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Bruno segura totem com as marcas do evento. No ano em que completaria 30 anos, o FIG foi cancelado por conta da pandemia do Covid-19. Foto: Divulgação.

Um papo com o designer Bruno Veríssimo sobre a memória gráfica do Festival de Inverno de Garanhuns

Exposição virtual destaca o papel de designers e artistas gráficos na construção da relevância do FIG ao longo de 30 anos

O designer Bruno Veríssimo inicia uma série de publicações com FIG in Motion, uma exposição on-line das identidades visuais do Festival de Inverno de Garanhuns (FIG), na qual mostra a memória gráfica do festival por meio da intervenção. O público pode acompanhar a página, interagir e debater sobre os temas ligados ao FIG através do Instagram. “As marcas representaram bem as características do frio da cidade, os elementos da nossa cultura e a diversidade do Festival”, observa. 

Reconhecido nacionalmente pela diversidade de apresentações e exposições artísticas, o FIG 2020 foi oficialmente cancelado por causa da pandemia da Covid-19 que atinge todo o mundo. Tradicionalmente, o FIG acontece no fim do mês de julho. Este ano, o evento completaria 30 anos. O cancelamento foi confirmado em um comunicado da Secretaria de Cultura de Pernambuco (Secult-PE). O festival voltará a ser realizado no próximo ano. “Toda a energia criativa “reprimida” esse ano vai ser potencializada em 2021”, opina o designer, em entrevista à Revista O Grito!.

Bruno Veríssimo, que é mestrando em Design pela Universidade Federal de Pernambuco, compartilha suas experiências também sobre a obra de Luís Jardim, abordando a arte gráfica do festival de diferentes perspectivas. “uma lacuna são os artistas e designers por trás das marcas mais antigas, os quais estão totalmente no anonimato”. 

No nosso papo, Veríssimo falou sobre representatividade gráfica de Garanhuns no FIG, cenário de design de outrora e o atual e como tem sido lidar com o isolamento social na quarentena.

Vamos começar falando um pouco do seu novo projeto, o Fig In Motion? Como surgiu a ideia e qual o seu objetivo com esse trabalho?

Eu sou muito apaixonado pelo Festival, por ser de Garanhuns, por ter sido um dos meus primeiros contatos com arte e cultura pernambucana, o FIG sempre foi um formador cultural para mim. Então desde que eu finalizei meu TCC sobre as identidades visuais do FIG em 2016, eu tinha o interesse em mostrar esse material que eu coletei. O FIG in Motion surgiu num momento de isolamento e frustração criativa pra mim, eu tinha planos para o FIG desse ano que não puderam ser executados por conta do contexto da pandemia, então, por que não fazer algo virtual? As pessoas estão reagindo bem ao mundo online, só observar os sucessos das lives, das “festas virtuais” e dos trabalhos home office, então, nesse momento de ócio, quis aproveitar pra fazer algo em que eu pudesse movimentar minha rotina, aprender algo novo (o motion design) e, com isso, promover a memória do Festival, trazer com a nostalgia dos FIG anteriores uma esperança de dias melhores. 

Por que a decisão de compartilhar o processo criativo da obra na web?

Eu acompanho outros artistas que fazem o mesmo, pesquisando sobre a história de artistas e designers do século passado. Por exemplo, eu noto que é um grande trunfo da nossa geração poder acompanhar esses processos criativos, já que, antes a gente só tinha basicamente acesso à arte final, pronta, eu acho que isso cria uma rede de troca e inspirações muito rica.

Em 2018, a exposição Memória Gráfica do FIG fez parte da programação da 28ª edição do Festival de Inverno de Garanhuns. Qual intuito desse projeto?

Em 2018 fazia pouco tempo que eu tinha finalizado meu TCC, tinha sido um grande trabalho encontrar todas as identidades visuais do Festival, principalmente as mais antigas. Meu intuito era expor um pouco desse resultado pra quem, na minha opinião, mais tinha interesse nele, que era a população da cidade e os frequentadores do FIG. Eu sabia que pouquíssimas pessoas iriam ler minha monografia, mas eu tinha interesse em mostrar isso pras pessoas de uma forma mais acessível. Eu acho que cada um tem uma história com o Festival, a exposição ajudou a rememorar essas histórias através do design e das identidades visuais, as marcas do FIG são como uma fotografia de cada edição pra mim, um artefato de lembrança em que, ao ver, eu volto exatamente pra aquele ano e resgato essas memórias. Eu queria que as pessoas pudessem sentir o mesmo com a exposição.

Como definiria a representação de Garanhuns expressa nas marcas do FIG?

Eu gosto de como cada artista ou designer convidado pra fazer a marca do Festival traz um olhar diferente sobre Garanhuns ou o próprio evento em si. Durante esses 30 anos de evento eu diria que as marcas representaram bem as características do frio da cidade, os elementos da nossa cultura e a diversidade do Festival, mas sinto falta de mais garanhuenses expressando seu olhar nisso, mais artistas e designers daqui.

Qual o desafio de sintetizar quase 30 anos de festival? Como foi o processo de “curadoria” e seleção?

Hoje me sinto mais seguro nesse processo, já são cinco anos em que me interesso e pesquiso sobre o assunto, fazer pesquisa histórica no mestrado me deu mais experiência sobre processos e metodologias, mudou totalmente minha visão sobre tudo. Não é à toa que me senti bastante confiante quando decidi começar o FIG in Motion, mas no início, lá em 2016, quando comecei minha pesquisa pro TCC, foi bem desafiador. O processo de curadoria começa com bastante leitura e pesquisa em jornais antigos, busca do material gráfico utilizado para divulgar o evento, nem sempre é fácil, nem sempre encontro algo que esteja em uma resolução bacana e que sirva. Vários amigos garanhuenses me ajudaram e me ajudam ainda hoje me mandando material novo, um cartaz, uma fotografia, um panfleto, tudo serve para meu acervo.

