Eduardo Coutinho (1933 – 2014) e o cinema de palavra

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Foto: Moods/Divulgação/PortalSesc.
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A ESCUTA DO OUTRO
Eduardo Coutinho, morto nesse domingo, explicou seu cinema que consistia, basicamente, em saber ouvir: “a palavra é mais visceral”

Por Alexandre Figueirôa*

O cineasta Eduardo Coutinho concebia o documentário como uma prática da “escuta do outro”. Seu estilo, quase minimalista, evitava o uso de imagens meramente ilustrativas e a incorporação de qualquer elemento que não estivesse ligado ao próprio momento da captação. Para ele o documentário era um extraordinário “acontecimento verbal” que se dava num encontro único e instantâneo. Com a palavra Eduardo Coutinho:

“Para mim fazer um documentário é provocar a fala. O ato de falar é extraordinário porque é, sobretudo, um ato de palavra. É essa palavra que valorizo, é dessa palavra que são produzidas as imagens. Assim como você pode ver a palavra, você pode ouvir a imagem. É por isso que me recuso a usar imagens óbvias apenas para confirmar ou ilustrar falas. A palavra é geralmente mais visceral. E a imagem, quando entra, não pode ser adjetiva.

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O modo como trabalho com a imagem é decorrência da minha concepção de documentário como um encontro. Se o essencial é a relação, é nela que preciso me concentrar. No início da filmagem ainda posso observar um, dois tipos de planos que o câmera está usando, depois, nem olho mais para ele. Preciso estar inteiramente entregue a essa ligação, olhando para a pessoa, tentando sentir o que ela está sentindo e tentando passar para ela o que estou sentindo, se estou gostando, se não estou gostando. Além do mais porque mudar a câmera de uma posição para outra?

“Para mim não adianta um câmera genial que não escuta”
– Eduardo Coutinho

Eu nunca sei o que vai acontecer nesse encontro. Prefiro então que em todos esses filmes a câmera fique imóvel; a única mudança se dá em relação ao tamanho da imagem, variando o enquadramento de um close a um primeiro plano ou outro mais aberto. O que depende geralmente da intuição e sensibilidade do fotógrafo. Para mim não adianta um câmera genial que não escuta. Ele precisa ser tão delicado com o outro como eu sou. Se toda equipe não estiver entregue, não dá certo.

A prioridade que dou a essa relação também se reflete em outros aspectos da filmagem. A iluminação que uso, por exemplo, tem de ser rápida: não pode demorar muito para ser preparada para não impacientar o personagem, nem pode matá-lo de calor durante o depoimento. O personagem também não vai gravar sentado num determinado lugar só porque é bonito; é preciso também que seja confortável para que ele fique à vontade. Se ele não está bem, nada pode acontecer. Todo nosso esforço então é dirigido à produção desse momento de fala. É dedicado a permitir que, naquele instante e naquele espaço quase ‘sagrados’, se produza algum milagre humano e que, no milagre desse encontro, a própria pessoa construa seu retrato de uma forma maravilhosa.”

* Trecho de entrevista realizada por Alexandre Figueirôa, Cláudio Bezerra e Yvana Fechine em fevereiro de 2003 e publicada pela revista Galáxia do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da PUC-SP.

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