Jiro Taniguchi e a experiência de comer como narrativa em O Gourmet Solitário

Mangaká passeia por cidades japonesas experimentando diferentes pratos ao mesmo tempo em que faz uma imersão na cultura e costumes locais

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Foto: Reprodução.
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O prestígio e sucesso do mangaká Jiro Taniguchi (1947-2017) (tanto no Japão quanto no Brasil) dão uma dimensão da diversidade narrativa e estética dos mangás. Sua obra é baseada na observação e na captura de aspectos cotidianos que muitas vezes apenas perpassam as tramas nas obras em geral. Outro ponto destacado de seu estilo é a experiência vivida no caminhar, nos longos passeios através de cenários comuns, nada extraordinários, mas que escondem belezas e surpresas que a nossa vida em eterno estado de tensão nos priva.

O Gourmet Solitário, livro de Taniguchi em parceria com Masayuki Kusumi , que a Devir lançou no início deste ano, cumpre todos os requisitos artísticos de uma típica obra do autor. No livro, o protagonista perambula pelos restaurantes de diversas cidades do Japão. Com um paladar apurado, mas afeito a diferentes sabores, dos populares aos mais sofisticados, ele experimenta diferentes pratos em todo tipo de restaurante. Através desses pratos, o personagem percorre memórias e reminiscências, além de permitir uma análise sobre a cultura local.

A obra de Taniguchi revela um desejo genuíno em se reconectar com aspectos positivos da cultura e das tradições, como uma tentativa de compreensão sobre o ser humano e seu lugar na sociedade. Seu trabalho também revela um fascínio sobre a natureza e os espaços públicos, mas sem manter um distanciamento. Ao contrário: Taniguchi interage e se coloca como parte desse meio o tempo inteiro, levando ao leitor um pouco dessas descobertas, das coisas fugidias.

O Gourmet Solitário também tentar buscar essas experiências, levando à trama uma tentativa de revelar os prazeres da comida e todo o ato social que a envolve. Há até mesmo uma espécie de sinestesia em alguns momentos, com a presença de sensações que vão desde as texturas e cheiros até o incômodo e tensão vivenciados em determinados restaurantes e locais onde o protagonista eventualmente come.

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Esta é a segunda vez que a obra chega ao Brasil, porém agora em formato integral. (Divulgação).

Mas o interessante da obra é que a experiência assume um plano superior dentro da narrativa: a gastronomia tem status de protagonista, com descrições e algo próximo da construção de personagens. A experiência do lugar, o sabor e os pratos não são atalhos para falar de determinados temas, nem mesmo metáforas. São o que são. Cada capítulo mostra a visita do narrador, um executivo de meia idade, a um restaurante em uma cidade diferente onde conhece um determinado prato. “Unadon de Akabane, Bairro de Kita, Tóquio” e “Tokoayki de Nakatsu, Cidade de Osaka” são alguns dos exemplos trazidos no livro. E esse naturalismo é um dos aspectos que tornam a obra de Taniguchi tão interessante. Seu estilo carece de recursos narrativos como embate e superação de conflitos, mas ganha em uma exuberância estilística ao colocar o leitor em movimento apenas para curtir e acompanhar seus longos passeios.

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A gastronomia como personagem. (Reprodução.)

Considerado um dos mais europeus dos autores japoneses de quadrinhos, Taniguchi descobriu nos anos 1970 a bande dessinée (como são chamadas as HQs em países como França e Bélgica) e passou a investir em um traço inspirado na linha clara de nomes como Hergé (Tintim) e Moebius (A Garagem Hermética, entre outros). Até então um autor prolífico de gêneros como suspense e erotismo, sempre em parceria com outros autores, ele passou a construir uma bibliografia bastante autoral a partir dos anos 1990. Foi por esse período que suas maiores características, citadas neste texto, foram desenvolvidas.

Este O Gourmet Solitário saiu (mas não integral) como O Gourmet, pela editora Conrad em 2009. Mas sua principal obra chegou apenas em 2017, O Homem Que Passeia (Devir), praticamente uma carta de intenções do estilo do autor. No ano seguinte a Pipoca e Nanquim lançou o belo Guardiões do Louvre, que mostra uma visita onírica pelo Museu do Louvre na França. Há ainda obras mais antigas do autor que saíram pela Panini em 2006 e 2008, mas bastante difíceis de encontrar, Seton e O Livro do Vento.

A presença de Taniguchi no mercado de mangás mostra como estamos bem servidos de estilos e diferentes narrativas neste meio tão rico. E ver um trabalho que pede um freio para garantir a imersão na experiência proposta pelo autor é mesmo impressionante.

O GOURMET SOLITÁRIO
[Devir, 200 páginas, R$ 45 / 2020]
Tradução: Arnaldo Oka

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