Seu trabalho como pesquisador há muito uma investigação e memória da experiência gráfica do FIG. O que você descobriu de mais interessante nessa produção artística que o grande público ainda desconhece?

Eu gosto sempre de ser bem transparente pro público, minha pesquisa do TCC se encontra gratuitamente na internet, a exposição de 2018 foi feita no próprio FIG, e agora com o FIG in Motion eu escolhi o Instagram por acreditar ser a plataforma mais acessível pra mostrar esse trabalho. Então creio que tudo que eu descobri sobre as produções artísticas está visível nessas produções que eu montei. Algo que eu sinto que ainda é uma lacuna são os artistas e designers por trás das marcas mais antigas, os quais estão totalmente no anonimato, seria interessante investigar e buscar relatos dos próprios autores, acho que seria muito interessante. Mostrando as imagens para o público sempre gosto de explicar que meu trabalho é selecionar e mostrar o trabalho de outros artistas, no caso do FIG in Motion é uma intervenção minha animando as artes que outros artistas/designers fizeram no passado, nenhuma identidade visual do FIG foi feita por mim, pelo menos não ainda.

No seu mestrado em design pela UFPE, você pesquisa, dentre outros temas, sobre a obra do garanhuense Luís Jardim, muito mais conhecido pelo seu trabalho na literatura do que como desenhista. Fale mais sobre essa pesquisa e sobre a importância dele.

Luís Jardim foi um artista gráfico impressionante, fez diversos trabalhos como ilustrador e colaborou ativamente com a indústria gráfica pernambucana na época em que morou no Recife. Tenho encontrado um material incrível nos acervos e arquivos que frequentei durante o mestrado, fico muito feliz em poder contribuir com a história do design pernambucano, espero um dia poder mostrar também um pouco dessa pesquisa para o público, em breve.

Luís Jardim e seus pares representam um modus operandi de sua época? Para além da tecnologia, para você, quais as principais diferenças entre ser designer naquela época e ser hoje em dia?

Eu diria que muita coisa mudou, claro, a tecnologia hoje ajuda muito, sem ela eu não poderia conceber meu trabalho de motion design de uma forma tão prática e rápida, por exemplo. Mas, do meu ponto de vista, os jovens designers estão perdendo um pouco o contato com as artes manuais, as quais acho de extrema importância, a colagem, os testes, testar materiais e cores, os tipos móveis, o próprio desenho manual proporciona o pensamento livre junto do traço e, consequentemente, a criatividade. O uso dos computadores proporcionou uma qualidade maior no nosso trabalho, além de garantir também maior praticidade e rapidez na profissão, só que muitas vezes a máquina atropela as etapas no processo criativo, se tornando a única ferramenta utilizada pelo designer.

Quais designers e artistas você gosta e dão inspiração? Queria saber um pouco das suas referências.

Minhas maiores inspirações são os artistas e designers próximos a mim, meus amigos e colegas me inspiram muito, acho que estar perto e entender um pouco dos processos e perrengues de se fazer arte no Brasil deixa tudo mais humano, tira um pouco da visão do “glamour” do artista que muitas pessoas têm. Isso faz eu me identificar mais como artista e entender que sim é possível. Eu gosto muito do trabalho de motion design da minha amiga de mestrado Larissa Constantino (@lariconstantino_), que também está usando o momento de quarentena pra ilustrar e mostrar seus trabalhos na internet. Camila Regueira (@camilaregueira), outra artista visual que tem um trabalho incrível e também tive o prazer de conviver durante o mestrado. O trabalho de Pedro Henrique (@studiogerome) para os dois últimos FIG é muito inspirador, gosto demais como ele trabalha com as cores. Pernambuco tem muito artista que me inspiram, eu gosto muito do trabalho de Joana Lira, que já fez ilustrações pro FIG e pro Carnaval do Recife e o artista cubano David Alfonso, responsável por assinar as identidades visuais do FIG por três anos, o qual tive o prazer de trabalhar na mesma agência e trocar várias ideias sobre como foi pra ele fazer esse trabalho que tenho muita vontade fazer um dia. E, claro, o trabalho de Luís Jardim me influencia muito, por estar em total conexão com ele no momento.

Qual sua memória mais antiga de infância do FIG?

Minha mãe me levando pra ver os espetáculos de dança no Parque Euclides Dourado. O FIG foi um fomentador cultural muito grande pra mim, foi o espaço onde tive minhas primeiras experiências com arte, lembro que, com 11 anos de idade, eu já participava das oficinas culturais de teatro e dança, já visitava as exposições de arte. Não sei o que seria de mim hoje se não existisse o Festival de Inverno de Garanhuns.

Atingido pela pandemia, qual o sentimento de ter que atravessar 2020 sem aquele que seria o emblemático e 30º ano do festival?
A gente está vivendo um momento muito triste nessa pandemia, por diversos motivos. Pra mim, estar em Garanhuns justamente em julho com o frio que está fazendo por aqui, nessa época, e saber que esse ano não vamos ter aqueles dez dias de festa é devastador, me solidarizo com os artistas, artesãos e toda classe trabalhadora que vai sofrer perdas imensuráveis por conta da ausência do Festival esse ano, mas, ao mesmo tempo, gosto de pensar que toda a energia criativa “reprimida” esse ano vai ser potencializada em 2021 e, com certeza, vai fazer do 30º Festival de Inverno o maior e melhor que Garanhuns já viu.

Conheça mais do trabalho de Bruno Veríssimo

Instagram https://www.instagram.com/figinmotion/
Site https://www.behance.net/gallery/88799065/Exposicao-Memoria-Grafica-do-FIG