Juízo

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MENINOS INFRATORES NA BERLINDA
Documentário de Maria Augusta Ramos dialoga com ciclo de filmes que versam sobre as agruras do sistema judiciário brasileiro
Por Raphaella Spencer

JUÍZO
Maria Augusta Ramos
[Brasil, 2008]

Alguns diretores dedicam parte de sua filmografia a dissecar um tema, como o diretor José Padilha que antes durante a realização de Onibus 174 (2002), sentiu a necessidade de aprofundar ainda mais a discussão sobre as questões que surgiram no documentário e que lhe levaram até a realização de Tropa de Elite. No caso dos dois documentários mais recentes de Maria Augusta Ramos – o primeiro Justiça (2004), também lançado em DVD e o recém-lançado Juízo (2007) – procuram estabelecer um panorama geral da posição de “enxuga gelo” do sistema judiciário brasileiro.

Na sala de julgamento, os juízes alí no meio do quadro (composição recorrente no filme que tem cameras estáticas o tempo todo) não são os protagonistas, mas sim os intermediariários entre um ambiente social que empurra uma parcela da população para a marginalidade e um sistema punitivo que não re-socializa, apenas excluí ainda mais essas pessoas.

O primeiro filme, Justiça, acompanhou o julgamento de alguns réus do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Os personagens são presos comuns que, na sala de julgamento, onde se passa a maior parte da ação do filme, são tratados pelos juízes de forma homogênea como vários rostos de um mesmo delinqüente. Mas nada é tão explícito, Justiça escolheu para sí um formato observativo, sem entrevistas ou intervenções.

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Da cidade de Deus e Bangu os atores recrutados ensaiaram no Instituto Padre Severino

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Em Juízo a opção de formato é a mesma, mas uma mudança significativa acontece: o foco, agora, são os menores infratores. Na busca pela humanização desses jovens, sempre tratados pela mídia como mais um fardo de tarja preta (como no cartaz do filme), a diretora preferiu substituir os infratores que estavam realmente sendo julgados, por jovens que os interpretariam somente em trechos nos quais aparecem de frente, respondendo as perguntas da juíza. Segundo a diretora, nessas cenas eles são interlocutores fiéis, reproduzindo exatamente o que foi dito no julgamento do personagem real (o julgamento real é a maior parte do que vemos, onde juíz, advogados e familiares aparecem de frente).

Os jovens que atuam no filme foram selecionados a partir um casting com mais de 100 crianças feito nas comunidades de Bangu e Cidade de Deus, nenhum deles tinha nenhuma experiência como ator e todos vivem em situação de risco convivendo com a miséria e a presença constante do tráfico.

Esses jovens também encenam como seriam suas rotinas dentro do Instituto Padre Severino, unidade para cumprimento de internação provisória. Trancados em dormitórios sujos, húmidos, cheios de ratos e sem colchão suficiente para todos, eles simulam uma interação tediosa, de jovens ociosos, cuja maior “ocupação” é esperar o tempo passar. Mais uma vez o fato desses jovens terem rostos faz toda a diferença, humaniza e dá personalidade a meninos que dentro dessas instituições passam por uma padronização (todos raspam o cabelo na entrada, recebem a mesma farda, um número de matricula, são obrigados a levar o mesmo tempo para comer e se saciar com a mesma quantidade de comida).

posterJuízo é um documentário que dialoga com produções anteriores também interessados em discutir a perspectiva que o nosso país oferece a seus jovens. Dá para citar alguns importantes como o Pro Dia Nascer Feliz (2007), de João Jardim, sobre a educação vista pela ótica de vários alunos de escolas públicas e particulares por todo o Brasil e o Notícias de uma Guerra Particular (2001) de João Moreira Salles e Kátia Lund, sobre a luta entre polícia e traficantes nos morros cariócas. Todos eles vão fundo na analise de seus temas, dão nomes e caras aos envolvidos e nos levam a uma experiência inesquecível. Consolidando o papel transformador que o cinema pode exercer sobre o público que, em meio a tantos filmes-produtos, feitos apenas para ser degustados com pipoca jumbo, acaba sendo esquecido.

NOTA: 7,0

Juízo – Trailer