Joana Coccarelli: Rock N’Roach

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ROCK N´ROACH
Por Joana Coccarelli

a outra coisa boa de ter gatos é que eles são excelentes caçadores de baratas. quando surge uma em casa, eles a perseguem e letra a) a destroçam e comem ou b) ficam de tocaia aonde quer que ela se esconda, evitando que ela desapareça fortuitamente. a letra b é de tremenda vantagem, tendo em vista que o princípio primeiro quando da aparição de baratas no ambiente doméstico é jamais descansar até matá-la, evitando que ela tocaie você.

noite dessas deparei-me com meus gatos ferdinando, mercedes e eugênia escoltando uma barata pelo corredor. quase bati a cabeça no teto de susto mas nada foi capaz de detê-los. apavorada como de costume em situações dessa estirpe, minha capacidade de raciocínio foi fechada e meus instintos imploravam para que algum dos felinos jantasse o inseto. que acabou contando com a sorte e se enfiou habilmente debaixo da balança do banheiro. bem em frente da porta do armário onde eu guardo o inseticida. eu estava encurralada.

andei em círculos nervosos pela sala praguejando de pavor até que recuperei, lá do fundo do meu ser, a coragem obrigatória às mulheres auto-suficientes numa circunstância semelhante. mas não sem antes cogitar chamar o porteiro. os gatos ainda eletrizados ao redor da balança e pensei, meio balzaquiana demais para pedir socorro. onze anos de dona de casa. então saltei da porta do banheiro direto pra cima da pia e abri a porta do armário, que quase batia na balança. saquei o inseticida, espantei os gatos enquanto agitava o tubo, apontei o cabo especial para frestas embaixo da balança e apertei o spray.

a barata saiu encharcada do outro lado, deu alguns passos já muito tonta e tombou de barriga pra cima logo depois de ultrapassar o tapetinho. despejei mais uma nuvem de veneno sobre ela, aquele jato aflito com gostinho extra de vitória, até que as antenas grudaram no chão. era cascuda. não era a maior do mundo, mas tinha vigor. tinha potencial. o que me causou especial aversão foi o tom castanho mais escuro que o habitual. admito gostar do acaju das baratas, mas jamais o castanho.

então a segunda e não menos temida etapa: catar a barata e jogá-la fora. dessa vez a opção porteiro foi levantada com um pouco mais de força – houve um precedente há anos atrás, quando seu joão ganhou duas latinhas de cerveja. na vez seguinte, joguei um chinelo sobre o corpo da barata morta e esperei até que a faxineira o encontrasse, dois dias depois. não dessa vez. trinta e dois anos na cara. sem contar que silvia, a faxineira, só voltaria em uma semana.

precisava criar o máximo de camadas entre a minha mão e o inseto – algo que satisfizesse minha real necessidade de isolamento psicológico de tudo de abjeto que ele representa para a mulher média em geral. peguei a luva de borracha da cozinha, aquela que se usa para tirar coisas quentes do forno; e desenrolei quase vinte metros de papel higiênico. de olhos fechados, lamuriando, catei a barata. joguei o papel com o bicho na privada e puxei a descarga mais profunda que os ladrilhos da parede já viram.

por fim limpei as poças de inseticida do banheiro, mas o horror de toda a interação ainda me acompanhou até a hora de apagar a luz.