Janela de Cinema 2014: Casa Grande e as tensões sociais nossas de cada dia

casagrande
Foto: Divulgação.
Foto: Divulgação.
Foto: Divulgação.

O filme Casa Grande, de Fellipe Barbosa, que passou em competição no Janela Internacional de Cinema do Recife, nessa quarta (29), no Cine São Luiz, faz parte da filmografia brasileira atual que se debruça a refletir sobre as pequenas tensões das lutas de classe no Brasil. Temos bons exemplos como O Som Ao Redor, de Kléber Mendonça Filho, Doméstica, de Gabriel Mascaro, Eles Voltam, de Marcelo Lordelo, No Meu Lugar, de Eduardo Valente, entre outros.

Leia Mais
Turistas é thriller familiar tenso e divertido
Permanência, com Irandhir Santos, traz a dor de se lembrar
Poesia e alegorias do crescimento do Brasil marcam estreia

O diretor mostrou o cotidiano de uma família rica do Rio de Janeiro que passa por um processo de decadência. Em meio a isso, o filho mais velho, o adolescente Jean (Thales Cavalcanti), passa a quebrar a bolha de superproteção e alienação da classe média alta.

O casal Sônia (Suzana Pires) e Hugo (Marcello Novaes) começa a lidar com o fato de que não poderão mais manter o estilo de vida luxuoso e passam a cortar gastos. Demitem o motorista, pedem que os filhos andem de ônibus e diminuam o consumo de energia. Em meio a isso, vemos que o status entre patrões e empregados fica abalado. Barbosa busca nas sutilezas das cenas uma saída para não cair no discurso raso e panfletário do rico insensível versus o pobre batalhador. Há também uma tentativa de não soar moralista e demagogo neste assunto tão complexo.

Casa Grande funciona pelo fato de colocar o espectador em contato direto com o olhar de Jean, um garoto de 17 anos que se prepara para encarar o vestibular e a vida adulta. O mal estar gerado pelas relações de poder, bastante confusas em meio à crise econômica, se mistura com os problemas típicos da adolescência, como a descoberta do primeiro amor e a libido à flor da pele. Ele passa a viver experiências que desafiam o estilo de vida imposto por sua família. Em um ônibus na volta para casa conhece uma garota de escola pública por quem se apaixona. Filha de uma negra com um descendente de japonês, ela representa no filme um arquétipo da miscigenação brasileira.

Em um determinado momento durante um churrasco, as tensões explodem quando o assunto passa a ser as cotas raciais nas universidades. Neste momento, a garota, que até então tinha um protagonismo muito interessante, se revela apenas como uma muleta para servir de prova no discurso do diretor. Quando Casa Grande abandona as sutilezas e o tom natural experimentado até aqui, ele acaba tropeçando naquilo que tentou fugir desde o início: o debate simplista sobre conflitos sociais. Ao sair daquele universo familiar que estava tão bem representado, o longa falha ao tentar dar conta de tantos temas.

No entanto, a maior parte do filme é carregada de humor e delicadeza, sustentado por um elenco muito bom, que ganha destaque em diversos momentos. A melhor surpresa foi a atriz pernambucana Clarissa Pinheiro, empregada doméstica que reside na mansão e que trata com desenvoltura as condições sociais que lhe são impostas. Fala palavrão nas alturas, dá em cima dos amigos do filho do patrão e brinca de seduzir Jean quando ele vai em seu quartinho em busca de sexo. É Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, revisitado.

O filme é bem representativo do atual momento do Brasil e cumpre bem sua proposta de também ser um filme sobre amadurecimento. O presente não permite mais a ninguém se manter à margem das mudanças no país, sejam boas ou ruins.

O filme estreia em circuito comercial no dia 4 de dezembro deste ano.

Encontrou um erro? Fale com a gente

Editor