoje provoca catarse nas plateias – era possível ouvir o assoar de choros no São Luiz em diversas cenas. A sequência final, com sua reviravolta, ainda hoje permanece arrebatadora como verdadeira experiência fílmica.

“Dolorosamente, aquela história ainda é a história de hoje”, disse Fernanda Montenegro na primeira exibição da cópia restaurada, no Festival do Rio. De fato, a desigualdade social, a pobreza e as relações de classe ainda seguem presentes hoje. Mas rever o longa é perceber como transformações nas relações trazidas pela tecnologia teria dado outro rumo ao filme. A começar pelas cartas, que conduzem a história. O WhatsApp e o Facebook hoje estão presentes no cotidiano de forma intrínseca, quase tóxica, mas têm aproximado familiares que perderam laços.

Mas a saga em busca de alguém querido ainda conserva uma força transformadora. Mesmo com a internet, percorrer distâncias para reencontrar pessoas ainda é muito forte. Mas Central do Brasil vai além dessa busca e é por isso que mantém sua relevância na discussão da complexidade do Brasil, 20 anos depois. O filme propõe um debate com um Brasil antigo com outro em transformação, mas expõe uma série de problemáticas, a começar pela desigualdade social e violência. O imaginário popular, da religiosidade, sedimenta a trama.

central negativo17 Cred Ricardo Sá
Fernanda Montenegro e Marília Pêra em cena do filme. (Foto: Ricardo Sá).

A cópia restaurada também propõe um reencontro do público com uma temperatura e ruído muito particular do longa. A fotografia de Walter Carvalho trazia um calor que tornou célebres várias cenas, como a memorável briga de Josué e Dora na romaria e a cena final com o rosto do menino em close. O som é um espetáculo nessa nova versão, sendo possível perceber a profusão de vozes e barulhos que criam uma orquestra cacofônica e bela nas cenas iniciais na estação de trem. A música de Jacques Morelenbaum também ajudou a transformar Central do Brasil em um clássico e aqui ganhou ainda mais destaque.

Esses detalhes acabaram se perdendo nas cópias que vimos na TV nesses últimos anos. Como parte do público não teve oportunidade de ver o filme em cópia 35mm nos cinemas à época, a remasterização propõe um encontro com boa qualidade para os novos espectadores.

A versão digitalizada de Central do Brasil respeita o formato panorâmico (2.35) em que foi filmado por Walter Carvalho, em Super 35. O DVD do filme terá extras como o documentário “Socorro Nobre” dirigido por Walter Salles (1995, 23’) e fotos da filmagem feitas por Walter Salles, Walter Carvalho, Paula Prandini e Ricardo Sá. Também está previsto o lançamento em Blu-Ray e sessões nos cinemas no circuito comercial.

Fernanda e Vinicius cred Walter Salles