O Lugar Dissonante

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TORRE DISSONANTE
Recife recebe na Torre Malakoff as inquietações da segunda mostra do 47º Salão de Artes Plásticas de Pernambuco
Por Raíza Cavalcanti

A voz, o ruído, a imagem e a tecnologia são os principais ingredientes de O Lugar Dissonante, a segunda mostra do 47º Salão de Artes Plásticas de Pernambuco. Em exibição desde a última quarta (03/06), na Torre Malakoff, sete artistas apresentarão trabalhos que, em comum, possuem uma estreita relação entre arte e diferentes manifestações tecnológicas. A exposição contou com a curadoria de Clarissa Diniz (PE) – jovem crítica de arte e pesquisadora, editora da Revista Tatuí – e de Lucas Bambozzi (SP) – artista reconhecido no Brasil e exterior por sua vasta produção em videoarte, videoclipes, instalações, entre outros. O período de visitação vai de 04 de junho a 26 de julho.

O Lugar Dissonante dá continuidade a um diálogo com o urbano iniciado na primeira exposição do 47º Salão por Derlon relações com o grafite e a xilogravura. A problematização, agora, tem foco na tecnologia e nas possibilidades desta de interagir com o social de forma menos virtual. Todos os trabalhos da mostra convidam o público a realizar mais do que uma interação, mas a se inserir neles. A obra Teia, do artista Paulo Nenflídio(SP), por exemplo, é uma espécie de máquina produtora de som composta por um aparelho sensível ao toque e de uma rede de fios de cobre que se ligam à caixas sonoras. O som só é ativado na medida em que o expectador se aproxima do sensor e, à cada movimento feito, são produzidas emissões sonoras diferentes. Para se realizar, o trabalho de Nenflídio precisa da participação e imersão do outro.

Da mesma maneira, o trabalho Ouvidoria, dos artistas Lourival Cuquinha e Thelmo Cristovam, convidam o público a, mais do que interagir, ser parte da obra. Durante a mostra, telefones públicos instalados no pátio interno da Torre estarão realizando ligações gratuitas. Porém, todas as conversas realizadas nesses orelhões serão gravadas, mixadas e transmitidas na sala expositiva. Da mesma forma que Teia, Ouvidoria precisa da ação e da voz do expectador para se realizar. Este trabalho problematiza, ainda, a relação entre público e privado ao transformar em parte da exposição as ligações particulares realizadas pelos participantes.

Por sua vez, Giselle Beiguelman (SP), em parceria com o músico Maurício Fleury, explora a tecnologia do telefone móvel e do QR code para produzir som a partir da participação do público em Suite 4 Mobile Tags. A obra é uma espécie de ready-made, à maneira de Duchamp: celulares com câmera, dotados do QR code, serão usados para interagir com outros na mesma condição e, assim, produzir som. O simples contato de um aparelho com o outro ativa o código que irá produzir várias sonoridades distintas. Dessa maneira, o celular, deslocado do seu uso comum de comunicação, torna-se praticamente um instrumento musical.

O artista Fernando Velázquez (Uruguai) irá interagir com a internet e suas redes sociais virtuais em seu trabalho Your Life, Our Movie. Ele criou um sistema que gera vídeos com imagens retiradas do flickr (site de relacionamento onde são armazenadas e compartilhadas fotos entre os participantes) a partir de palavras-chave digitadas pelo expectador. Haverá um computador on-line no espaço expositivo no qual o público poderá acessar o sistema criado por Velázquez e criar filmes diversos, gerados em tempo real a partir das fotografias encontradas no flickr. Os vídeos serão resultado de recombinações entre as trilhas sonoras inseridas no sistema e as imagens encontradas no site.

Ricardo Carioba (RJ), criou um cubo gráfico planificado (aberto), no qual, projeção de animações gráficas e áudios gerados sinteticamente, pretendem provocar um efeito sinestésico no expectador. À medida em que o som se modifica, a imagem projetada também vai mudando, sendo, em um momento, uma grade que se multiplica infinitamente e, em outro, um objeto mais unido. Esse movimento acaba por gerar uma tensão no expectador, que vê-se completamente inserido em um ambiente amplamente sensorial e, ao mesmo tempo, esvaziado. A interação proposta pelo artista nesse trabalho se dá no campo reflexivo. O conflito entre sinestesia e esvaziamento pretende provocar no público um voltar-se para si.

Cada um à sua maneira, todos esses artistas e trabalhos trazem questionamentos sobre a tecnologia e os fatores a ela associados: o caráter de instantaneidade, virtualidade versus presença, público e privado, por exemplo. Em cada um, é possível encontrar dissonâncias – conflitos – e, também, encontros. Segundo os curadores da mostra, todas as obras apresentam possibilidades tecnológicas que incitam a internet (e outras tecnologias) a chegar ao espaço público, ao ambiente da vida real, da cidade e do museu. Lugar Dissonante é uma mostra que explora todos os sentidos; estimula a ligação entre arte, imagem e som, trazendo para os expectadores novas idéias e usos possíveis para uma tecnologia mais criativa e social.