Iara Lima: Quando cobri a passagem de Amy Winehouse pelo Recife

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PORRA, AMY!!!
A minha impressão foi a de que ela estava na carreira errada. Funciona magistralmente no estúdio. Na vida real, nem tanto

Por Iara Lima
Colunista da Revista O Grito!

A primeira vez que ouvi Amy Winehouse fui uma vítima feliz de um impacto estrondoso. A música era “My Tears Dry On Their own”. Foi um tapa na cara, um soco direto na boca do estômago, uma experiência inesquecível. A música me lembrava muito o grande Marvin Gaye em ‘Ain’t no Mountain high enough’. Som Black, elegante, uma banda de responsa e uma voz irrepreensível.

Back to Black é um disco unânime. E que me perdoe Nelson Rodrigues ao dizer que toda unanimidade é burra. Back to Black prova o contrário. Amy e os Dap Kings sem dúvida colocaram muito de alma, coração e foi um desses felizes encontros que a música promove vez por outra nessa vida besta de meu Deus.
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Por essas voltas que o mundo dá, Amy veio cantar no Recife. E a vida é tão irônica que caiu nas minhas mãos a honra e o desafio de fazer a assessoria de imprensa desse show. Porra, Amy, cara! E olha que de toda a minha carreira profissional, o show de Amy foi, sem dúvidas, o que mais demandou atenção e esforço para atender aos colegas de imprensa e as exigências do management internacional.

O sonho de todo repórter: entrevistar a diva. Nada feito, entrevistas só com Janelle Monáe e Mayer Hawthorne. Tirei a dúvida com Sérgio Martins, crítico de música da Veja. “Sérgio, você vai entrevistar a Amy?”. Nada feito. Se nem Sérgio entrevistaria, quem dirá o resto dos mortais. A palavra de ordem era blindagem. Nada de entrevistas.

Na plateia, uma pá de engraçadinhos aplaudia cada rodopio cambaleante, aqueles mesmos imbecis que acharam que o preço do ingresso tinha valido a pena pelo tombo que ela tomou durante a apresentação

Às vésperas do show, mais uma proteção. As TVs não foram autorizadas a filmar. Para atender à imprensa, a Raio Lazer, produtora do show, contratou a equipe da Ateliê para fazer a captação de imagens, montou uma ilha de edição no backstage e, antes do show terminar, distribuiu as imagens pré-editadas e aprovadas pelo management internacional.

No palco, Amy era frágil. Uma menininha assustada com pânico de multidão. No fundo, acho que ela esqueceu que o público era parte determinante da carreira. E a minha impressão foi a de que ela estava na carreira errada. Funciona magistralmente no estúdio. Na vida real, nem tanto. E ela, a vida real, costuma ser bem menos gentil com o stafe do showbusiness. Os que fazem sucesso na vida profissional e real são sim, uns vencedores dignos de desfrutar suas conquistas.

Na plateia, uma pá de engraçadinhos aplaudia cada rodopio cambaleante, aqueles mesmos imbecis que acharam que o preço do ingresso tinha valido a pena pelo tombo que ela tomou durante a apresentação. Esqueceram que o papel do público, dos fãs, é apoiar o ídolo. Um amigo de verdade ajuda o outro a se levantar, simples assim.

Coincidentemente na noite passada estávamos em uma farra doméstica dessas que eu adoro. Na discotecagem do Ipod, ele não poderia faltar: Back to Black tocou inteiro e todos nos levantamos meio trôpegos dos sofás às 3h da matina com nossas doses de whisky na mão. Amy fazia isso. Conseguia levantar a multidão. Gostaria que também ela tivesse podido se levantar dos tombos que tomou na vida.

Porra, Amy! Piada clichê de mau gosto essa: morrer aos 27? Pra ser inesquecível? Pra quê? Poderia ter fugido à essa obviedade chula e nos impedir de dar adeus ao seu ninho de cupim pregado nos cabelos, à sua fragilidade fugidia e à sua performance musical.Infelizmente, as lágrimas nunca secam por si sós e fomos nós quem perdemos. À sua memória, uma dose farta de Whisky e duas pedras de gelo. Um porre homérico seria nada menos do que justa homenagem à sua lembrança. Descanse em paz.

*Iara Lima é jornalista e escreve crônicas e artigos neste espaço. Ela foi a assessora da passagem de Amy Winehouse pelo Recife em janeiro deste ano.

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