Papo com Marina Lima, que lança songbook e novo EP: “Me vejo como acho que qualquer pessoa deveria ser: honesta em relação às coisas que importam”

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Marina sempre foi bem resolvida (Foto: Candé Salles / Divulgação)

Os amores, questões e vivências dos LGBTI+ sempre alimentaram a música brasileira, muito antes do movimento se consolidar e estar presente nas ruas. O mês de junho é marcado pelas celebrações relacionadas ao Dia Internacional do Orgulho LGBTI+, comemorado no dia 28. O orgulho, a trajetória de luta e os novos desafios que a comunidade enfrenta hoje no Brasil são tema de uma série de entrevistas especiais realizadas pelo O Grito! para marcar essa data. E a primeira participação é da cantora e compositora carioca Marina Lima, uma das primeiras cantoras a se assumir lésbica, aos 18 anos, dentro do cenário musical brasileiro.

Marina é a estrela que ajudou a renovar a MPB dos anos 1980, sendo a intérprete de hits como “Fullgás”, “Criança”, “Uma noite e 1/2” e “Eu te amo você”. Sua história foi iniciada em 1979, com o disco “Simples como fogo”, aos 24 anos, e abalada na década de 1990, quando uma depressão a fez perder a voz.

Uma das artistas mais importantes na representação LGBTI+ na MPB, Marina subverteu a heteronormatividade ao regravar a canção de Erasmo Carlos, mantendo a figura masculina no refrão: “Mesmo que seja eu / Um homem para chamar de seu”. A canção, no álbum Fullgás (1984), com Marina cantando no refrão que o homem certo era ela, veio ao encontro deste mesmo imaginário, ainda que ela tenha tantas outras canções mais diretas, como “Não Estou Bem Certa”, “Na Minha Mão” e “Anna Bella”.

“Se todo mundo é mesmo gay, o mundo está na minha mão. Coração, coragem, pra qualquer viagem, pra qualquer sermão”, o trecho da música “Na minha mão” (do disco Pierrot do Brasil, de 1997), composta e interpretada por Marina diz muito sobre a garra e a coragem da cantora. 

Apesar do momento de “horror chegou por aqui, por todos os lados, e nós nesse trem, com um vírus mais matador que eu já vi”, como canta em “Nóis”, canção que faz parte do seu EP Motim, lançado no fim de abril, Marina está muito bem. “Eu acredito num futuro bem vivido e gostoso, se eu mirar nos alvos certos”, conta essa “virginiana sonhadora”, como ela mesma se define.

No mundo, há milhões de siglas, algumas talvez nem tenham sido inventadas, vamos inventá-las então para caber todo mundo. É assim que acho que o mundo tem que funcionar.

O lançamento do EP foi simultâneo ao livro Marina Lima música e letra. O songbook celebra um ciclo de 21 discos e contém partituras e letras de 175 canções compostas, interpretadas e com arranjo da artista. Tudo digital, didático e gratuito. “O tesouro da minha obra encontra-se nos meus 21 discos”, revela a cantora.

Ah, e Marina fez um post nas redes sociais a favor da vacinação em massa contra o coronavírus. “Vacina Já! Gratuita, pelo SUS e para todos!”, escreveu na legenda da publicação, com direito a diversos elogios. Conversamos com Marina sobre carreira, seus mais recentes trabalhos e sobre representação LGBTI+. Confira:

Como você tem passado esses meses todos de pandemia?

Gritando! rs… Tô só brincando com o nome da revista. Eu tenho estudado, tocado, lido e assistido documentários e filmes na TV.

Vamos falar sobre o EP “Motim”. Como o trabalho surgiu?

Surgiu porque eu não queria lançar um songbook já com os 21 álbuns e paralelamente lançar outro álbum. Eu achei que era informação demais. Ninguém tem tempo pra nada, há uma demanda enorme de tudo que é lado, agora um EP contém apenas quatro canções, eu acho que essas quatro canções novas poderiam gerar mais interesse.

Em “Pelos Apogeus”, você fala sobre a vida de forma poética e autobiográfica. Qual sentimento da vida após ter vivido seis décadas e meia?

Olha, é um enorme amor. Pelo passado, pelo presente e pelo futuro que estou traçando… Eu acredito num futuro bem vivido e gostoso, se eu mirar nos alvos certos.

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Capa do songbook “Marina Lima – Música e letra” (Foto: Arte de Renato Gonçalves / Divulgação)

E de onde surgiu a ideia de se fazer um songbook? Como foi realizada a seleção das músicas?

Não foi realizada, são todos os discos. Não há exceção. São todos os 21 discos, de cabo a rabo, a minha obra. Eu vou lhe contar um segredo: o tesouro da minha obra encontra-se nos meus 21 discos e não só nas canções que compus. Ali reside o ouro da minha obra.

A respeito dos palcos, você pretende continuar na ativa, quando for possível?

Nossa! Essa até doeu… Nunca pensei… É claro que pretendo! Um show sempre pode ser uma das melhores noites da sua vida.

Você sempre falou abertamente sobre a sua sexualidade e isso acabou influenciando muitas gerações. Você se vê como esse símbolo?

Olha, me vejo como acho que qualquer pessoa deveria ser: honesta em relação às coisas que importam. Se isso vai dar em símbolo, muitos amigos ou inimigos, não sei. No mundo, há milhões de siglas, algumas talvez nem tenham sido inventadas, vamos inventá-las então para caber todo mundo. É assim que acho que o mundo tem que funcionar.

 Você também falou sobre conhecer novos artistas. Quem essa nova geração você escuta?

Letrux, Alice Caymmi, alguns rappers… Pablo Moraes, por exemplo.